Formação

textos enviados mensalmente por pe. Vittorio Saraceno, ssp 
para estudo e meditação dos consagrados e vocacionados
do Instituto Paulino de Vida Secular Consagrada
São Gabriel Arcanjo

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APÓSTOLO PAULO: UM ESTILO DE VIDA
À SERVIÇO DA EVANGELIZAÇÃO

Pe. Valdir José de Castro, ssp
 
O mês de junho, particularmente para nós, membros da Família Paulina, é dedicado ao apóstolo Paulo. Pe. Alberione sempre insistiu que São Paulo é o discípulo que soube viver Cristo de maneira integral, de modo a tornar-se importante referência no caminho de santidade. Em outras palavras, afirma o Fundador que “seremos santos à medida que vivermos a vida de Jesus Cristo; ou melhor, à medida que Cristo viver em nós: ‘O cristão é outro Cristo’; é o que são Paulo afirma de si mesmo: ‘Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim’” (CISP 11-12).

Tendo presente que “a Família Paulina aspira a viver integralmente o Evangelho de Jesus Cristo, Caminho, Verdade e Vida, no espírito de são Paulo” (AD 63-64), a proposta desse retiro é refletir a espiritualidade cristã como um “estilo de vida”, da maneira como são Paulo viveu.

Os membros dos Institutos Paulinos, como parte da Família Paulina, são chamados a assumir este espírito nas realidades familiares, paroquiais, profissionais e no contexto da cultura da comunicação.

1. Espiritualidade cristã como um estilo de vida

A espiritualidade cristã tem em Jesus Cristo a primeira referência, cuja missão foi a de anunciar o Reino de Deus. Jesus revelou um projeto de vida que, no decorrer da história, foi assumido por homens e mulheres que acolheram a sua mensagem e fizeram dos valores que ele anunciou, um modo de ser.

Jesus revelou o rosto de Deus de uma forma profundamente humana, aproximando-O das pessoas. Anunciou que Deus é Pai, que ama indistintamente os seres humanos, que acolhe e que perdoa a todos os que se aproximam dele com o coração arrependido.

A Boa Notícia que Jesus anunciou, e que está na base da construção do “Reino de Deus”, não se refere a um conjunto de meras informações, mas de atos concretos em favor das pessoas, de modo especial, das que sofrem. A Boa Notícia de Jesus dava a cura ao doente; o perdão ao pecador; o pão ao faminto, a esperança ao que havia perdido o sentido da vida; a libertação ao que estava atormentado.

A espiritualidade de Jesus consistia num “modo de ser” voltado à vida e à libertação das pessoas inseridas nas realidades concretas da sociedade. Ele mesmo definiu o programa de sua atividade quando afirmou: “o Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos...” (Lc 4,18-19).

No contato com as pessoas, Jesus frequentemente usava palavras simples e histórias do cotidiano para expressar verdades profundas. Não só as suas palavras, mas também as suas obras, especialmente os seus milagres, eram atos de comunicação, que revelavam a sua identidade e manifestavam o poder de Deus. Nas suas comunicações, demonstrava respeito pelos seus ouvintes, atenção pela sua condição e necessidades, compaixão pelos seus sofrimentos e determinação decidida em dizer-lhes o que eles precisavam ouvir.

As palavras e as atividades de Jesus partiam de um único movente: o amor. Defendia que a vida ganha sentido quando há amor. Por isso deixou um mandamento insubstituível aos seus discípulos: “amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês”. E determinou a sua extensão: “Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos” (Jo 14,12-13). Sua ordem era amar sem limites.

Sem a compreensão deste mandamento central e sem entrar nesta lógica, é impossível compreender porque Jesus insistiu no amor aos inimigos, porque falou em perdoar sempre, porque afirmou que é necessário dar sem esperar retribuição, porque pediu para não julgar as pessoas. Sem entrar na lógica do amor é impossível entender porque, para Deus, cada pessoa é importante e porque Ele dá atenção a todos, especialmente aos mais necessitados. Na verdade, Jesus ensinou que a lógica de Deus nem sempre coincide com a lógica dos homens.

Jesus mesmo definiu o objetivo de sua missão: “Eu vim para que todos tenham vida, e tenham vida em abundância” (Jo 10,10). Levou este compromisso até a entrega da própria vida, numa cruz, consequência de sua fidelidade ao projeto que Deus Pai lhe confiou. No entanto, sua vida não terminou no madeiro. Pela ressurreição, continuou e prossegue presente na história, na vida de todos os que se abrem ao seu Espírito e à sua mensagem.

Para refletir:

a. O que entendemos por “espiritualidade cristã” como “estilo de vida”?

b. Qual foi o programa da atividade de Jesus?

c. Quais as dificuldades que o cristão “consagrado” encontra, hoje, para viver concretamente a espiritualidade cristã? Como superá-las?

2. O estilo de vida de Paulo de Tarso

Nos últimos dois mil anos de história, muitas pessoas fizeram da espiritualidade cristã um estilo de vida. Dentre essas, está o judeu Paulo de Tarso que, num determinado momento de sua vida, encontrou a razão da sua existência no seguimento de Jesus. Abraçou livremente o cristianismo, não como forma de entrar em “realidades espirituais”, para fugir dos problemas concretos, mas, pelo contrário, para buscar na mensagem de Jesus respostas às situações reais de pessoas e comunidades.

Uma oportunidade apareceu em sua vida e Paulo deu um novo sentido à sua história. Abraçou o cristianismo como um “modo de ser”, jamais como um conjunto de leis frias a serem cumpridas. Assumiu uma missão impulsionada por uma paixão indescritível pela pessoa e mensagem de Jesus. Arrastou consigo pessoas. Viveu uma espiritualidade profunda que deu sentido ao seu modo de ser e de agir, muito válida também para os dias de hoje.

Nascido em Tarso, capital da Cilícia, na Ásia Menor, entre os anos 5 e 10 da era cristã, Paulo recebeu o influxo de duas culturas: a judia e a helenista. Por raça e religião, era de origem judaica, porém, pertencia à comunidade da diáspora, ou seja, dos judeus que viviam fora da Palestina e que estavam em contato com o ambiente grego do qual assumiu a língua e muitos elementos que marcaram sua vida e seu pensamento.

Antes de abraçar o cristianismo, Paulo era um fanático partidário das tradições do povo judeu. Era irrepreensível no cumprimento da Lei. Foi educado em Jerusalém por Gamaliel, um dos grandes rabinos de seu tempo. Devido à sua sólida formação judaica, era um forte adversário de Jesus Cristo e de seus discípulos. Chegou a assistir o apedrejamento de Estevão, o primeiro mártir cristão.

Por volta do ano 36 da era cristã, Paulo passou por uma profunda transformação. Teve um encontro inusitado que o fez mudar o rumo de sua vida e que o orientou a um novo projeto. Enquanto seguia em direção à cidade de Damasco para fazer prisioneiros os seguidores de Cristo, fez uma experiência extraordinária de encontro com Jesus Ressuscitado que produziu uma mudança radical em sua história. Paulo entendeu essa experiência como fruto da “graça” (bondade!) de Deus. Ele mesmo dirá: “Deus, porém, me escolheu antes de eu nascer e me chamou por sua graça. Quando ele resolveu revelar em mim o seu Filho, para que eu o anunciasse entre os pagãos...” (Gl 1,15-16). De perseguidor, Paulo passou a ser um dos maiores seguidores de Jesus.

A mudança pela qual Paulo passou foi tão radical a ponto de colocar em segundo plano tudo o que havia aprendido até então. Sentiu-se tão “apóstolo”, ou “chamado”, como todos os outros apóstolos que haviam conhecido pessoalmente Jesus. Paulo teve que rever muitas de suas concepções sobre Deus, sobre o homem e sobre o mundo. Não considerava o cristianismo uma nova religião, distinta do judaísmo, mas uma continuação, ao qual deviam ser agregados novos elementos. Por isso, mais que considerar um episódio de conversão, convém entender a mudança que ocorreu na sua vida como um episódio de vocação, que o levou a dizer “sim” a um projeto de vida e santidade fundamentado em Jesus de Nazaré.

Na experiência do caminho de Damasco, Paulo fez uma pergunta fundamental: “Senhor, que queres que eu faça?” Com o tempo, Jesus foi lhe dizendo o que devia fazer. E respondendo aos apelos de Jesus, Paulo tornou-se um incansável anunciador do evangelho, não somente com palavras, mas com o testemunho da própria vida. Priorizou os pagãos, justamente as pessoas que ele antes discriminava. Passou a ser um “construtor” e “formador” de comunidades. Fez quatro viagens cheias de perigo, se levamos em consideração as condições de segurança da época. Visitou inúmeras cidades. A última de suas viagens foi de Jerusalém a Roma, na qual sofreu o martírio. Escreveu cartas que se tornaram, para nós, testemunho do seu apostolado. Nelas encontramos traços importantes para quem quer fazer da espiritualidade cristã um “estilo de vida”.

Para refletir:

a. Que significado teve a “conversão” na vida de Paulo? O que isso tem a nos dizer?

b. Para nós, membros da Família Paulina, as Cartas de Paulo fazem parte das fontes da espiritualidade que alimentam nossa missão, conforme insistiu Pe. Alberione. Quais as características do “estilo paulino” de seguir Jesus? Como as colocamos em prática no nosso cotidiano?

3. Comunicação: experiência humana e cristã fundamental

O tema da espiritualidade cristã leva-nos a refletir uma importante dimensão do “modo de ser cristão” (especialmente para nós, membros da Família Paulina!), que é a comunicação, pois, antes de tudo, “evangelizar” é “comunicar”. O apóstolo Paulo, que assumiu a espiritualidade cristã como um “estilo de vida”, mostra, com seu testemunho, que sem comunicação não há vida espiritual, não há revelação de Deus, não há abertura do homem a Deus, não há relações humanas com qualidade.

Hoje, o termo “comunicação” tem uma ampla abrangência, que vai desde o que diz respeito às relações interpessoais diretas até o que se refere à comunicação mediada pelos instrumentos técnicos. Todas as formas de comunicação convergem para a finalidade de aproximar pessoas e de reduzir distâncias e tempo. Dentre as invenções que marcaram o âmbito da comunicação midiática, nas últimas décadas, podemos destacar a imprensa, o rádio, o cinema, a televisão e a Internet.

Porém, o que é “comunicar”? Lembremos que o significado de “comunicação” está no próprio termo. O primeiro sentido, provindo do latim, remonta ao século XII (1160) e remete à ideia de comunhão, de partilha. A comunicação é sempre a busca do outro e de um compartilhar. Somente no século XVI é que passou a ser entendida como “difusão” de ideias desenvolvidas de várias formas, com o auxílio dos meios técnicos de comunicação.

Quando o assunto é comunicação ligada à espiritualidade ou à evangelização, o apóstolo Paulo é uma referência importante. Isto acontece porque ele não mediu esforços em interagir com as pessoas do seu tempo, fazendo da “comunicação” um caminho fundamental para gerar “comunhão”. Primou pelo uso dos meios de comunicação disponíveis na sua época, sem desprezar o contato direto com as pessoas. A desenvoltura na comunicação certamente teve como motivação a experiência de Jesus Cristo, a paixão pelo Evangelho e o amor ao povo ao qual se sentia chamado a anunciar.

A comunicação, em Paulo, perpassou todos os aspectos de sua vida: o conhecimento de si mesmo e a relação com Jesus Cristo, o trabalho de evangelização, os contatos pessoais e com as comunidades. Com seu testemunho mostrou que a comunicação é uma atitude humana e cristã fundamental e que a sua antropologia não é uma forma de individualismo. As pessoas são seres sociais, definidas como pessoas pelos seus relacionamentos. Com sua atitude mostrou que sem comunicação não há espiritualidade, não há relação humana com qualidade, não há encarnação da Palavra de Deus na realidade concreta. Para ele, “comunicação”, “espiritualidade” e “comunhão” são realidades que se entrelaçam.

Hoje, os meios de comunicação fazem parte da cultura em que vivemos e geram a explosão de criatividade que leva informação para todos os cantos do planeta. Porém, não podemos nos esquecer de que a comunicação é, antes de tudo, uma experiência humana fundamental e que, não obstante os meios técnicos tenham se desenvolvido de forma extraordinária, não melhoraram a qualidade da comunicação. Numa época marcada pela instrumentalização técnica e digitalizada, o contato direto entre as pessoas, que se expressa no “diálogo”, segue como um desafio.

Tanto no passado como no presente, a comunicação continua a ser um objetivo importante. É uma das necessidades básicas do ser humano. É por meio da comunicação verbal e não-verbal que as pessoas interagem entre si e constroem a sociedade e também a Igreja. Assim como não existem homens sem sociedade, também não existe sociedade sem comunicação. É o fio condutor que perpassa pessoas, grupos sociais e instituições e possibilita a construção do que chamamos cultura. Está na raiz da busca de sentido e da espiritualidade cristã como “estilo de vida”.

Para refletir:

a. O que entendemos por “comunicação”? O que tem a ver “comunicação” com “comunhão”? O que isso diz para nós, membros da Família Paulina?
b. Por que a comunicação é importante na vida cristã? Como Paulo a viveu?
c. Como situamos a comunicação interpessoal no contexto da cultura dominada pelos meios técnicos de comunicação? 
 
 
Senhor, aumentai a nossa fé!
Resumo

            Na introdução da carta, Dom Odilo afirma ser ela "uma reflexão motivadora e, ao mesmo tempo, as necessárias orientações para a vivência do Ano da Fé em nossa Comunidade Eclesial Metropolitana!".
            O texto está dividido em 11 tópicos, além da introdução e conclusão. No primeiro, "Olhos fixos em Jesus, autor e consumador da nossa fé (cf. Hb 12,2)", dom Odilo aponta que o Ano da Fé é ocasião para que se olhe aos predecessores na fé católica, que mesmo diante das dificuldades mantiveram-se perseverantes na fé.
            O Arcebispo indica em "Filha, a tua fé te salvou (Lc 8,48)", segundo tópico da carta, que a fé nasce de um encontro pessoal com Deus, por meio de Jesus Cristo, e destaca que crer é levar Deus a sério, ter fé na Palavra, colocar-se nas mãos de Deus e deixar-se por ele conduzir.
            No terceiro tópico o Cardeal lembra que, no Batismo, o católico recebe a fé da Igreja, que por sua vez a recebeu inicialmente do testemunho dos Apóstolos de Jesus: "Perseveravam na doutrina dos Apóstolos (cf. At 2,42)".
            "Faze isso e viverás (Lc 10,28)" é o quarto tópico. Nele Dom Odilo diz que a fé se traduz na resposta vital a Deus, concretizada na adoração e louvor, no reconhecimento da vontade de Deus e obediência aos mandamentos, além de uma vida de retidão e honestidade.
            "Ainda haverá fé sobre a terra? (Lc 18,8)" é o quinto item. Nele o Cardeal aponta que o abandono da fé é preocupante em uma realidade marcada pela superficialidade na adesão a Deus e às verdades de fé, e pede que haja empenho na transmissão da fé.
            No sexto tópico "A fé vem da pregação da Palavra de Cristo (cf. Rm 10,17)", o Arcebispo ressalta a necessidade do anúncio da Palavra e do testemunho de vida cristã, e lembra que todas as formas organizadas da Igreja têm como missão principal anunciar a Palavra de Deus.
            "Eu sei em quem acreditei' (2Tm 1,12)" é o sétimo tópico. Aqui Dom Odilo destaca que os fiéis devem compreender a própria fé para poder explicá-la aos outros e resistir às contradições postas à fé, e destaca a importância da Catequese de iniciação à vida cristã e do estudo permanente do Catecismo da Igreja Católica.
            No oitavo tópico "Fica firme naquilo que aprendestes! E sabes de quem o aprendestes (cf. 2Tm 3,14)", o Cardeal indica que a transmissão da fé é parte essencial da missão da Igreja, e exorta as famílias a transmitirem a fé aos filhos e apresentá-los ao sacramentos da Igreja.
            No nono tópico, "Acabei a minha corrida, guardei a fé (2Tm 4,7)", o Cardeal Arcebispo afirma que diante de uma cultura da vantagem imediata, muitos abandonam a fé. E ele lembra, então que ela não é passageira e que ser perseverante na fé é um compromisso com Deus e com Jesus Cristo.
            "E as portas do inferno não prevalecerão contra ela (cf. Mt 16,19)" é o décimo item. Nele o Purpurado salienta que a Igreja permanece na verdade do Evangelho, mesmo diante das dificuldades e perseguições, e que os fiéis não devem perder a confiança na Igreja Católica, pois Jesus Cristo nunca a abandonará.
            O 11º e último dos tópicos é: "Senhor, aumentai a nossa fé! (Lc 15,5)". Neste ponto o Cardeal reflete mais detalhadamente sobre o Ano da Fé. Faz a lista de suas indicações e objetivos, mostra como serão as iniciativas que promovidas para a manifestação e testemunho público da fé na Arquidiocese.
            O final da Carta Pastoral de Dom Odilo é um convite para a plena vivência do Ano da Fé. Dom Odilo faz um apelo para que cada católico praticante traga para a prática da fé mais um irmão católico não praticante. E finaliza com um incentivo evangélico: "Feliz aquela que acreditou! (Lc 1,45)". (JS)

RETIRO DE 09 DE FEVEREIRO/2013

O ANO DA FÉ

Iniciamos o novo ano com a reflexão sobre a fé (material enviado). Nunca será sufi-ciente aprofundar o dom da fé. Bento XVI, para o Ano da fé, nos ajuda com suas profundas reflexões das quartas-feiras. Aproveitemos desta riqueza. O nosso retiro de hoje desfruta as primeiras duas Catequese de do Santo Padre. Logo no início o papa lembra o objetivo do Ano da fé: “Para que a Igreja renove o entusiasmo de crer em Jesus Cristo, único Salvador do mundo, reavive a alegria de percorrer o caminho que nos indicou, e testemunhe de modo concreto a força transformadora da fé”. Seguem trechos das primeiras duas catequeses.
[...]
1ª Catequese - O ANO DA FÉ

1)         Perguntemo-nos — a fé é verdadeiramente a força transformadora da nossa vida, na minha vida? Ou então é apenas um dos elementos que fazem parte da existência, sem ser aquele determinante, que a abrange totalmente? Neste Ano da fé queremos percorrer um caminho para fortalecer ou reencontrar a alegria da fé, compreendendo que ela não é algo de alheio, separado da vida concreta, mas é a sua alma. A fé num Deus que é amor, e que se fez próximo do homem, encarnando e doando-se a si mesmo na cruz para nos salvar e reabrir as portas do Céu, indica de modo luminoso que a plenitude do homem consiste unicamente no amor. Hoje é necessário reiterá-lo com clareza, enquanto as transformações culturais em curso mostram com frequência tantas formas de barbárie, que passam sob o sinal de «conquistas de civilização»: a fé afirma que não há humanidade autêntica, a não ser nos lugares, nos gestos, nos tempos e nas formas nas quais o homem é animado pelo amor que vem de Deus, se expressa como dom, se manifesta em relações ricas de amor, de compaixão, de atenção e de serviço abnegado ao próximo. Onde existe domínio, posse, exploração, mercantilização do outro por egoísmo próprio, onde há arrogância do eu, fechado em si mesmo, o homem torna-se pobre, degradado, desfigurado. A fé cristã, laboriosa na caridade e forte na esperança, não limita, mas humaniza a vida, aliás, torna-a plenamente humana.
            A fé é o acolhimento desta mensagem transformadora na nossa vida, o acolhimento da revelação de Deus, que nos faz conhecer quem Ele é, como age, quais são os seus desígnios para nós. Sem dúvida, o mistério de Deus permanece sempre além dos nossos conceitos e da nossa razão, dos nossos ritos e das nossas preces. Todavia, com a revelação é o próprio Deus quem se autocomunica, se descreve, se torna acessível. E nós nos tornamos capazes de ouvir a sua Palavra e de receber a sua verdade. Eis, pois, a maravilha da fé: Deus, no seu amor, cria em nós — através da obra do Espírito Santo — as condições adequadas para que possamos reconhecer a sua Palavra. O próprio Deus, na sua vontade de se manifestar, de entrar em contacto conosco, de se fazer presente na nossa história, nos torna capazes de ouvi-lo e acolhê-lo. São Paulo o exprime assim, com alegria e reconhecimento: «Nós não cessamos de dar graças a Deus, porque recebestes a palavra de Deus, que de nós ouvistes, e porque a acolhestes não como palavra de homens, mas como o que realmente é, palavra de Deus, que age eficazmente em vós que acreditais» (1Ts 2,13).
            Deus revelou-se mediante palavras e obras em toda uma longa história de amizade com o homem, que culmina na Encarnação do Filho de Deus e no seu Mistério de Morte e Ressurreição. Deus não só se revelou na história de um povo, nem falou só por meio dos Profetas, mas atravessou o seu Céu para entrar na terra dos homens como homem, para que pudéssemos encontrá-lo e ouvi-lo. E de Jerusalém o anúncio do Evangelho da salvação propagou-se até aos confins da terra. A Igreja, nascida do lado de Cristo, tornou-se portadora de uma esperança nova e sólida: Jesus de Nazaré, crucificado e ressuscitado, Salvador do mundo, que está sentado à direita do Pai e é Juiz dos vivos e dos mortos. Este é o kerigma, o anúncio central e impetuoso da fé. Mas desde o início levantou o problema da «regra da fé», ou seja, da fidelidade dos crentes à verdade do Evangelho, na qual permanecer firmes, à verdade salvífica sobre Deus e sobre o homem, que se deve conservar e transmitir. São Paulo escreve: «Recebereis a salvação, se o mantiverdes [o Evangelho] como vo-lo anunciei. Caso contrário, em vão teríeis abraçado a fé» (1Cor 15,2).
2)         Mas onde encontramos a fórmula essencial da fé? Onde encontramos as verdades que nos foram fielmente transmitidas e que constituem a luz para a nossa vida diária? A resposta é simples: no Credo, na Profissão de Fé, ou Símbolo da Fé, nós nos relacionamos com o acontecimento originário da Pessoa e da História de Jesus de Nazaré; torna-se concreto quanto o Apóstolo das nações dizia aos cristãos de Corinto: «Transmiti-vos primeiramente o que eu mesmo tinha recebido: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia» (1Cor 15,3-4).
            Ainda hoje temos necessidade que o Credo seja melhor conhecido, compreendido e pregado. Sobretudo, é importante que o Credo seja, por assim dizer, «reconhecido». Com efeito, conhecer poderia ser algo simplesmente intelectual, enquanto «reconhecer» quer significar a necessidade de descobrir o vínculo profundo entre as verdades que professamos no Credo e a nossa existência quotidiana, para que estas verdades sejam deveras e concretamente — como sempre foram — luz para os passos do nosso viver, água que rega a aridez do nosso caminho, vida que vence certos desertos da vida contemporânea. No Credo insere-se a vida moral do cristão, que nele encontra o seu fundamento e a sua justificação.
            Não é por acaso que o Bem-aventurado João Paulo II quis que o Catecismo da Igreja Católica (CIC), norma segura para o ensinamento da fé e fonte certa para uma catequese renovada, se inspirasse no Credo. Tratava-se de confirmar e conservar este núcleo fulcral das verdades da fé, comunicando-o numa linguagem mais inteligível aos homens do nosso tempo, a nós. É um dever da Igreja transmitir a fé, comunicar o Evangelho, a fim de que as verdades cristãs sejam luz das novas transformações culturais, e os cristãos se tornem capazes de explicar a razão da sua esperança (cf. 1Pd 3,14). Hoje, vivemos numa sociedade profundamente transformada, também em relação a um passado recente, e em movimento contínuo. Os processos da secularização e de uma difundida mentalidade niilista, em que tudo é relativo, marcaram profundamente a mentalidade comum. Assim, a vida é muitas vezes levada com superficialidade, sem ideais claros nem esperanças sólidas, no contexto de vínculos sociais e familiares fluidos, provisórios. Sobretudo as novas gerações não são educadas para a busca da verdade e do sentido profundo da existência, que ultrapasse o contingente, para a estabilidade dos afetos, para a confiança. Ao contrário, o relativismo leva a não ter pontos firmes; suspeita e volubilidade provocam rupturas nos relacionamentos humanos, enquanto a vida é vivida com experiências que duram pouco, sem assunção de responsabilidade. Se o individualismo e o relativismo parecem dominar o espírito de muitos contemporâneos, não se pode dizer que os crentes permanecem totalmente imunes a estes perigos, que devemos enfrentar na transmissão da fé. A sondagem realizada em todos os Continentes, em vista da celebração do Sínodo dos Bispos sobre a Nova Evangelização, evidenciou alguns: uma fé vivida de modo passivo e privado, a rejeição da educação para a fé, a ruptura entre vida e fé.
            Muitas vezes o cristão não conhece nem sequer o núcleo central da própria fé católica, do Credo, de modo a deixar espaço a certo sincretismo e relativismo religioso, sem clareza sobre as verdades nas quais crer e sobre a singularidade salvífica do cristianismo. Hoje não está muito distante o risco de construir, por assim dizer, uma religião personalizada. Ao contrário, temos que voltar para Deus, para o Deus de Jesus Cristo, temos que redescobrir a mensagem do Evangelho, fazê-lo entrar de modo mais profundo nas nossas consciências e na vida quotidiana.
            Nas catequeses deste Ano da fé gostaria de oferecer uma ajuda para percorrer este caminho, para retomar e aprofundar as verdades centrais da fé sobre Deus, o homem, a Igreja e toda a realidade social e cósmica, meditando e ponderando sobre as afirmações do Credo. E gostaria que fosse clara que estes conteúdos ou verdades da fé (fides quae) se relacionam diretamente com a nossa vida; exigem uma conversão da existência, que dá vida a um novo modo de crer em Deus (fides qua). Conhecer Deus, encontrá-lo, aprofundar os traços da sua Face põe em jogo a nossa vida, pois Ele entra nos dinamismos profundos do ser humano.
            Possa o caminho que percorreremos este Ano fazer-nos crescer todos na fé e no amor a Cristo, para que aprendamos a viver, nas opções e gestos quotidianos, a vida boa e bela do Evangelho. (Cf. Catequese de 17 de Outubro de 2012)


2ª Catequese - O QUE É A FÉ?

            Iniciando o segundo encontro de Catequese, Bento XVI apresenta uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda tem sentido a fé, num mundo em que ciência e técnica abriram horizontes até há pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? Com efeito, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua sem dúvida um conhecimento das suas verdades e dos acontecimentos da salvação, mas, sobretudo, que nasça de um encontro verdadeiro com Deus em Jesus Cristo, do amá-lo, do ter confiança nele, de modo que a vida inteira seja envolvida por Ele.
            Hoje, juntamente com tantos sinais de bem, aumenta ao nosso redor certo deserto espiritual. Às vezes tem-se como que a sensação, a partir de certos acontecimentos dos quais recebemos notícias todos os dias, que o mundo não caminha rumo à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as próprias ideias de progresso e de bem-estar mostram também as suas sombras. Não obstante a grandeza das descobertas da ciência e dos êxitos da técnica, hoje o homem não parece ter-se tornado verdadeiramente mais livre, mais humano; subsistem muitas formas de exploração, de manipulação, de violência, de prepotência, de injustiça... Além disso, certo tipo de cultura educou a mover-se só no horizonte das coisas, do realizável, a acreditar unicamente naquilo que se vê e se toca com as próprias mãos. Mas por outro lado, aumenta também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão apenas horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto sobressaem algumas interrogações fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Para que rumo orientar as opções da nossa liberdade, para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?
            Destas interrogações insuprimíveis sobressai que o mundo da planificação, do cálculo exato e da experimentação, em síntese o saber da ciência, embora seja importante para a vida do homem, sozinho não é suficiente. Temos necessidade não só do pão material, mas precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um sentido autêntico também na crise, nas obscuridades, nas dificuldades e nos problemas quotidianos. A fé oferece-nos precisamente isto: é um entregar-se confiante a um «Tu», que é Deus, o qual me confere uma certeza diversa, mas não menos sólida do que aquela que me deriva do cálculo exato ou da ciência. A fé não é simples assentimento intelectual do homem a verdades particulares sobre Deus; é um gesto mediante o qual me confio livremente a um Deus que é Pai e que me ama; é adesão a um «Tu» que me dá esperança e confiança. Sem dúvida, esta adesão a Deus não está isenta de conteúdos: com ela estamos conscientes de que o próprio Deus nos é indicado em Cristo, mostrou o seu rosto e fez-se real-mente próximo de cada um de nós. Aliás, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é incomensurável: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus que se fez homem, mostra-nos do modo mais luminoso até que ponto chega este amor, até ao dom de si mesmo, até ao sacrifício total. Com o mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até ao fundo na nossa humanidade, para lha restituir, para a elevar à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, perante o mal e a morte, mas é capaz de transformar todas as formas de escravidão, oferecendo a possibilidade da salvação. Então, ter fé é encontrar este «Tu», Deus, que me sustém e me faz a promessa de um amor indestrutível, que não só aspira à eternidade, mas também a concede; é confiar-me a Deus com a atitude da criança, a qual sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão salvaguardados no «tu» da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Penso que deveríamos meditar mais frequentemente — na nossa vida quotidiana, caracterizada por problemas e situações por vezes dramáticas — sobre o fato de que crer cristãmente significa este abandonar-se com confiança ao sentido profundo que me sustém, a mim e ao mundo, àquele sentido que não somos capazes de nos darmos a nós mesmos, mas só de receber como dádiva, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem temor. Temos que ser capazes de anunciar com a palavra e de mostrar com a nossa vida cristã esta certeza libertadora e tranquilizadora da fé.
            Contudo, ao nosso redor vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes, ou rejeitam aceitar este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, temos palavras duras do Ressuscitado, que diz: «Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado» (Mc 16,16), perder-se-á a si mesmo. Gostaria de vos convidar a meditar sobre isto. A confiança na ação do Espírito Santo deve impelir-nos sempre a ir e anunciar o Evangelho, ao testemunho corajoso da fé; mas para além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé há inclusive o risco da rejeição do Evangelho, do não-acolhimento do encontro vital com Cristo. Já santo Agostinho apresentava este problema num seu comentário à parábola do semeador: «Nós falamos — dizia — lançamos a semente, espalhamos a semente. Há aqueles que desprezam, aqueles que repreendem, aqueles que zombam. Se os tememos, não teremos mais nada para semear, e no dia da ceifa permaneceremos sem colheita. Por isso, venha a semente da terra boa» (Discursos sobre a disciplina cristã, 13, 14: pl 40, 677-678). Portanto, a rejeição não nos pode desencorajar. Como cristãos, somos testemunhas deste terreno fértil: apesar dos nossos limites, a nossa fé demonstra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de uma nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, que existe a semente boa, e dá fruto.
            Mas perguntemo-nos: de onde haure o homem aquela abertura do coração e da mente, para acreditar no Deus que se tornou visível em Jesus Cristo, morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de tal modo que Ele e o seu Evangelho sejam guia e luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus, porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. Então, a fé é antes de tudo uma dádiva sobrenatural, um dom de Deus. O Concílio Vaticano II afirma: «Para prestar esta adesão da fé, são necessários a prévia e concomitante ajuda da graça divina e os interiores auxílios do Espírito Santo, o qual move e converte a Deus o coração, abre os olhos do entendimento, e dá “a todos a suavidade em aceitar e crer na verdade”» (Constituição dogmática Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé está o Batismo, o sacramento que nos confere o Espírito Santo, tornando-nos filhos de Deus em Cristo, e marca a entrada na comunidade da fé, na Igreja: não cremos por nós mesmos, sem a prevenção da graça do Espírito; e não cremos sozinhos, mas juntamente com os irmãos. Do Batismo em diante, cada crente é chamado a reviver e fazer sua esta profissão de fé, com os irmãos.
            A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O CIC afirma-o claramente: «O ato de fé só é possível pela graça e pelos auxílios interiores do Espírito Santo. Mas não é menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade nem à inteligência do homem» (n. 154). Aliás, envolve-as e exalta-as, numa aposta de vida que é como que um êxodo, ou seja, um sair de nós mesmos, das nossas seguranças, dos nossos esquemas mentais, para nos confiarmos à ação de Deus que nos indica o seu caminho para alcançar a liberdade verdadeira, a nossa identidade humana, a alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar-se com toda a liberdade e com alegria ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. Então, a fé é um assentimento com que a nossa mente e o nosso coração dizem o seu «sim» a Deus, professando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, abre-lhe o caminho rumo a uma plenitude de significado, tornando-a assim nova, rica de júbilo e de esperança confiável.
            O nosso tempo exige cristãos que tenham sido arrebatados por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e com os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustém no caminho e nos abre para a vida que nunca mais terá fim. (Cf Catequese de 24 de Outubro de 2012).

http://www.vatican.va/holy_father/benedict_xvi/audiences/2012/documents/hf_ben-xvi_aud_20121024_po.html



“Reacenda o dom recebido, na comunhão e participação.”
Palavra: 2Tm 1,6-14
O IX Capítulo Geral da Pia Sociedade de São Paulo, realizado em Ariccia, Itália, de 25 de abril a 15 de maio de 2010, teve por tema: “Reaviva o dom que recebeste” (2Tm 1,6).
O Capítulo Provincial da Província do Brasil assumiu esse tema e o integrou da seguinte forma: “Reacenda o dom recebido, na comunhão e participação”. Tema que não só serviu de motivação carismática para os trabalhos capitulares, mas estará presente na caminhada pessoal e comunitária dos próximos anos. Parece, então, importante que motive também o retiro de novembro dos Institutos Paulinos de Vida Secular Consagrada.

0.1 “Reacenda o dom recebido”.
Nos primeiros anos de existência da Família Paulina havia a convicção de que “os tempos apostólicos revivem”, ou seja, que Jesus, como chamou apóstolos e discípulos durante sua vida na Palestina, continuava esta mesma missão nos inícios do século vinte. Por isso, em Alba, estava nascendo a nova família religiosa composta de homens e mulheres, apóstolos/as e discípulos/as de Jesus Mestre Caminho, Verdade e Vida.
Ainda mais: estes novos/as chamados/as recebiam o dom de seguir as pegadas de são Paulo, tornando-se verdadeira expressão de “São Paulo hoje vivente”.
Este ideal foi sendo vivenciado de maneira muito viva, a tal ponto que o primeiro sacerdote recebeu o novo nome de Timóteo e a primeira Superiora Geral o nome de Tecla, considerada grande discípula do Apóstolo Paulo.
Juntamente com os Evangelhos, as Cartas de São Paulo eram o pão cotidiano daquelas gerações paulinas. Entre todas, as duas Cartas a Timóteo pareciam enviadas diretamente aos paulinos, que não faziam a distinção entre cartas autenticamente de Paulo e cartas simplesmente paulinas. E a mais amada era exatamente a Segunda, que, mais que outras, serviu de bandeira para indicar a buscada simbiose de identidade entre Paulinos e Paulo. Vejamos alguns pontos que suscitavam entusiasmo e dedicação:
·         Logo depois da saudação inicial a Carta apresenta um memorial, por parte de Paulo, da vocação de Timóteo (2Tm 1,3-5). Por sua vez, a Família Paulina entrevia nesse texto o relacionamento vocacional entre Alberione e Giaccardo.
·         No versículo 6 encontramos a exortação a reacender do dom de Deus recebido e, nos versículos de 7 a 11 descreve-se o espírito recebido, que não é de timidez, mas de força, amor e sabedoria, em vista de uma vocação santa, segundo o plano de Deus a ser realizado na manifestação de Cristo Jesus, mistério agora revelado e do qual Paulo foi constituído arauto, apóstolo e mestre. Paulinos e paulinas viam espelhado nessas palavras o espírito paulino.
·         Qual outra expressão paulina foi mais repetida e cantada com arte e ardor do que o “Scio cui credidi”? “Eis porque sofro tais coisas. Todavia não me envergonho, porque eu sei em quem depositei a minha fé, e estou certo de que ele tem poder para guardar o meu depósito, até aquele Dia” (2Tm 1,12)
·         Na mente, no coração e na boca, constantemente, floresciam expressões como: “Toma por modelo as sãs palavras que de mim ouviste, com fé e com o amor que está em Cristo Jesus. Guarda o bom depósito, por meio do Espírito Santo que habita em nós” (2Tm 1, 13-14). “Tu, pois, meu filho, fortifica-te na grça que está em Cristo Jesus” (2Tm 2,1). “Assume a tua parte de sofrimento como bom soldado de Cristo Jesus” (2Tm 2,3).
·         Qual foi mais abrangente do ideal paulino do que a certeza do apóstolo, que, mesmo encarcerado, proclamava: “A palavra de Deus não está algemada” (2Tm 2,9).
·         E todas as expressões e conselhos dos capítulos dois e seguintes eram esmiuçados nas meditações, como, por exemplo, 2Tm 3,14-17, sobre Escritura “inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, par corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito , qualificado para toda a boa obra”.
·         A todos aqueles que desejam compartilhar a missão paulina, o convite do Fundador é: “Opus fac evangelistae”: “Tu, porém, sê sóbrio em tudo, suporta o sofrimento, faze o trabalho de evangelista, realiza plenamente teu ministério” (2Tm 4,5).
·         Quanta emoção e força suscitava naqueles e naquelas jovens das primeiras gerações paulinas a solene proclamação: “Quanto a mim, já fui oferecido em libação, e chegou o tempo da minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa da justiça que me dará o Senhor, justo Juiz, naquele Dia; e não somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor sua Aparição” (2Tm 4,6-8).
É incalculável a abundante riqueza da Palavra de Deus que a Segunda a Timóteo injetou nas veias das primeiras gerações paulinas.
O reacender/reavivar (avnazwpurei/n) o carisma se enraíza, ao mesmo tempo, no duplo simbolismo da vida (zw=zō, zōē, vida) e do fogo (pur=pyr, fogo) para indicar o fruto da ação do Espírito (to. ca,risma =o dom, carisma) segundo a iniciativa gratuita de Deus, o Pai, por meio de Cristo Jesus, servindo-se do ministério de Paulo, em prol do Evangelho: “Eu, a ti relembro: reaviva o dom que Deus depôs em ti por imposição de minhas mãos”. A Vulgata chega a falar em “ressuscitar a graça de Deus” (“Ut resuscites gratiam Dei”). Trata-se de acolher, com trepidação, as abundantes riquezas, para a vida e a eternidade, que Paulo está entregando em testamento, segundo 2Tm 1,6-14: “E com a ajuda do Espírito Santo que habita em nós, guarda o precioso depósito”. O Espírito habitante (tou/ evnoikou/ntoj) em nós não é simplesmente um alienante “dulcis hospes animae”, e sim é “língua como de fogo” (glw/ssai w`sei. puro.j – At 2,3) que ilumina tirando das trevas do mundo e “sopro vivificante” (Gn 2,7) que introduz na vida e liberdade do Reino de Deus.
O único e grande dom que Deus faz à sua igreja é o seu Espírito:
2Cor 1,21-22: “É Deus quem nos mantém, a nós e a vós, fiéis a Cristo; ungiu-nos, selou-nos e pôs em nosso coração o Espírito como penhor (to.n avrrabw/na)”(cf 2Cor 5,5; 1Ts 4,8 ou 4,1-8).
Todos os outros dons da comunidade – geralmente com o nome de graça (to. ca,risma) – são efeito deste único dom: Rm 12, 1ss. Pela graça a comunidade forma um corpo, um organismo que vive e age em harmonia: em comunhão e participação.
Os membros da comunidade, havendo recebido de Deus os dons, são chamados a oferecer reciprocamente os próprios inspirando-se ao novo mandamento de Cristo: “Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros” (Jo 13,34).
0.2 “Comunhão e participação”
O dom recebido, então, é aquele Amor/Espírito entregue por Cristo, morrente na Cruz, que gera a comunhão (koinwni,a) trinitária: “E a nossa comunhão é com o Pai e com o seu Filho Jesus Cristo” (cf 1Jo 1,3). E a comunhão (koinwni,a) habilita à participação, a ser participante (sugkoinwno.j): “Para os fracos, fiz-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a todo custo. E, isto tudo, eu o faço por causa do evangelho, para dele me tornar participante” (1Cor 9,22-23). Paulo eleva ação de graças a Deus pela comunidade, por sua “comunhão no evangelho” (evpi. th/| koinwni,a| u`mw/n eivj to. euvagge,lion - Fl 1,5) e sua “participação na graça” ou dom (sugkoinwnou,j mou th/j ca,ritoj pa,ntaj u`ma/j o;ntaj- Fl 1,7): Fl 1,3-8. É nesta comunhão trinitária e participação carismática que nascem e vivem a Igreja (LG 4), a Pia Sociedade de São Paulo e a Família Paulina: “Ora, há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos (1Cor 12,4-6). É este aquele “vínculo íntimo de caridade, mais nobre do que o vínculo de sangue” (AD 35) que nos une na comunhão e participação, passando pela comunicação. Por isso Alberione afirma: “O Pai é a fonte, o Filho é a causa, o Espírito Santo é a communicatio da graça” (MV 158). Reacender o dom é viver (= comunhão) e agir (= participação) em sintonia com o Espírito comunicador, vida dos comunicadores da Boa Notícia. Paulo impõe as mãos, mas a ação é de Deus. Padre Alberione, de fato, assegura: “A mão de Deus sobre mim, de 1900 a 1960. A vontade do Senhor se cumpriu, não obstante a miséria de quem devia ser seu instrumento indigno e não adapto. Do Tabernáculo: a luz, a graça, as exortações, a força, as vocações: ao começar e no caminho” (UPS I 374). Afirmou também: “A mão de Deus sobre mim, como nos conduziu”. Pela força do Espírito de Cristo a Igreja foi instituída e é instituinte. Sob a mão de Deus, na Igreja e por meio de Alberione, também a Família Paulina foi instituída. Acolher o mandato de “reacender o dom de Deus na comunhão e participação” significa, para o Capítulo Provincial e para a Província brasileira, deixar que o Espírito Santo seja hoje – e na caminhada dos próximos anos – novamente instituinte do espírito paulino, para a glória de Deus e o serviço à humanidade, na medida que convém ao Povo de Deus que está no Brasil, e não só.
Pe. Antonio F. da Silva, ssp
São Paulo, 03/11/2012


RETIRO ESPIRITUAL – 15 DE DEZEMBRO/2012

68. ESPIRITUALIDADE PAULINA
16 de agosto de 1965, por ocasião dos exercícios em Aríccia

            O Senhor quer que realizemos neste mundo algum trabalho, algum dever, alguma profissão, mas o trabalho mais precioso e que deve durar toda a vida é o aperfeiçoamento. E vós aspirais à perfeição. Antes a vida cristã bem vivida; agora aspirais à vida religiosa e, na vida religiosa, ao aperfeiçoamento. Isto é muito importante: ter uma caderneta, um caderno, um registro secreto, pessoal, onde se consigna o trabalho que se faz de ano em ano. Por exemplo, enumeram-se os propósitos, os pensamentos que se tiveram, as exortações, os conselhos e as práticas de piedade. Quando se chega ao fim do mês para o retiro mensal ou quando se chega ao fim do ano, pode-se fazer o exame. Progredi? Fiz bem o meu trabalho mais precioso da vida, o aperfeiçoamento, a santificação? Almas que se empenham realmente em progredir, se servem também de um meio assim, porque ele também serve para fazer o exame de consciência.
            Agora, outra coisa: é muito importante nestes tempos que se trabalhe pelas vocações. Temos uma congregação que é a Família Paulina: das Apostolinas, que são totalmente dedicadas ao trabalho das vocações. Mas há também cada instituto que está empenhado nisto. Empenham-se em rezar pelas vocações, empenham-se em trabalhar, quando possível, pelas vocações, oremos para que se formem bem as vocações. Depois oremos também para que, quando o sacerdote chegar ao campo de trabalho, ou quando a consagrada emitir seus votos, suas promessas, que o seu ministério, sua vida, seu apostolado sejam frutuosos. Portanto, se deveriam pedir três graças: que se promovam as vocações; que se formem as vocações; que uma vez formadas, trabalhem pela Igreja, pelas almas.
            Devo lembrar: o ano passado, de modo particular, se insistiu na difusão da Bíblia, que é distribuída a baixo preço para que possa entrar em todas as famílias, e muitas de vós trabalhastes neste campo da difusão da Bíblia. Há quem tenha difundido mil e mais exemplares. Este trabalho refere-se somente a um ano, mas este apostolado deve continuar sempre.
            [Aqui Pe. Alberione pergunta: “Quantas são as famílias na Itália? São 14 milhões (hoje 23 milhões) e então a tarefa é muito grande”. Seria um bom trabalho pesquisar quantas são no Brasil.] Este trabalho vai sempre aumentando. E como existe alguma dificuldade, isto é, nem todos compreendem a Bíblia, deve-se ter em vista duas coisas: em primeiro lugar leia-se o Evangelho. É muito simples! A Bíblia se compõe de 72 livros, mas a parte principal é o Evangelho, e depois o livro dos Atos dos Apóstolos, a seguir as cartas dos Apóstolos. Depois se pode passar ao Antigo Testamento, em particular aos livros históricos, aos morais, aos proféticos. Para que seja mais fácil e para que todos a compreendam, formou-se uma iniciativa com finalidade de promover a leitura da Bíblia com cursos de instrução por correspondência. Este é outro modo para que todos possam compreender e ler melhor e com mais fruto a Bíblia. Continuamos, pois, a difusão, e como há certa dificuldade para muitos de ler a Bíblia, então promovamos cursos por correspondência [cursos na própria paróquia, na própria família].
            E agora um propósito geral de imensa vantagem. Há quem faz outros propósitos, mas há sempre uma necessidade: melhorar a oração. Na Teologia, os graus de oração indicados são nove: o primeiro é a oração vocal, o segundo é a oração de meditação, o terceiro é a oração afetiva, e assim por diante, até o recolhimento infuso. Quando estamos bem recolhidos diante do Senhor, o Espírito Santo infunde aquele recolhimento pelo qual a alma entra na comunicação com Deus mais intimamente. A oração tem sempre duas partes: 1) dar glória a Deus, louvar a Deus e 2) pedir as graças necessárias. Para algumas de vós este será o único empenho, o único propósito que tem muita importância. Mas também para quem tem outros propósitos, o único meio para mantê-los é a oração. Portanto peçamos ao Senhor a graça de orar cada vez melhor. Para subir até os nove graus precisa-se de tempo, mas se pode chegar até lá se há contínuo progresso.
            Outra reflexão, ou melhor, outro argumento. Sabeis como é constituída a Família Paulina: em primeiro lugar, há a Pia Sociedade de São Paulo, depois vêm as Filhas de São Paulo, as Pias Discípulas, as Irmãs Pastorinhas, para as paróquias, as Apostolinas, Anunciatinas, os Gabrielinos e os Sacerdotes de Jesus Sacerdote. A tudo isto se acrescenta a União dos Cooperadores. A Família Paulina tem um raio muito amplo. É como uma iniciativa universal. A todos conseguiu fazer o bem e há meios para se chegar a fazer o bem em toda parte. Por exemplo, com os periódicos, com as publicações que chegam a um alto número, por exemplo, a Família Cristã que já tem um milhão e meio de exemplares que chegam às famílias. E há ainda outra produção, muito diferente. A Família Paulina admite todas as atividades pastorais, louva a todas, apóia a todas e incentiva a todas. Onde quer que se possa fazer o bem, todas as iniciativas que têm a aprovação da Igreja, e que servem para a salvação das almas, tudo o que é bom, nada está excluído. Antes, se deve inventar novas iniciativas, enquanto surgem muitos males e muitas novas desordens.
            Com isto respondo à pergunta que já me foi feita muitas vezes. Vejamos se poderei explicá-la melhor. Antes de tudo, o característica nossa é a universalidade. Tudo o que se pode saber de bem, tudo o que é aprovado pela Igreja, tudo o que serve para glorificar a Deus, e servir às almas. Contanto que salvemos as almas, aonde quer que se vá e qualquer que seja a iniciativa, faz sempre parte do nosso espírito. Por esta universalidade deve-se considerar Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida: aqui há todo o Evangelho; o Evangelho como o explica e põe em prática São Paulo. Jesus Cristo veio salvar os homens. Um dia ele declarou: “Eu sou o Caminho”, isto é, a moral; “sou a verdade”, isto é, a Teologia, o ensinamento teológico, o Catecismo nas suas partes; “sou a Vida”, isto é, a graça.
            Mas o que se deve dizer com relação ao “Caminho”? É preciso fazer com que os homens caminhem cristãmente. Quanto Jesus estava para deixar os apóstolos, quando estava perto de concluir a sua vida, disse: “Ide e ensinai” (cf. Mt 28,19). O que? O que Jesus tinha ensinado, isto é, a verdade. Depois “guiai as almas”, fazei que vivam como eu ensinei; é o que se refere à moral. Depois “batizai”, isto é, daí ás almas a graça por meio do batismo. Depois do batismo seguem-se os outros sacramentos, particularmente a comunhão, a confissão etc.
            De modo que abraçamos tudo. E como Jesus Cristo nos deu um Evangelho completo, para que possamos viver com pensamento do céu, com obras de céu, com desejos do céu e com a possibilidade de chegarmos ao céu. São Paulo assim o aplicou. Aplicou-o de duas maneiras: pregando e praticando. Quantas são as suas viagens apostólicas! Pregou por meio das suas cartas, dos seus discursos, que pronunciava aqui a ali, das suas exortações etc... Depois, com os seus exemplos, ele nos levou a compreender e a viver o Evangelho.
            Portanto, qual é a nossa Espiritualidade? É Jesus Cristo, Caminho, Verdade, e Vida. E como nos é apresentado Jesus Cristo? Na forma e nas atividades de São Paulo. Por conseguinte, quando São Paulo diz: “até que Cristo seja formado em vós” (Gl 4,19), isto é, até que sejais verdadeiros cristãos, isto queria e esta era a sua atividade. É o que resulta de todas as suas cartas. Uma ou outra se perdeu, naqueles tempos primitívíssimos da Igreja, mas catorze cartas foram conservadas. Leiamos a vida de São Paulo.
            Outra consideração: Jesus Cristo nasceu em Belém. Nascendo, o Senhor quis que o mundo soubesse o que ele vinha fazer. E o que ele veio fazer não o quis dizer por si, criança como era, mas mandou que os anjos cantassem: “Glória a Deus e paz aos homens de boa vontade”. Que quer dizer isto? “Venho para glorificar e exaltar a grandeza de Deus”. Este é o fim que devemos ter porque a glorificação de Deus é a perfeição da virtude. Quando visamos em tudo a glória de Deus, estamos no plano da perfeição mais alta. Por que se chega a glorificar assim a Deus? Porque em nós está Jesus Cristo: “É Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). A segunda parte é: “Paz aos homens de boa vontade”. Quer dizer: os homens estavam no pecado. Todos os homens nascem em pecado por herança do pecado de Adão, por isso há um contraste entre o homem e Deus. Então Jesus Cristo veio derramar o seu sangue, morrer na cruz para reconciliar o homem com Deus: “paz aos homens”.
            É esta a universalidade e é este o pensamento que devemos ter se queremos ter uma espiritualidade plena: o Evangelho como foi aplicado por São Paulo. O próprio São Paulo assim fez e trabalhou para a glória de Deus de todas as formas, em todas as atividades. Quantas viagens apostólicas, quantos perigos, quantas vezes foi açoitado com varas, quantas vezes prisioneiro. Dois anos durou a primeira prisão, no Oriente, no Ocidente, em Roma. Sempre procurando a “glória de Deus”, como se depreende de suas cartas, e “a paz dos homens”, levando a paz à humanidade, em todas as nações em que andou, fundou igrejas.
            Outra reflexão para entender melhor a espiritualidade da Família Paulina. Há Institutos que se dedicam ao ensino, irmãs que dão aula, religiosos que se dedicam à educação. Conheceis muitos destes. Há ainda um conjunto de obras de caridade para órfãos, para os doentes, para os idosos e para todos aqueles que têm necessidade. E há obras de caridade dirigidas por irmãs e sacerdotes. E há os que vivem na clausura, clausura de irmãs e religiosos, como os trapistas. Há também Institutos dedicados a instruir os jovens e encaminhá-los à vida santa, à vida cristã, para que se comportem bem na vida. Tantas atividades e tantos Institutos, cada um tem a sua parte. Mas nós devemos apoiar tudo.
            Por meio das publicações recomendamos e promovemos tudo, todos os apostolados, todos os meios que servem para elevar o homem, para formar os cristãos e também dar tudo o que é bom, segundo São Paulo: “Ocupai-vos com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo, puro, amável, honroso, virtuoso ou de qualquer modo mereça louvor. O que aprendestes e herdastes, o que ouvistes e observastes em mim, isso praticai” (Fl 4,8-9). Isto ainda para que se possa encorajar todos os meios, todos os ministérios, todas as atividades, todos os Institutos, todas as obras de bem. Então especialmente empreguemos os meios técnicos como centro da Família Paulina. Os meios são os aprovados no decreto da segunda sessão do Concílio Vaticano II, que se chamam “Instrumentos da comunicação social” e que servem para tudo, e são: a imprensa, o cinema, o rádio e a televisão, quando inspirados por princípios sãos e cristãos. Há também os discos e as fitas e muitos outros meios técnicos que servem como meios da comunicação social.
            Para concretizar e poder viver melhor esta espiritualidade, leiamos e meditemos repetidamente o Evangelho e as Cartas de São Paulo. E em geral, ao menos para quem tem certo tempo, e certa cultura, os livros que constituem o Novo e o Antigo Testamento. Mas para todos, isto: devemos encher-nos de pensamento de fé e ver tudo com fé, e assim nos aprofundaremos naquela que é a virtude fundamental. Há também a esperança, na qual nos apoiamos e recebemos os méritos que Jesus Cristo alcançou para nós. E depois, o amor a Deus e o amor ao próximo.
            Vejamos um exemplo, para compreendermos melhor. Quando queremos construir uma casa, primeiro lançamos os alicerces. A fé é que constitui estes alicerces, espiritualmente, a base do edifício de uma vida santa, uma fé profunda, porque não se começa pela caridade, mas pelo espírito de fé, fé sempre mais penetrada e sempre mais sentida. E depois ver em tudo a fé. Como julgar o tempo que temos? Com fé. O tempo nos é concedido para que nos salvemos e trabalhemos pela nossa santificação e ganhemos méritos. E se sobrevém um mal, uma provação, uma doença, ou alguma outra coisa que desagrada, vê-la com fé, considerá-la em ordem a Deus e ao céu. O mesmo se diga da vida pobre. Mas se não tivermos fé, não entendemos nem a pobreza, nem a castidade, nem a obediência. O fundamento é a fé, que ilumina tudo e rege todo o edifício.
            Depois de lançados os fundamentos, levantam-se as paredes. Isto indica a esperança, que é a habitação e, portanto, é já o fruto, ou seja, a virtude que devemos praticar, isto é, seguir os exemplos de Jesus Cristo, como ele agiu, a sua humildade, a sua obediência, a sua caridade, o seu zelo pelas almas, o seu trabalho de carpinteiro. Tudo ensina o que constitui sua vida privada, do presépio até a idade de trinta anos, quando começou o seu ministério público. Depois do ministério público, a vida dolorosa, depois a vida gloriosa: “está sentado á direita de Deus Pai”, e está presente no sacramento da Eucaristia. Tudo isto é ensinamento. Mediante estas virtudes se eleva a construção: uns chegam a uma virtude, outros chegam a duas, outros a três. Há vários andares. Se lemos o Castelo interior de Santa Teresa de Ávila, como é bem descrito o castelo, a construção se eleva.
            A terceira parte da construção é o teto que cobre o edifício, e ele indica a caridade. Chegar a um amor profundo de Deus e do próximo. Amar, ajudar. Ajudar de muitas maneiras. Começando pela oração e chegar às atividades segundo as possibilidades que se têm.
            Este edifício lembra o que é ensinado no Evangelho, o que forma todas as atividades espirituais, isto é, o que forma o espírito paulino. Vive-se assim e se constrói o edifício. Fundamento, isto é, a fé; elevação dos andares: as virtudes; o coroamento: o amor a Deus e ao próximo. E se termina com a vida eterna: glorificar a Deus e, glorificando a Deus no céu, alcançar a nossa felicidade. Praticamente, deve-se aprofundar a fé, a esperança e a caridade, e instruir-se particularmente lendo e relendo o Evangelho e as Cartas de São Paulo. Depois a oração com a Igreja, que nos guia, mediante a liturgia atualizada hoje. A liturgia sempre existiu; hoje se aplica sempre mais de maneira que todo o povo possa participar da ação sacerdotal.
            Avante! Amemos a nossa Família, todos juntos, a Família Paulina. Abençoe-vos o Senhor pelas inspirações que tivestes nestes dias, pelos desejos, pelos propósitos, pelos passos que estais fazendo, entrando no noviciado, ou já estando nele, ou passando para a primeira profissão e às outras profissões, e depois a coroa: a profissão perpétua, o vínculo pleno e total, duradouro, até a morte. Dali se parte para a entrada no céu!

(Pe. Alberione, Meditazioni per consacrate secolari)



RETIRO ESPIRITUAL – 06/10/2012
todos nós somos chamados à santidade
Catequese do Papa - 13 de abril de 2011


            Nas audiências gerais dos últimos dois anos, estivemos na companhia de muitos santos e santas: aprendemos a conhecê-los de perto e a entender que toda a história da Igreja está marcada por esses homens e mulheres que, com sua fé, seu amor, sua vida, foram luz para muitas gerações, e o são também para nós. Os santos manifestam de muitas maneiras a presença poderosa e transformadora do Ressuscitado; deixaram que Cristo possuísse tão plenamente suas vidas, que podiam afirmar, como São Paulo: “Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Seguir seu exemplo, recorrer à sua intercessão, entrar em comunhão com eles “nos une a Cristo, de quem procedem, como de fonte e cabeça, toda a graça e a própria vida do Povo de Deus” (Lumen gentium, 50). No final deste ciclo de catequeses, eu gostaria de oferecer algumas ideias sobre o que é a santidade.
            O que significa ser santo? Quem é chamado a ser santo? As pessoas geralmente pensam que a santidade é meta reservada a uns poucos escolhidos. São Paulo, no entanto, fala do grande projeto de Deus e diz: “Nele (Cristo), Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e íntegros diante dele, no amor” (Ef 1,4). E fala de todos nós. No centro do desígnio divino está Cristo, em quem Deus mostra seu Rosto: o Mistério escondido nos séculos se revelou na plenitude do Verbo feito carne. E Paulo diz depois: “Pois Deus quis fazer habitar nele toda a plenitude” (Cl 1,19). Em Cristo, o Deus vivo se tornou próximo, visível, audível, tangível, de maneira que todos pudessem receber a plenitude de graça e de verdade (cf. Jo 1,14-16). Portanto, toda a existência cristã conhece uma única lei suprema, que Paulo expressa na fórmula que aparece em todos os seus escritos: em Cristo Jesus.
A santidade, a plenitude da vida cristã, não consiste em realizar empresas extraordinárias, mas na união com Cristo, na vivência dos seus mistérios, fazendo nossas as suas atitudes, pensamentos, comportamentos. A medida da santidade é dada pela altura da santidade que Cristo alcança em nós, daquilo que, com o poder do Espírito Santo, modelamos da nossa vida segundo a sua. É configurar-nos segundo Jesus, como diz São Paulo: “Pois aos que ele conheceu desde sempre, também os predestinou a se configurarem com a imagem de seu Filho” (Rm 8,29). E Santo Agostinho exclama: “Viva será minha vida repleta de ti” (Confissões, 10,28). O Concílio Vaticano II, na constituição sobre a Igreja, fala com clareza do chamado universal à santidade, afirmando que ninguém está excluído: “Nos vários gêneros e ocupações da vida, é sempre a mesma a santidade que é cultivada por aqueles que são conduzidos pelo Espírito de Deus (...). Seguem a Cristo pobre, humilde e levando a cruz, a fim de merecerem ser participantes da sua glória” (n. 41).
            Resta a pergunta: Como podemos trilhar o caminho da santidade, responder a esse chamado? Posso fazer isso com as minhas forças? A resposta é clara: uma vida santa não é primariamente o resultado dos nossos esforços, das nossas ações, porque é Deus, três vezes Santo (cf. Is 6, 3), que nos torna santos, e a ação do Espírito Santo, que nos anima a partir do nosso interior, é a própria vida de Cristo Ressuscitado, que se comunicou a nós e que nos transforma. Para dizê-lo novamente, segundo o Vaticano II: “Os seguidores de Cristo, chamados por Deus e justificados no Senhor Jesus, não por merecimento próprio, mas pela vontade e graça de Deus, são feitos, pelo Batismo da fé, verdadeiramente filhos e participantes da natureza divina e, por conseguinte, realmente santos. É necessário, portanto, que, com o auxílio divino, conservem e aperfeiçoem, vivendo-a, esta santidade que receberam” (ibid., 40). A santidade, portanto, tem sua raiz principal na graça batismal, no ser introduzidos no mistério pascal de Cristo, com o qual ele nos dá seu Espírito, sua vida de Ressuscitado. São Paulo destaca a transformação que a graça batismal realiza no homem, e chega a cunhar uma expressão nova, construída com a preposição “com”: ‘mortos com', ‘sepultados com’, ‘ressuscitados com’, ‘vivificados com’ Cristo; nosso destino está indissoluvelmente ligado ao seu. “Pelo batismo fomos sepultados com ele em sua morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela ação gloriosa do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova” (Rm 6,4). Mas o Pai sempre respeita a nossa liberdade e pede que aceitemos este dom e vivamos as exigências que ele comporta; pede que nos deixemos transformar pela ação do Espírito, conformando a nossa vontade com a vontade de Deus.
            Como pode acontecer que a nossa maneira de pensar e as nossas ações se mudem no pensar e agir com Cristo e de Cristo? Qual é a alma da santidade? Novamente, o Concílio nos diz que a santidade não é outra coisa senão a caridade vivida plenamente. “E nós, que cremos, reconhecemos o amor que Deus tem para conosco. Deus é amor: quem permanece no amor permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4,16). Agora, “o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5); por isso, o primeiro dom e o mais necessário é a caridade, com a qual amamos a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor a ele. Para que a caridade, como uma boa semente, cresça na alma e aí frutifique, todo fiel deve ouvir a Palavra de Deus voluntariamente e, com a ajuda da sua graça, realizar as obras de sua vontade, participar frequentemente dos sacramentos, especialmente da Eucaristia e da liturgia sagrada, aproximar-se constantemente da oração, da abnegação, do serviço ativo aos irmãos e do exercício de todas as virtudes. A caridade, de fato, é o vínculo da perfeição e cumprimento da lei (cf. Cl 3,14; Rm 13,10); dirige todos os meios de santificação, dá forma a ela e a conduz ao seu fim.
            Talvez também essa linguagem do Concílio Vaticano II seja um pouco solene para nós, talvez devêssemos dizer as coisas de maneira ainda mais simples. O que é o mais essencial? Essencial é não deixar jamais um domingo sem um encontro com Cristo Ressuscitado na Eucaristia; isso não é um fardo, mas a luz para toda a semana. Não começar nem terminar jamais um dia sem pelo menos um breve contato com Deus. E, no caminho da nossa vida, seguir os “sinais do caminho” que Deus nos comunicou no Decálogo lido com Cristo, que é simplesmente a definição da caridade em situações determinadas. Penso que esta é a verdadeira simplicidade e grandeza da vida de santidade: o encontro com o Ressuscitado no domingo; o contato com Deus no começo e no final do dia; seguir, nas decisões, os “sinais do caminho” que Deus nos comunicou, que são apenas formas da caridade. Daí que a caridade para com Deus e para com o próximo sejam o sinal distintivo de um verdadeiro discípulo de Cristo (Lumen gentium, 42). Esta é a verdadeira simplicidade, grandeza e profundidade da vida cristã, do ser santos.
            Eis por que Santo Agostinho, comentando o quarto capítulo da 1ª Carta de São João, pode afirmar algo surpreendente: “Dilige et fac quod vis” (‘ama e faze o que quiseres’). E continua: “Se calares, calarás com amor; se gritares, gritarás com amor; se corrigires, corrigirás com amor; se perdoares, perdoarás com amor; haja em ti a raiz do amor, porque desta raiz só pode derivar o bem” (7,8: PL 35). Quem se deixa conduzir pelo amor, quem vive a caridade plenamente é guiado por Deus, porque Deus é amor. Esta palavra significa algo grande: “Ama e faze o que quiseres”.
            Talvez pudéssemos perguntar: Podemos nós, com as nossas limitações, nossas fraquezas, chegar tão alto? A Igreja, durante o ano litúrgico, convida-nos a recordar uma multidão de santos que viveram plenamente a caridade, que souberam amar e seguir a Cristo em suas vidas diárias. Eles nos dizem que percorrer esse caminho é possível para todos. Em todas as épocas da história da Igreja, em qualquer latitude da geografia no mundo, os santos pertencem a todas as idades e condições de vida, são rostos verdadeiros de todos os povos, línguas, nações. E eles são muito diferentes uns dos outros. Na verdade, devo dizer que, também segundo a minha fé pessoal, muitos santos, nem todos, são verdadeiras estrelas no firmamento da história. E eu gostaria de acrescentar que, para mim, não só os grandes santos que eu amo e conheço bem são “sinais no caminho”, mas também os santos simples, ou seja, as pessoas boas que vejo na minha vida, que nunca serão canonizadas. São pessoas normais, por assim dizer, sem heroísmo visível, mas, na sua bondade de cada dia, vejo a verdade da fé. Essa bondade, que amadureceram na fé da Igreja, é a apologia segura do cristianismo e o sinal de onde está a verdade.
            Na comunhão com os santos canonizados e não canonizados, que a Igreja vive em Cristo em todos os seus membros, podemos desfrutar da sua presença e da sua companhia, e cultivamos a firme esperança de poder imitar o seu caminho e compartilhar, um dia, a mesma vida beata, a vida eterna.
            Quão grande, bela e também simples é a vocação cristã vista a partir desta luz! Todos nós somos chamados à santidade: é ela a própria medida da vida cristã. Novamente, São Paulo expressa isso com grande intensidade, quando escreve: “No entanto, a cada um de nós foi dada a graça conforme a medida do dom de Cristo. (...) A alguns ele concedeu serem apóstolos; a outros, profetas; a outros, evangelistas; a outros, pastores e mestres. Assim, ele capacitou os santos para a obra do ministério, para a edificação do Corpo de Cristo, até chegarmos, todos juntos, à unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus, ao estado de adultos, à estatura do Cristo em sua plenitude” (Ef 4,7.11-13).
            Eu gostaria de convidar todos vocês a se abrirem à ação do Espírito Santo, que transforma as nossas vidas, para sermos, também nós, como peças do grande mosaico de santidade que Deus vai criando na história, de modo que o rosto de Cristo brilhe na plenitude do seu fulgor. Não tenhamos medo de dirigir o olhar para o alto, em direção às alturas de Deus; não tenhamos medo de que Deus nos peça muito, mas deixemo-nos guiar, em todas as atividades da vida diária, pela sua Palavra, ainda que nos sintamos pobres, inadequados, pecadores: será ele quem nos transformará segundo o seu amor.


Completamos com uma palavra do nosso Fundador, o Bem-aventurado Tiago Alberione.

O fim geral é sempre a glória de Deus e a santificação dos membros mediante a observância dos três votos de obediência, castidade e pobreza, e a orientação da vida de acordo com o próprio instituto. Nele se requer a imitação da nossa vida religiosa (Família Paulina).

O fim especial é o apostolado colateral com as outras instituições paulinas, como se encontra nos artigos 3-4 do Estatuto:

Artigo 3º: O fim especial consiste em exercer no mundo o apostolado, cooperando com as atividades particulares da Família Paulina. Por isso, os membros, além da oração e do bom exemplo:

1) Colaborarão na redação ou na difusão da imprensa católica, especialmente dos livros e periódicos das congregações paulinas: estimularão assinaturas; promoverão bibliotecas paroquiais, familiares, empresariais, escolares; constituirão centros de difusão da boa imprensa; organizarão ou ajudarão nos dias ou semanas do Evangelho, da Bíblia, exposições da boa imprensa, dias catequéticos, litúrgicos etc.

2) Poderão favorecer a divulgação de filmes cinematográficos bons; tornar conhecidas e defender as indicações cinematográficas do CCC (Centro Católico Cinematográfico); abrir, dirigir, cooperar para o aumento de salas católicas de cinema etc.

3) Nos países onde isso é possível, poderão preparar programas para o rádio ou a televisão, ou ajudar as emissoras católicas; em toda parte poderão apoiar os esforços que visem a tornar esses poderosos meios de comunicação instrumentos de educação humana e cristã.

4) Será obrigação de todos os membros reparar pelos pecados que são cometidos pelo abuso dos meios técnicos modernos de comunicação do pensamento humano: rádio, cinema, televisão, imprensa, espetáculos.

5) Poderão organizar a adoração eucarística, cuidar do serviço aos sacerdotes, cuidar dos paramentos sagrados, favorecer a criatividade no campo da liturgia sagrada.

6) Potenciarão e ajudarão o mais possível as obras paroquiais e diocesanas, sobretudo as obras de caráter internacional.

7) Rezarão na intenção do clero e dos religiosos: poderão procurar e ajudar as vocações para a Família Paulina e para o clero diocesano; promoverão e favorecerão os dias e as exposições vocacionais e toda iniciativa apta para incrementar e sustentar as vocações.

Artigo 4º: Os membros do ramo clerical “Jesus Sacerdote”, de maneira particular e conforme o próprio estado, considerarão seu primeiro e principal dever apostólico aquele que lhes for assinalado pelo bispo do lugar.


(Institutos da Família Paulina - abril de 1960 • Ut perfectus sit homo Dei 1 (1960) pp. 337-339.)

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Retiro de setembro / 2012
A Palavra
Dinamismo de libertação em nossa história

Por: Ir. Ângela Cabrera*, op.

           

            Motivação: a palavra é um dos meios mediante o qual o ser humano entra em relacionamento com o seu ambiente e seus próximos. É uma ponte de comunicação. As palavras revelam o interior. A Bíblia também nos fala da comunicação com Deus e suas atividades reveladoras. Javé é o Deus que fala com seu povo e que deseja comunicar-se. A sua particularidade é ter intimidade com cada um dos seus. Nesta intimidade se forja a história; nela, Ele não só age, senão que fala “com”. Sua Palavra inscreve-se numa história fazendo nascer a memória e a identidade.

            A proposta para refletirmos nosso assunto de interesse, consiste em identificar alguns pontos chave do dinamismo da Palavra na história. Advirto que neste material não acharão rigor exegético, porque não é o caso. Pretendo levantar questões simples, não por isso supérflua, que sejam eficazes para refletirmos sobre o lugar da Palavra em nossas vidas: o que fizemos do tesouro confiado a nossas mãos?


1. Ponto de partida: Evangelho de João

           

            Jo 1,1: “No principio era o Verbo”. A citação pertence ao Prólogo do Evangelho que se apresenta como um hino a Jesus Cristo, cuja existência é testemunhada junto de Deus, antes da fundação da terra (Is 40,21), antes de serem chamadas à vida as gerações (Is 41,4), antes de existirem os primeiros elementos do mundo (Pr 8,22). O Prólogo introduz a cristologia joanina, cujo ponto central é a encarnação do Logos “Verbo”. Toda a proposta e mensagem cristã estão aqui condensadas.

            Jo 1,1 retoma o sentido do relato da criação em Gn 1, em cujo episodio Deus se manifesta como um agente criador mediante sua fala. No meio do Nada e do Silêncio, a Palavra de Deus se gesta e os fatos acontecem: Louvem o nome de Deus, pois ele mandou e foram criados (Sl 148,5). Esta Palavra tem poder de efetivar a realidade que designa. Neste sentido, Dabar, “Palavra” de Deus e seu conteúdo são a mesma coisa. João vincula o Verbo envolvido no projeto criacional onde a ruha “espírito” participa: Então Deus modelou o ser humano com a argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e o ser humano se tornou um ser vivente (Gn 2,7).

            Neste começo, também estava a Sabedoria: Desde a eternidade foi estabelecida, desde o principio, antes da origem da terra. Quando os abismos não existiam, eu fui gerada, quando não existiam os mananciais das águas... (Pr 8,22-24). A Sabedoria é a vida de tudo o que existe, seu principio é o desejo autêntico de instrução e o afã da instrução é o amor (Sb 6,17). Para a comunidade joanina há identidade entre Jesus e a Sabedoria preexistente. Ele é tido como Palavra geradora de vida pela qual os grandes mistérios são revelados.

            Perceba a dança sapiencial das origens. Nada está estático. Tudo gira e se integra de maneira irresistível. Se dabar (Palavra) está vinculado à uma significação masculina, a ruha (Espírito) nos evidencia uma significação feminina. Entendo que tudo conspira em função do Amor Primeiro sem estratificações hierárquicas. Este dinamismo foi confiado aos profetas e as profetisas. Indaguemos:

           

2. A Palavra nos profetas


            Como afirma o professor Milton Schwantes, a profecia é o eixo transversal que atravessa as Sagradas Escrituras. Para a teologia bíblica, se não somos profetas e profetisas não somos nada. A profecia é mestra em dignidade humana. Insiste nesta dignidade onde a vida está escondida, onde os poderes da morte querem tomar conta da sociedade. A profecia está inserida na vida, e a vida mesma reivindica a atividade profética. Procurando orientar a vida, a profecia coleciona as dores do povo. Pela sua firmeza e resistência contra a deshumanização, profetas e profetisas são martirizados. No entanto, em nenhum deles se encontram sinais de violência.

            Nesta perspectiva de pensamento, situo a profecia como testemunho martirial a partir da cultura da paz e da não violência. Ela se inspira/alimenta em Deus, o SER ACONTECENDO E GERANDO VIDA, por isso, seu espírito gera a personalidade profética, de consciência universal.

            As profundas palavras em Is 50,4 chamam minha atenção. Por trás de cada frase encontramos um maravilhoso escândalo teológico que nos leva à humildade e à simplicidade evangélica. É impressionante como este profeta nos introduz na teologia do Segundo Testamento. E ilumina nosso carisma que divulga, mediante a pregação, a misericórdia e o consolo.

            A Palavra que nossa Bíblia traduz por “discípulo” (Is 50,4) vem do hebraico limmud que também significa “acostumado”, “instruído”, “treinado”. Entendo que a Palavra comunicada por Isaías não nasce nele mesmo, senão Naquele que cada manhã a transmite. Esta itinerância na instrução é subgerente: cada dia a mensagem é nova, porque nova são a realidade e o mesmo discípulo. Longe de ser monotonia, Isaías mostra muito prazer a descobrir-se cada manhã, está acostumado a apreender e gosta de fazê-lo.

            Javé é quem tem a iniciativa de acordar o profeta, e ele não resiste. A profecia é um projeto que se contrapõe à preguiça. Fala da prontidão do discípulo para desejar intensamente receber a mensagem que o leva a atuar como profeta. Observo que a sabedoria entra pelo ouvido. Ainda mais belo é perceber que a Palavra sabiamente recebida não fica estéril nos ouvidos de quem escuta. Ela tem uma missão: levar consolo aos cansados. Talvez se trate desses pobres desanimados porque são ignorados nos reclamos de justiça ao formar parte da insignificância social.

            Também em Isaías 55,11 se lê: “A Palavra que sai da minha boca não voltará a mim vazia”. Veja que ela produz seu efeito nas pessoas e na criação. O episodio lembra Jesus que, sai do Pai e só volta para Ele após ter cumprido sua missão. Para o antigo Israel, neste sentido, os dois fatos (envio da chuva e envio da palavra), abrangem uma dinâmica de causa e efeito.

            Dar a conhecer a Palavra de Deus é a missão dos profetas e das profetisas. A Palavra é a nota que distingue o Profeta. Deus está presente na Palavra como aquele que age. O conteúdo da sua mensagem é sua exigência. Acima de qualquer palavra humana colocam a Palavra de Deus. A Palavra de Deus é a Palavra Profética.

            O profeta Ezequiel: num momento da sua vocação recebe a ordem de devorar o livro (2,8-3.3). Esta penetração da mensagem no seu corpo e na sua vida provocou mudanças na sua própria consciência. Essa palavra se converte na sua vida, sem saber onde começa uma nem onde culmina a outra (cf.: Dt 32,47). A concepção do ser humano e da sua total dependência em relação à Palavra divina é de origem profética. Amós o confirma ao se referir à fome da Palavra que atormentará aos seres humanos, até o ponto de projetá-los, num “futuro”, vagando na sua procura (Am 8,11). 1

           

3. A Palavra de Deus nos salmos (na boca dos/as pobres)

           

            Se os profetas falam em defesa dos pobres, nos salmos, os mesmos pobres nos falam. Esta é a particularidade do saltério. Vejo o livro como o espaço onde os insignificantes da sociedade têm um espaço para se comunicar com Deus e a comunidade.

            O Salmo 12 nos apresenta um salmista angustiado. Observa que a ética social vai desvanecendo-se (v. 5). Testemunha um setor que constrói riqueza a partir de palavras enganosas. Este segmento social pretende dominar através da língua (v. 5). O salmista constata o desaparecimento das pessoas leais (v. 2) e nos indica que, neste momento da história, as relações comunitárias se edificam com “mentira”, “adulação”, “duplicidade” (v. 3), “hipocrisia” (v. 4).

            Nesse ambiente onde a palavra humana vai perdendo credibilidade é pronunciada a Palavra de Deus: Por causa da aflição dos humildes e dos gemidos dos pobres, irei levantar-me para lhes dar a salvação que desejam (v. 6). Tudo indica que no contexto do Salmo os pobres inventam novas formas de se pronunciar. Desta vez o fazem através do grito, o qual Deus entende muito bem. Quer dizer que o gemido dos pobres vira oração. É uma oração que produz efeito.

            Quando as vozes dos pobres são silenciadas, Deus escuta seus gritos, e lhes dá uma esperança, na qual se abraçam os “pequenos” para resistir e lutar (Sl 12,8.9). Esta esperança se faz viva, se torna presente pela Palavra. A Palavra está na história, na vida, parte da realidade dos que sofrem e vira “consolo”, “cura” (Sl 106,20), “defesa”, “justiça”. Ou seja, esta Palavra provoca uma nova ordem social favorável para todos (Sl 81,3-4). Assim se entende que a Palavra de Deus seja antecedida pelo fogo abrasador (Sl 49,3), porque transforma tudo. O salmista, sabendo disso, conclui:

            As Palavras do Senhor são Palavras sinceras, puras como prata sete vezes depurada (Sl 12,7). Elas não têm misturas, são dignas de crédito, não têm rasto de falsidade. Se na época já existiam ritos de purificação para pessoas e metais (Nm 8,5-22; Lv 11,32), o Sl 12 informa que a verdadeira transformação pessoal emana da acolhida da Palavra de Deus. Porém, estamos ante um texto para ser usado no templo, mas com uma teologia dinâmica e em movimento, também refletida no Sl 119: Tua Palavra é lâmpada para meus pés, e luz para meu caminho (v. 105).

            Veja que a Palavra de Deus no Primeiro Testamento é confiada às profetisas e aos profetas: as mulheres bíblicas recorrem a diversos métodos para transmiti-la (Jz 5); ela os/as nutre (Ez 2,9-3,3), no seu seio se converte em fogo devorador que se encerra nos ossos (Jr 20,9). Por esta razão Amós é expulso da sua atividade: a terra não pode mais suportar suas palavras (Am 7,10). Eis que esta palavra cai como pedra para os “poderosos”. Ela não fica sem produzir seu efeito, sem executar a vontade de Deus e cumprir a sua missão (Is 55,11); e o Sl 12 pode ser analisado a partir desta tradição profético-sapiencial.

            Outro salmo que ilumina a nossa reflexão é o Salmo 52 (v. 1-2). Embora o seu cabeçalho seja um acréscimo posterior, não seria um acidente que este título fica alusão a um caso de fofoca (1Sm 21-22). Os editores finais do saltério relacionaram o texto com um fato histórico onde a intriga carregou confusão, escândalo e morte.

            No Salmo 52 há uma pessoa vítima de calunia, e denuncia seu agressor: é prepotente (v. 3), maquina perdição (v. 4a), sua língua é navalha afiada, tecedora de enganos (v. 4b.6), prefere o mal ao bem, a mentira à lealdade (v.5), gosta de palavras perniciosas. Observo que o denunciado elegeu utilizar sua língua para destruir, por isso é comparada a ferramenta cortante. O Primeiro Testamento deixa claro que “morte” e “vida” estão a mercê da “língua” (Pr 18,21). “Palavra” e “fato” são a mesma coisa, sem existir diferença entre o que se é e o que se comunica.

            A língua do “prepotente” (Sl 52,3) transmite falsidade em proveito pessoal. E o indefeso, sem proteção para evitar o veneno, recorre a Deus (v. 7). Enquanto o inocente é caluniado, Deus acode no seu resgate fazendo justiça. Desta obra são testemunhas os justos que olham a destruição daquele que se gloriava na sua própria maldade (v. 3). Embora o plano do mentiroso pareça triunfar, para o salmista, não há juízo futuro, o amor de Deus acontece na terra/história. O que ora promete cantar publicamente os favores recebidos, porque, após o agir de Deus, não é possível ficar mudo (v. 11).

           

4. A Palavra no Segundo Testamento


            Além de João, os evangelhos sinópticos (Mateus, Marcos, Lucas) nos falam de Jesus e seu envolvimento indivisível com a Palavra. Ou seja, essa Palavra que foi manifestada na natureza e transmitida por profetas e profetizas, se fez “ser humano” no Jesus pobre de Nazaré. Os evangelhos sinópticos nos apresentam Jesus na sua dimensão histórica como um homem coerente, ou seja, um homem que possuía harmonia entre seus pensamentos, atos e palavras.

            Jesus é a Palavra com sabor, a Boa Nova. A tradição cristã afirma que Ele ensinava com autoridade (Mt 7,27). Vê sua palavra como uma proposta cativadora (Mc 5 2,14), provocadora e, ao mesmo tempo, escandalosa (Mt 22,15). Sua palavra é identificada com o perdão (Mc 2,5), com o alívio e a cura (Mc 2,11; Lc 7,14-15), e, sobre tudo, é acolhida como fruto da contemplação: ... subiu ao monte, a fim de orar a sós. Ao chegar a tarde, estava ali, sozinho (Mt 14,23). Você já pensou nesta Palavra que nasce do silencio?

            Este Verbo/Palavra anunciado no Gênesis e retomado por João a partir da vida de Jesus é dinâmico. Seu dinamismo é gerador de vida, e reconcilia a humanidade com Deus. Esta história continua com os apóstolos.

           

5. Começo dos apóstolos


            A Palavra/Cristo gera a palavra dos apóstolos. O fato tem sua origem no dia de Pentecostes, onde o Espírito abre a inteligência à comunidade apostólica, composta por homens e mulheres, tornando-os capazes de entender as Sagradas Escrituras, e doando-lhes a força do Espírito para serem suas testemunhas (At 1,8). Posteriormente, não sabemos se serão atos dos apóstolos ou atos do Espírito. Nesta confusão de identidade se cria o em-brião do movimento de Jesus depois da sua ressurreição.

            Observamos que, ao falar de espiritualidade, se destaca a dimensão antropológica do Espírito. Espiritualidade é o empenho do ser humano para viver em sintonia com a ruah (Espírito). Ela, longe de abranger uma dimensão supérflua, se concretiza por fatos palpáveis a favor da vida. O livro dos Atos dos Apóstolos nos apresenta uma proposta da comunidade ideal. Ela procura congregar irmãos e irmãs em harmonia com esse Espírito, que é a mesma Igreja em comunhão de amigos e amigas. Afinal, trata-se de um projeto contraposto à vida isolada ou individualista.

            A partir da teologia apostólica, entra um novo matiz do logos, “palavra”: agora, seu significado está relacionado com ensinamento, discurso, declaração, afirmação, acontecimento. Aqui se inicia a diferença entre conteúdo e pregação. Se nos Evangelhos Jesus é a Palavra, os apóstolos são servidores desta Palavra. Ela será considerada como algo distinto, objeto de pregação: quem é instruído na palavra, torne participante em toda sorte de bens aquele que o instrui (Gl 6,6). Daí que, misteriosamente, a fé vai vir da pregação e a pregação será pela palavra de Cristo (Rm 10,16). Em Paulo, a Palavra vai-se manifestar através da proclamação (Tt 1,3), uma proclamação que, no exemplo de Jesus, tem sua fonte na meditação (Ef 6,18).

            Esta palavra, nos apóstolos, circula com ritmo itinerante. Longe de estancar-se, caminha de boca em boca, congregando novos agentes, mulheres e homens, provenientes das mais diversas realidades, que são contagiados para servir (Rm 16, 1-16). Paulo ensina que Deus reconciliou, em Cristo, o mundo consigo mesmo, não imputando aos seres humanos suas faltas, e confiando-lhes esta palavra de reconciliação aos apóstolos (2Cor 5,19). Por isso questiona aos corintios, querendo saber se esta palavra confiada e escutada ficou estática neles ou se foi ponto de partida (1Cor 14,36). Este mistério cristológico é o conteúdo da pregação paulina, e pela sua essência tem o poder de salvar.


6. Uma missão que nos foi confiada


            Não somos cristãos/as nas nuvens. Vivemos num setor social e ali somos atores/as. O nosso contexto latino-americano nos situa como vocacionados/as numa realidade que nos engaja e nos desafia. O contato consciente com o cotidiano procura evangelizarmos e se não exercemos resistência ao Espírito, esta vocação nos deixa sem livre “escolha”. Isto lembra a teimosia do Deus do Primeiro Testamento, a qual fica explicita, por exemplo, no Sl 138,7: para onde fugir longe da tua presença? (Sl 138,7). Aqui se apresenta um dos problemas veterotestamentários: o que fazer com um Deus que não me solta?

            Esta vocação nossa em terra latino-americana também lembra ao Jesus pobre de Nazaré e o seu impacto na teologia do caminho, nascida da realidade. Se antes nos chamava a uma missão (Ex 3,7-12), agora nos convida ao seguimento comprometido: Ide, e fazei que todas as nações se tornem discípulos (Mt 28,19). Que nós fizemos com esta herança que nos foi encomendada? O que fiz dela?

            A pregação da Palavra não é um oficio que se aprende. Ela nasce da Graça: que é o desejo ardente de que o Evangelho seja conhecido para a salvação. Não se pode pregar a graça sem estar consciente dela. Esta dádiva supera a debilidade do/a pregador/a. Embora sabendo que isto conta na medida em que não nos conformamos com a mediocridade. Quero dizer, uma coisa é que tenhamos atitudes medíocres que nos convidam a cultivarmos melhor, outra é optar livremente pela mediocridade. E ai nos conformarmos.

            A pregação da Palavra é, pois, Graça. Mas esta, não dispensa os meios humanos para desempenhar tal ministério: oração, estudo, preparação, comunidade. Porque a comunidade é crédito para a pregação. Cada membro da comunidade está chamado a fazer valer a divulgação da Palavra transmitida por um/a dos/as irmãos/as. Porque o testemunho de vida é o primeiro anuncio do evangelho. Neste sentido, embora não sejamos eloquentes pregadores, somos partícipes da pregação anunciada e assumida pela comunidade.

            A pregação da Palavra não nasce de ruídos interiores; ela se gesta no silêncio, ali onde se cultiva a fé e o sentido da vida. Às vezes nos perguntamos: como falar a palavra certa, no momento certo? A espiritualidade bíblica propõe o caminho do silencio para alcançar tal sabedoria. É no silencio onde a palavra fértil é depositada. É no silencio onde nos descobrimos como criaturas pequenas ante o mistério extraordinário que nos transborda. O silencio místico é comunicativo e fecundo; se a nossa fala nasce dele, está destinada a causar efeitos saudáveis aos destinatários/as.

            Embora não sejamos perfeitos/as, estamos chamados/as a ser cada vez mais humanos/as. A beleza já existe, mas temos que esculpi-la para que reluza, assim como o escultor trabalha a madeira. Ele não acrescenta uma peça ao objeto de trabalho, simplesmente a modela. Que assim como ao mestre de Nazaré lhe perguntaram: onde moras? Que a nós, pelo assunto de nossa fala e pelo exemplo de vida, também nos perguntem pelo lugar onde podem nos encontrar.

            Algumas considerações finais: a pregação atual nos desafia a ter em conta as urgências de nosso tempo: ecologia, aspectos sociais, a crises do sem sentido... A pregação é um chamado à transformação do sistema de morte mediante a Palavra geradora de vida. A pregação está desafiada a promover uma igreja não do sacrifício, senão da liberdade; que subordine a lei à profecia. Quais são as coisas que divulgo tanto na fala cotidiana quando nas pregações


            *É teóloga e doutora na área bíblica pela UMESP (São Paulo); natural da República Dominicana, onde reside comprometida no trabalho académico-pastoral.
                1 Monsenhor Oscar Romero. Sua homilia do dia 23 de março de 1980 trouxe como conseqüência sua sentença de morte. Nela motivou/desafiou às forças armadas a que desobedeçam a ordem de seguir matando ao povo salvadorenho: Quero fazer um chamado de maneira muito especial aos homens do exército e em concreto aos homens da Guarda Nacional, da polícia, dos quartéis: irmãos, é nosso mesmo povo, matam seus mesmos irmãos camponeses e ante uma ordem de matar que dá um homem, deve prevalecer a lei de Deus que diz: “não matar”. Soldado nenhum está obrigado obedecer a uma ordem contra a lei de Deus. Uma ordem imoral ninguém tem que cumpri-la.


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Retiro agoso de 2012:
 A ORAÇÃO

Pe. Alberione, em Balsamo (Milão), 12 de agosto de 1958, por ocasião
do 1° curso de exercício do nascente Instituto NSA.







Toda pessoa que faz os exercícios espirituais, os conclui com propósitos. Falamos particularmente dos Institutos Seculares e sabemos que nestes Institutos há grandes vantagens, há também deveres e há meios para realizar estes propósitos com satisfação. O meio geral e principal é a oração, por isso sendo observantes da obediência, da castidade, da pobreza, se fará bem o apostolado, à medida da oração.

O que é a oração todos sabem. Existe a oração vocal e existe a oração mental. A oração vocal: por exemplo, o terço, a via-sacra, o canto dos ofícios, as orações da manhã e da noite etc. Chamam-se vocais, porque são feitas com a voz, não porque sejam feitas somente com a boca, mas porque, além da mente e do coração, há também a palavra externa. Por isso, falando, por exemplo, do terço, há a meditação do mistério e no mistério procura-se tirar um fruto, um propósito. Mas além da meditação do mistério deve-se também orar com a boca e por isso chama-se oração vocal. O terço é oração muito fácil. Conheço grande número de pessoas que recitam diariamente o rosário inteiro, que consta de três terços [agora quatro], e outras mais numerosas que recitam diariamente o terço.

Além da oração vocal, temos a oração mental. É aquela que se faz especialmente no íntimo, com a mente, com o coração e também com os propósitos. Quem faz o exame de consciência, faz oração mental. Quem exprime ao Senhor e tem no seu coração desejos santos, faz oração mental, interna.

É preciso, pois, distinguir: há a oração feita de fórmulas, há o espírito de oração e há a vida de oração. Tem-se oração de fórmulas, quando se recitam, por exemplo, as orações da manhã e da noite, quando se reza o terço, quando se dizem as orações de preparação e ação de graças para a comunhão. Todas estas são fórmulas de oração que lemos ou dizemos acompanhando-as com sentimento interno. Mas, além destas fórmulas de oração, há também o espírito de oração que se tem quando interiormente se fala com Deus: sente-se a união com Deus, exprimem-se sentimentos próprios. Existem almas que em vez de fórmulas de preparação e agradecimento para a comunhão, fazem orações espontâneas que saem da alma e do coração. Então há o espírito de oração. O espírito de oração é sentimento interior de humildade e de confiança em Deus. Sente-se a necessidade e recorre-se ao Senhor. Sentimos que de nós mesmos nada podemos, com Deus podemos tudo. Sentimos que somos filhos pequeninos, mas Deus é o Pai bom e grande. E tudo isso é expresso naquela fórmula que São Francisco de Sales usava: “De mim nada posso, mas com Deus posso tudo”. Quando habitualmente temos este senso de fraqueza, temos esta espécie de temor e de desconfiança de nós, não nos fixando, porém, em pensamentos de desânimo, de desespero, e sim voltando-nos com confiança ao Senhor, então há o espírito de oração. Assim pode se dizer que a alma está sempre em estado de oração.

Há pessoas que não recitam muitas fórmulas, mas têm sempre estes dois sentimentos: desconfiança de si, confiança total no Senhor. Consideram as coisas da vida presente como meios para o céu, para a vida eterna, e consideram a mesma vida presente como dom de Deus, porque nossa vida em si, o que vale? Somente se ela é considerada em ordem à eternidade, vale tudo. Em si não vale nada porque com a morte tudo acaba, mas as consequências são eternas. As consequências da vida de Judas quais foram? A eterna condenação, as penas eternas. As consequências da vida de São Pedro e de São Paulo quais foram? O céu, o paraíso. São duas estrelas do céu. Festejamos hoje Santa Clara; era uma jovem de Assis filha de ricos senhores, portanto, tinha na família todas as comodidades que se podem desejar e diante de si tinha um futuro agradável, quanto o podia prever. Mas ela conheceu São Francisco que havia deixado tudo para dar-se a Deus. Então, tocada e iluminada pela graça de Deus, decidiu-se segui-lo na pobreza e na vida simples e laboriosa, sobretudo naquele espírito particular no qual a dirigia o Santo. Assim chegou à santidade.

Nossa vida vale enquanto nos merece o céu, e é grande dom de Deus do qual devemos prestar contas. E quando esse dom não fosse utilizado para Deus, o que seria? Poucos são os anos de vida, mas as consequências são eternas. Quantos, enquanto estamos falando, sofrem as penas do inferno e compreendem que teriam podido, na sua vida, ganhar a felicidade eterna. Por isso vivem no desespero eterno nos seus sofrimentos, que não terminarão jamais. E quantas almas, pelo contrário, enquanto estamos falando, nos olham do céu, nos animam e nos esperam: “os justos se juntarão ao meu redor, por causa do bem que me fizeste (Sl 142,8). Animam-nos: andai em nosso caminho, não vos desvieis para a direita nem para a esquerda. O caminho é também difícil, mas pé na estrada, ao céu.

Quando vivemos neste sentimento de sobrenaturalidade, pode-se dizer que vivemos em continua oração. E isto nos põe no terceiro grau de oração. O Senhor diz no Evangelho: “Oportet orare semper et non deficere”: é preciso orar sempre, sem jamais esmorecer (cf. Lc 18,1). Pode-se interpretar este texto para dizer que é necessário orar sempre sem jamais cansar-se? Sim. Isto quer dizer que hoje é preciso orar quanto devamos, amanhã orar quanto devamos, no ano que vem, ainda orar quanto devamos. Nunca transcorrer um mês sem oração, jamais fazer como certas pessoas que durante algum tempo são fervorosas, frequentam os sacramentos, até a confissão semanal e a comunhão cotidiana, mas depois, passam meses e talvez períodos ainda longos sem orar. É necessário orar sempre.

Mas este texto do Evangelho se interpreta também de outro modo: sempre orar no sentido de transformar a nossa vida em oração. Quem trabalha ora. Com isto se entende que quem trabalha bem, com as devidas disposições, oferecendo ao Senhor o seu trabalho, o seu cansaço, ora. Oferecendo assim os nossos trabalhos ao Senhor, fazemos um ato de obediência, sacrificamos a nossa saúde, o nosso tempo, o oferecemos ao Senhor em ato de adoração: fazemos a Deus o dom da nossa vida, das nossas forças, do nosso tempo, porque tudo consagramos a ele. Então se trabalha para o Senhor. Certamente se trabalha para outro fim, isto é, para ganharmos o pão com o suor do nosso rosto. Mas além deste fim imediato, aliás, material mas necessário, há também o fim sobrenatural: cumprir o santo querer de Deus. Mas é preciso ter reta intenção, para que o trabalho se transforme em oração.

Passamos as vinte e quatro horas do dia e enquanto elas se sucedem, o sol faz o seu giro, para falarmos popularmente. O sol nas vinte e quatro horas vê sobre a terra elevar-se continuamente o cálice e a hóstia para o céu. São quatrocentos mil sacerdotes que celebram missa durante o dia e há três, quatro consagrações cada segundo. Isto quer dizer que existem uma missa contínua e continuada, que o sacrifício da cruz está sempre vivo. O sol que hoje a esta hora ilumina certas terras, depois passa com a sua luz a outras terras e a outras terras ainda, mas continuamente é a hóstia, é o cálice que se elevam para o céu em adoração, agradecimento, satisfação e súplica a Deus. Um calvário sempre vivo, sempre verdadeiro, sempre atual, que se prolonga nos séculos, que glorifica o Senhor e faz chover graça e bênção sobre a humanidade mais afastada de Deus. Quem durante o dia tem intenção de viver unido a todas estas missas, ora dizendo: “Ofereço-vos todas a minhas intenções, ações e sofrimentos em união com todos os sacerdotes que celebram a santa missa”; quem age desta maneira, está em contínua adoração. Por outra parte, diz São Paulo: “Tudo o que fizerdes de palavra ou ação, fazei-o em nome do Senhor Jesus” (Cl 3,17). Tudo, também o descanso, também o tempo da recreação, tudo seja em nome do Senhor Jesus, para maior glória de Deus. Mas tudo unido a este sacrifício continuado sobre a terra. É isto que mantém firme a mão da justiça de Deus para não ferir a humanidade tão maculada de pecados. É ainda a súplica contínua para que tantas almas que se consagram a Deus, vivam no amor de Deus e sejam apóstolas nesta terra. Então esta missa por uma parte paga também os nossos pecados, as nossas faltas de correspondência à graça, as nossas friezas. E ao mesmo tempo, obtém as graças para a nossa santificação, para o nosso apoio, para que tenha continuidade o trabalho apostólico, para que tenha continuidade o trabalho de santificação. Então se todo o nosso dia é oferecido neste espírito, com a intenção “pela qual vós, ó Jesus, vos sacrificais, cada momento, sobre o altar”, então o dia se torna dia de oração, “é necessário orar sempre, sem jamais esmorecer” (Lc 18,1). É necessário porque quem ora se salva e quem não ora, se condena. Quem ora muito torna-se santo e quem ora pouco, não se santifica. Chegará talvez ao céu, sim, porque orou um pouco.

Quem não pode estar muitas horas parado dentro de uma Igreja porque o esperam muitas ocupações, tenha pelo menos a vida de oração, e quanto lhe for possível, realize aquelas práticas que são necessárias ou pelo menos úteis. Mas quando não se podem fazer aquelas práticas que se gostaria de fazer, então se transforme a vida em oração, e com frequentes jaculatórias ao Senhor mantenha-se unido aos sacrifícios que se estão oferecendo sobre os altares com as missas continuadas que se sucedem a cada hora, a cada instante. É necessário orar. Quem não vai à oração, vai à ruína. Muitos vão à ruína porque não oram. Mas também, os que oram tem provações, sofrimentos, às vezes tem padecimentos, são contrariados, combatidos. É verdade, mas durante as provações, progridem, transformam seus sofrimentos em méritos, e as suas provações servem para firmá-los na virtude: “com a tentação ele vos dará os meios de sair dela e a força para a suportar (1Cor 10,13).

Falamos da obediência, da castidade, da pobreza, mas não quis descer a particularidades. Pode ser que haja momentos de desorientação, mas quem ora, entenderá bem a virtude da pobreza, da castidade, da obediência, assim como entenderá bem o voto de pobreza, de castidade, de obediência, os quais conferem aumento grande de graça e de mérito para a eternidade. Oremos muito! Dir-se-á, talvez, que não há tempo, mas então é necessário converter todo o tempo em oração. Há almas que são como que uma oração ambulante, que caminha. Fazem as coisas em casa, fora de casa, no estabelecimento comercial, no local de trabalho, ou na igreja. Mas qualquer coisa que façam, fazem-na por Deus, unidas em espírito às missas que se celebram em todo o mundo, oferecendo sempre com Jesus-Hóstia, a si mesmas. Então não devemos mais nos lamentarmos não haver tempo para orar. São as vinte e quatro horas do dia. Mesmo dormindo, porque à noite se põe a intenção de que todas as respirações sejam transformadas em atos de amor de Deus, e todas as batidas do coração que se sucederem durante o sono sejam atos de amor de Deus. Então tudo acontece em cumprimento da vontade de Deus. À noite, pede-se ao Senhor que prepare as graças para o amanhã e que mande, enquanto descansamos, muitas almas para o céu, para o seu descanso eterno. Há almas que decidiram dar ao céu pelo menos uma alma no dia, e libertar ao menos uma alma do purgatório. Assim, realiza-se apostolado e sé obtêm resultados.

Às vezes, porém, parece que o apostolado obtém o efeito contrário, ou ao mesmos que não dá resultados visíveis. Mas quando se continua a orar, haverá sempre resultado, mesmo quando parece que conseguimos o efeito contrário. É Deus que age, e “se Deus está conosco, quem estará contra nós?” (Rm 8,31) Se Deus está conosco, o que não podemos esperar de Deus? Há almas vítimas, as quais aplacam a justiça de Deus irritado; almas que só sabem pensar no bem; almas que vivem em contato habitual com Deus em qualquer lugar se encontram: no trem, na rua, na cozinha, no escritório etc. Em tudo o que fazem, estão unidas a Deus. Esta união será mais ou menos sentida, mas pouco a pouco se tornará sempre mais sentida e tornará a alma sempre mais alegre, porque sentirá a sua união com o Senhor, sempre mais viva.

Agora faze-se um bom exame sobre a oração. Ora-se? Produzem-se somente fórmulas ou há o espírito de oração? E se ensina a orar? Agora, se olhais o mundo, se olhais a sociedade, os movimentos operários, as famílias, faz-se de tudo, fazem-se muitos sacrifícios muitos trabalhos, tomam-se tantos caminhos, empregam-se tantos meios e muitas vezes se deixa de lado a oração. “Temos muito a fazer!” Mas a primeira coisa a fazer é orar. E se o dia começa sem Deus, que acontecerá no decurso deste dia? Certos motivos que se aduzem a que servem para a alma? Vivemos somente para a terra, ou vivemos para a eternidade?

Por isso, realizamos o apostolado da oração, não somente oferecendo nossas orações, ações e sofrimentos em união com o sacrifício da cruz, mas, além disto, enchendo o dia de oração. Então, a nossa atividade produzirá mais frutos. Apostolado da oração: ensinar a orar. Há crianças que ainda não sabem as orações e já querem que sejam admitidas à comunhão. Há adultos que desaprenderam até as orações principais. Existem homens e existem às vezes moribundos que, quando lhes sugerimos que façam ou digam o ato de contrição, permanecem mudos, por não saberem recitar as orações. Fazer apostolado da oração: ensinar a orar. Peçamos ao Senhor: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lc 11,1) e por nossa vez, ensinemos os outros a orar.

Particularmente para quem se dedica ao apostolado catequético; ensine a orar, exija-o, fazendo as crianças repetirem, levando frequentemente as crianças à comunhão e à primeira confissão. Ensine a orar: participar bem da missa, fazer participar das funções da Igreja. Ensine a orar: a devoção a Maria, o terço, particularmente a devoção a Jesus-Hóstia, a Jesus que mora em nossos altares, aos anjos da guarda, aos santos, cujo nome se tem.

Assim, o apostolado da oração, enquanto é de extrema utilidade para nós, será também de grande vantagem para as almas das quais nos aproximamos.

(Pe. Alberione, Meditações por consagradas seculares, pp 51-58, Edizioni Paoline, 1976)

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RETIRO ESPIRITUAL – 14 DE JULHO/2012



MARIA DISCÍPULA E MESTRA
NO PENSAMENTO DE Pe. ALBERIONE



“O rosário é como que um diálogo com Nossa Senhora, põe-nos no mesmo passo com ela, obriga a aceitar seu fascínio, seu estilo evangélico, seu exemplo educador e transformador. É uma escola que nos faz cristãos”.

Paulo VI, 8-10-1969





Apresentar a mariologia de nosso Fundador é, a meu ver, trabalho não isento de dificuldades. Para justificar a afirmação e favorecer, simultaneamente a compreensão de tudo o que ele nos deixou sobre o assunto, pareceu-me oportuno relatar o su-ceder-se das impressões em mim despertadas e que me acompanharam durante o trabalho de seleção e esquematização de seus escritos sobre a Virgem Mãe.


Volumosa produção de escritos marianos


A pesquisa realizada em grande parte dos escritos do Pe. Tiago Alberione, a fim de descobrir-lhe as principais linhas de reflexão, induziram-me a assinalar, juntamente com muitos outros temas, também as passagens nas quais ele fala de Maria Santíssima. No fim, encontrei-me com um acervo de centenas de anotações, algumas das quais incluíam longas páginas e até livros inteiros dedicados pelo Pe. Alberione a Maria. Analisei já 1698 páginas nas quais ele fala expressamente de Maria ou a ela se refere de algum modo.

Num primeiro balanço do vasto material, achei--me diante de um aglomerado de elementos que se sucedem e repetem sem ordem ou com escasso planejamento crítico. Senti-me seriamente embaraçado e surgiu-me angustiosa a pergunta: Seria possível extrair desse volumoso acervo de páginas, algo de válido e original? Alguma coisa que possibilitasse estruturar as ideias mestras do pensamento mariológico do Pe. Alberione, que nós devemos assumir e promover no seio de nossa família religiosa e, eventualmente, pôr à disposição dos  outros?

A pesquisa, contudo, punha em evidência uma constatação que não podia ser subestimada: em toda a sua produção literária, Alberione reservou lugar preponderante ao tema “Maria”, o qual constitui a “constante” preferencial e indispensável da sua reflexão, ocupando lugar de primeiro plano até quantitativamente. Limitando-nos mesmo aos livros que escreveu, mais de metade são dedicados a Maria.

Uma segunda pergunta era, portanto, espontânea: como explicar sua insistência sobre “Maria”, preferindo este a outros possíveis e plausíveis temas relacionados com sua missão específica? Em outros termos: que representa Maria para a missão específica do Pe. Alberione?


Outras fontes de pesquisa


A segunda pergunta sugeriu mudança de focalização. Fazia-se necessário, talvez, ter presente, além das 1698 páginas, o conjunto da figura e obra do Pe. Alberione, como a conhecemos ao longo de quarenta e seis anos. Ela nos facilitaria, talvez, a descoberta do verdadeiro sentido da sua devoção mariana e da eventual mensagem que nela se encerrava para nós.

Desfilava então, ante minha memória, suas fidelíssimas horas de oração diária, o número incontável de rosários — cujo cálculo seria certamente mais difícil do que o das frases escritas — e sua insistência sobre a devoção a Nossa Senhora, a in-defectível introdução mariana para qualquer curso de exercícios espirituais ou retiros mensais... Uma coisa sugere outra, ocorreu-me a ideia de reler as cartas que dele recebi durante minha permanência no Brasil (1955-1969). Descobri nela interessante veio mariano, no qual não tinha reparado, quando as cartas me chegavam espaçados no tempo. Descobri expressões interessantes e insistentes, condensadas em fórmulas breves, nunca repetidas, como: “Com rosários fervorosos e coroazinhas a são Paulo, achar-se-á uma solução; eu o faço daqui”. “Peço à Rainha dos Apóstolos que ilumine”. “A Rainha dos Apóstolos guarde a todos! a todo o Brasil!” “Maria Mestra. Assunto tão santo, tão querido, tão útil!” “Se publicardes um periódico sobre Maria alcançareis mais graças”. “Confiança em santos rosários...”, e numerosas outras sugestões e lembretes que constituíam o tecido de ininterrupta conversa mariana administrada por gotas.

Tornou-se-me evidente que a mensagem mariana do Pe. Alberione devia ser fruto de múltiplas comparações. Efetivamente, apresentava-se com toda clareza que a devoção a Maria, além de ser para o Pe. Alberione o esforço persistente de sua ativi-dade sacerdotal e literária, era mais ainda compromisso sério de oração e de vida, insinuando-se até na correspondência de certo modo oficial entre duas pessoas.

Adentrando-se e concretizando-se sempre mais nessa direção, minha lembrança detinha-se prazei-rosamente no período da inauguração da igreja dedicada à Rainha dos Apóstolos, resultado de um grande esforço extra-apostólico do Pe. Alberione, em cumprimento de uma promessa, cujas raízes afundavam no tempo sangrento e terrível da última guerra mundial. Certo dia, Pe. Alberione teve a coragem — reflexo natural daquela fé sempre vigilante e orientada para a ação — de dizer em nome de todos: “Ó Maria, Mãe e Rainha dos Apóstolos, se preservares a vida de todos os ‘nossos’ e ‘nossas’, levantaremos aqui uma igreja à glória de teu nome”. Apesar dos gravíssimos perigos a que estivemos expostos durante a guerra, todos saímos ilesos. Naquele dia, portanto, nossas vidas, nosso sangue, foram postos da maneira mais concreta, na dependência de Maria e para o Pe. Alberione ela se revelou fonte incomparável de ação.

Saltando de um ano para outro, a lembrança deteve-se no dia 26 de novembro de 1971, quando o Pe. Alberione, no leito de morte, já em estado de coma, as mãos apertando o terço desgastado pelo uso, movia ainda os lábios em ritmo incessante — quiçá puramente mecânico — de oração a Maria.

Essa incursão no mundo das lembranças completava em mim a mudança de perspectiva: a ma-riologia do Pe. Alberione é, acima de tudo, e indubitavelmente uma atitude vivencial. Quem, portanto, quiser acolher sua mensagem mariana para transmiti-la, deverá tomar por ponto de partida, mais do que as páginas em louvor da Virgem, a própria vida e missão do Pe. Alberione. Mais: essas páginas numerosas e desorganizadas perderiam todo valor e sentido, se lidas fora do contexto de sua vida.


Maria Discípula e Mestre


A escolha espiritual de Cristo como Mestre, Caminho, Verdade e Vida, base da orientação cristológica sua e de sua família religiosa, como também o encontro com expressões do papa Leão XIII e de alguns santos a respeito de Maria enquanto “Mestra”, sugeriram ao Pe. Alberione a decisão de empenhar-se de alguma forma também neste tema, que comporta inclusive o de Maria “discípula” de Cristo. Não falta ao tema consistência conceitual própria e inclui aspectos em nada desprezíveis. Trata-se, sobretudo da atitude pessoal de Maria diante da “Palavra” e da “vida” de Cristo, que ela traduz com “forma” própria de crescimento e de vida (discipulado); trata-se também de aquisição pessoal de valores transmissíveis a outros, abrindo assim caminho prático para o serviço de caridade, de atenção e de enriquecimento ativo dos outros, que é justamente a função de todo “magistério”.

Não há dúvida de que em Maria se encontram, em medida profunda, os componentes harmônicos de discipulado-magistério, sobretudo se tivermos presente o esplendor sem par de sua vida e a singularidade de sua missão na história humana. Tampouco faltam na tradição enunciados sobre os quais seria interessante trabalhar. Mas ao Pe. Alberione, distante por tendência e missão da pesquisa cultural e da análise científica paciente e minuciosa, faltaram pesquisas prévias feitas por outros, para fazer desabrochar suas sínteses e os consequentes “slogans” espirituais ou apostólicos, para o seu impulso devocional característico. Como, porém, essas análises preparatórias não se realizaram, para o momento devemos limitar-nos a algumas indicações sobretudo de caráter prático a respeito deste argumento.

Uma coisa, porém, resta: a intenção do Fundador de explorar também o tema do “magistério” para melhor compreender e cantar Maria. Trata-se agora, para quem alcance o valor do argumento, de ingressar por este caminho.



Harmonia com Cristo Mestre. — “Nossa devoção a Jesus Mestre divino aperfeiçoar-se-á se preparada e precedida pela devoção a Maria Mestra.

Leão XIII, na encíclica Adiutricem populi christiani escreve: ‘...Maria deve ser considerada, com toda verdade, Mãe da Igreja, Mestra e Rainha dos Apóstolos, aos quais comunicou também aqueles oráculos divinos que ela conservava em seu coração’. Maria Mestra, portanto. Se dizemos per Mariam ad Jesum, será também digna a frase ‘Por Maria Mestra a Jesus Mestre’. Primeiramente foi aluna, depois Mestra, depois ainda Mãe e tutora dos mestres”.

(CISP, 1331)

Magistério integral. — “Para este elevado encargo — Maria, Mestra de Jesus e nossa — o Senhor locupletou-a de privilégios, dignidades, dons e poderes adequados. Leão XIII mostra que Maria foi Mestra dos apóstolos e dos primeiros cristãos, porque ‘edificou admiravelmente os fiéis com a santidade do exemplo, com a autoridade do conselho, com a suavidade do conforto e com a eficácia da oração. Jesus é Mestre enquanto Caminho, Verdade e Vida; Maria é Mestra porque possui santidade, sabedoria, graça e vida’.

Jesus é o Mestre absoluto e único, Maria é Mestra por participação, na dependência de Jesus Cristo e em relação a ele”.

(CISP, 1333)



Magistério como plenitude. — “A plenitude de virtudes é tão conhecida que ao anunciarmos Maria é Mestra, quase sempre entendemos Mestra de virtude.

Em Maria existe a fé: ‘Feliz és, Maria, que acreditaste; pois o que te foi dito da parte do Senhor será cumprido’ (Lc 1,45).

A esperança de Maria. Nas núpcias de Cana da Galileia, ela diz a Jesus: ‘Eles não têm vinho’ (Jo 2,2). A certeza de ser ouvida leva-a a ordenar aos que serviam: ‘Fazei tudo o que ele vos disser’ (Jo 2,5), apesar de, aparentemente, a resposta de Jesus ser negativa.

A caridade de Maria. Ela consagrou-se inteiramente a Deus com o voto de virgindade e, por isso, sempre pronta a cumprir a vontade divina, responde ao arcanjo Gabriel: ‘Faça-se em mim segundo a tua palavra’. Conhecendo as necessidades de Isabel, nas condições em que se encontrava, ‘dirigiu-se apressadamente à região montanhosa’ (cf. Lc 1, 39) e durante três meses prestou-lhe seus serviços como serva humilde.

Da mesma forma podem ser lembradas todas as virtudes praticadas por Maria em grau heróico e explicadas em milhares de volumes ... Grande caridade é pregar os exemplos de Maria, de modo particular os jovens, que em sua inocência têm o coração aberto, compreendem a santidade e a bondade de Maria e deixam-se cativar por elas”.

(CISP, 1333-34)



Um dever da Família Paulina. — “Missão da Família paulina é a de tornar conhecido, imitado e vivido Jesus Cristo, Mestre, e cumprirá santamente essa missão privilegiada, se dedicar seu empenho em tornar conhecida, amada e invocada Maria, Mestra. Ela deu ao mundo Jesus Cristo Mestre, fruto bendito de seu seio. O magistério paulino será incomparavelmente mais eficaz, se inspirado, guiado e confortado por Maria, pois ‘sob sua direção não te fatigarás’. Ninguém pode prescindir de tão grande ajuda.

A base do discipulado paulino é Maria, a qual formará Jesus Cristo em todos os aspirantes, o que significa tornar-se cristãos,  apóstolos, santos”.

(CISP, 1338)

Vínculos preciosos. — “Todo mestre verdadeiro e completo encontra em Maria luz, exemplo, proteção, conforto. Existem vínculos preciosos entre Maria e todos os cristãos, mas os que existem entre Maria e o mestre superam grandemente os vínculos comuns. Com muito maior razão se se trata de mestre formador de religiosos e sacerdotes. Para compreender isso importa conhecer a ‘parte’ desempenhada por Maria na redenção e que agora desempenha na aplicação da redenção em todos os tempos”.

(CISP, 1338)

Primeira discípula, depois Mestra. — “Maria foi antes discípula e Mestra depois. Foi discípula, ela a mais diligente e inteligente entre as criaturas, possuidora da inteligência mais elevada, isenta do pecado original, do erro e das distrações, permaneceu incessantemente sob a ação do Sol de luz; ‘a luz verdadeira, que ilumina todo homem’ (Jo 1,9). Ela foi aluna antes da encarnação, durante a vida privada e durante a vida pública de Jesus”.

(CISP, 1339)

Discípula do Espírito. — “Habitando permanentemente em sua alma, o Espírito Santo foi o seu mestre, ‘Dux eius fuit’, foi o seu guia. Alcançou o conhecimento mais íntimo da doutrina e da perfeição contida nos livros do Antigo Testamento e viveu-a de forma plena. O Magnificat prova quanto conhecia esta doutrina, quanto a vivia e usava na oração, na meditação das palavras registradas no Evangelho, Maria falou sete vezes, e o conhecimento que dela possuía e o uso que fazia, deduzem-se especialmente do Magnificai, todo tecido de textos e alusões escriturísticos tomados do Antigo Testamento”.

(CISP, 1339)

Foi Mestra de Jesus. — “Jesus recebeu de Maria todos os cuidados maternais de que precisa uma criança comum, dela recebeu toda formação e educação que ele, como homem, quis receber de Maria”.

(GdM, 100)

“‘Jesus foi em tudo igual a nós, exceto no pecado’ (Hb 4,15). Quis comportar-se como qualquer outro menino e receber tudo da mãe e do pai nutrício, José.

Santo Efrém diz em poucas palavras a respeito de Maria: ‘Alegra-te, Maria, tu que educaste o Cristo!’ A procriação é o fim material do matrimônio, ao passo que a educação é o fim espiritual; aquela produz o homem, esta o cristão, o santo.

A primeira mestra de qualquer criança é a mãe. Aqui tratava-se da Mãe portadora de um número de dons superior a qualquer outra mãe, e tratava-se de um Filho-Deus, vindo como Salvador do mundo. Tudo, desde a anunciação que devia realizar-se segundo as profecias e preparar o Mestre, a Vítima, o Sacerdote para a humanidade, tudo Maria compreendeu, iluminada pelo Espírito Santo; compreendeu os desígnios de Deus e neles cooperou com toda inteligência e atividade, em Belém, na apresentação no templo, na vida oculta, durante a vida pública e a paixão...

Agora, no céu, Maria fixa-se pelo olhar e pela inteligência, na essência divina, imersa na felicidade eterna. Contempla a Deus e nele os mistérios da graça, todas as criaturas e cada um de nós em particular. Qual medianeira universal, cabe-lhe o encargo de distribuir a ciência a quem e na medida que a de sejar”.

(CISP, 1343)

Foi sua discípula perfeita. — “Ela grava na memória todas as palavras do Filho e medita-as no coração.

Eis o Mestre! Eis a discípula dulcíssima!

As palavras revelam a sabedoria e o zelo do Mestre, e o modo como Maria as aceita e medita, apresenta-a como a primeira e mais perfeita ouvinte, estudante, discípula. Nem mesmo na vida pública Jesus foi tão atentamente ouvido e tão docilmente seguido, nem encontrou jamais discípulo mais digno”.

BM I, 482 

Leitura constante da Palavra. — “Lembremos que o anjo encontrou Maria recolhida, lendo a Escritura e refletindo sobre ela. É belo imaginar santa Ana ensinando a Maria a ler a Escritura, e nos é caro imaginar o menino Jesus lendo os Escritos sagrados sob o olhar atento de Maria. Sabedoria de Deus que é, Jesus conhecia tudo o que a sabedoria desse mesmo Deus havia revelado e fora escrito nos Livros santos, mas tendo-se feito semelhante a nós, embora não tivesse necessidade alguma de estudar, quis crescer ‘em sabedoria, idade e graça’ (Lc 2,52), tornando-se assim discípulo, ele que era Mestre. E de onde hauriu a ciência? Imitemos, pois, a Deus, lendo o seu livro”.

(SV, 97)

Primeira ouvinte de Cristo. — “Maria foi o primeiro amparo e também a primeira ouvinte de Cristo, ensinando-nos assim o amor ao apostolado e à palavra de Deus”.

(VdM, 112)

Crescimento na escola da pobreza. — “Maria foi pobre pelo desprendimento de todos os bens terrenos, pobre pela renúncia a eles, pobre por voto feito a Deus. Seu coração inflamou-se por tão bela virtude na gruta de Belém, progredindo imensamente nessa escola, onde viu o Verbo encarnado tomar por abrigo uma estrebaria, por cortejo dois animais. A mais rígida pobreza tornou-se sua delícia, a fria e rude gruta e as lãs rústicas foram--lhes mais caras do que um palácio e vestes reais. O Filho de Deus nasce pobre, vive e morre pobre, e sua santíssima Mãe participa com coração perfeito da condição do Filho. São eles os nossos mestres”.

(GdM, 132-133)

Aos pés da cruz. — “Quereis ser discípulas de Jesus Mestre? Encontraremos Maria, a primeira discípula, aos pés da cruz. Peçamos a Jesus a graça para sabermos sofrer com paciência e em silêncio”.

(IA IV, 172)

Todos os santos foram formados em sua escola. — “A santidade de Maria é a mais fácil e mais simples, a mais adequada a todos os estados e condições; esta a razão por que todos os santos formaram-se na escola de Maria”.

(FdM, 92)

Nas pegadas de Maria. — “Felizes os que seguem as pegadas de Maria, felizes aqueles que verdadeira e constantemente tendem à perfeição, pois  sua vida será lucro  contínuo”.

(FdM, 94)

Oração a Maria Mestra. — “Maria, modelo de todo discípulo de Jesus, obtende-nos vossa docilidade. Afastai de nós o orgulho, os preconceitos, a obstinação, as paixões que endurecem o coração e obscurecem a inteligência. Maria, Mãe e discípula do Mestre, guiai-me em vosso caminho”.
(BM I, 483)

(Mensagem mariana do Pe. Alberione, de Pe. João Roatta)

FONTES E SIGLAS

AD                      ABUNDANTES DIVITIAE (Roma 1971istória Carismática da Família Paulina (São Paulo 1975).
AE                      L'APOSTOLATO DELL'EDIZIONE (Alba 1944) Apostolado da Edição (São Paulo 1967).
BM                      BREVI MEDITAZIONI PER OGNI GIORNO DELL'ANNO (Roma 1948 — 2 Vols.)
CISP                   CARISSIMI IN SAN PAOLO (Roma 1971).
DA                      LA DONNA ASSOCIATA ALLO ZELO SACERDOTALE (Alba 1932, VI Ed.) Zelo sacerdotal e apostolado feminino conjugados (São Paulo).
FdM                    FESTE Dl MARIA (Albano 1954, III Ed.).
GdM                   LE GRANDEZZE Dl MARIE (Roma 1951).
HM                     HAEC MEDITARE (Meditações às Paulinas — 8 vols.).
IA                        IPSUM AUDITE (Meditações às Pias Discípulas — 5 vols.).
LdP                     LIBRO DELLE PREGHIERE PAOLINE (Ostia 1968) Orações da Família Paulina (São Paulo 1977).
MV                     MIHI VIVERE CHRISTUS EST (Alba 1972).
NOV                  I NOVISSIMI MEDITATI AI PIEDI DEL SS. SACRAMENTO (Alba 1934).
PA                       PREDICHE ALLE SUORE PASTORELLE (Albano-Ostia, 1961-1964, 2 vols.).
Pr                         RAPREDICAZIONE REGINA APOSTOLORUM (Coletânea mimeografada, FSP Grottaferrata).
RdA                    MARIA REGINA DEGLI APOSTOU (Albano 1954, II Ed.).
SOR                    ALLA SORGENTE (Pastorinhas) (Ostia 1969) Às Fontes (São Paulo 1970).
SV                       SI VIS PERFECTUS ESSE (Exercícios aos Clérigos) (Alba 1933).
UPS                    UT PERFECTUS SIT HOMO DEI (4 vols. Albano-Ostia 1960-1962). Comunico o que recebi do Senhor (São Paulo 1976). .
VdM                   VITA Dl MARIA (V Ed. Albano 1961).


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RETIRO ESPIRITUAL DE 09 DE JUNHO/2012

CONTEMPLANDO JESUS MESTRE
Ensinamentos do Venerável Francisco Chiesa

Há 66 anos, no dia 14 de junho de 1946, faleceu com fama de santidade o Venerável Francisco Chiesa, sacerdote importante para a diocese de Alba, na Itália, e para a Família Paulina.

Sobre ele o Bem-aventurado Alberione afirmava:

«Dele se recebeu o ensinamento, o espírito, a orientação; a ajuda quotidiana de muitos anos, em vários modos. A sua vida foi excepcional e heroica em todas as virtudes; o seu zelo voltado para todas as pessoas e todas as iniciativas; um mestre que com a ciência comunicava o espírito; pároco modelo»[1].

Coube a Francisco Chiesa o dom de apresentar, por primeiro, a espiritualidade da nascente Família Paulina à Igreja por meio de três livros, inspirados nos títulos de Cristo Verdade, Caminho e Vida.

Para apresentar Jesus que proclama “Eu sou a Verdade”, Padre Francisco Chiesa escreveu o livro Jesus Mestre, que pode ser considerado uma das mais belas apresentações de Cristo como comunicador perfeito.

Na parte central do livro apresenta, em seis leituras, os dotes de Jesus Mestre: dotes intelectuais, morais e pedagógicas.

Num estilo simples e agradável, seus ensinamentos podem inspirar uma verdadeira contemplação ou leitura orante dos títulos salvíficos de Jesus.

Para contemplar Jesus que proclama “Eu sou a Verdade” (Jo 14,6), propõe-se aqui a Leitura sobre a Ciência como dote de Jesus Mestre:

Leitura XI[2]

DOTES DE JESUS MESTRE

Ciência

Ego sum veritas (Jo XIV, 6)



            Se Jesus é mestre, deve ter os dotes de mestre.

            É algo comum para todo estado de vida. Quando Deus chama alguém para determinada função, já lhe dá as qualidades necessárias para poder exercê-la decorosamente. Deus chamou Salomão para governar o seu povo; mas lhe deu uma sabedoria maravilhosa e um coração grande, de modo que pudesse se tornar um grande rei. Chamou Maria para ser sua Mãe, a dignidade mais alta a que se possa ser elevada uma pura criatura. Contemporaneamente destinou-lhe tantos dons, virtudes e privilégios, tornando-a a criatura mais sublime; tanto que a base da sua perfeição está no vértice onde termina a santidade dos santos: Fundamenta eius in montibus sanctis.[3]

            Os dotes de um mestre comum são de três espécies: intelectuais, morais, pedagógicos. Os dotes intelectuais compendiam-se na ciência.

            O mestre deve amestrar, ou seja, ensinar e comunicar a doutrina, a ciência. Deve, portanto, em primeiro lugar ter ele mesmo a ciência que deve ensinar. Qui non habet, non potest dare [Ninguém pode dar o que não tem], diz o conhecido provérbio.

            Isto se refere ordinariamente a todo mestre.

            Mas, tratando-se de Jesus único e verdadeiro mestre, e, portanto, mestre dos mestres, estes dotes deverão estar nele de maneira única e insuperável. E é realmente assim.

            Vejamos como Jesus tem o primeiro dote, ou seja, a ciência: ciência da verdade a ser ensinada, ciência dos discípulos que devem aprender, ciência do método a ser usado.

*          *

*

1. Ciência da verdade. – Jesus Cristo, ainda que considerado somente em sua natureza humana, devia possuir uma ciência superior a qualquer homem. De fato, o quê é necessário para adquirir a ciência? É necessário possuir uma mente idônea e ter diante de si uma congruente matéria. A matéria de ensino é o grande livro escrito por Deus na criação do mundo, livro da natureza. E estava aberto diante dele como diante dos maiores cientistas dos nossos tempos. Quanto à mente, ou seja, à faculdade de ler neste livro, nenhuma mente humana, até mesmo dos homens mais famosos, pode ser comparada à sua. Sem dúvida é admirável a genialidade de Platão, de Aristóteles, de Santo Tomás de Aquino, mas o que podiam ser estes gênios diante de Jesus, ainda que se considere simplesmente o aspecto humano? A mente de Jesus não foi obscurecida pela culpa original e, por outro lado, era a mente mais perfeita, mais penetrante, mais sublime que jamais poderia ser encontrada num homem, porque fora formada pela sabedoria infinita de Deus, para aquele homem que ele queria unir hipostaticamente a si, e tornar mestre supremo de todos os homens. E se é assim, quem poderá ter uma ideia da clareza e da abertura daquela mente, da sutileza da sua penetração, da profundidade dos seus juízos e dos seus raciocínios?

            Pensemos a alguém não instruído e um físico muito especializado, os dois diante do mesmo fenômeno natural: por ex. um selvagem e Benjamim Franklin diante do chispar de um relâmpago! São dois homens: não obstante isso, que diversidade!

            Assim, aliás incomparavelmente mais, devemos dizer da mente humana de Jesus e da mente dos outros homens diante do livro da natureza.

*          *

*

Mas, além da ciência natural, Jesus, também como homem, tinha outra ciência, ou seja, a ciência infusa. A mente de Jesus, ainda que maravilhosa como era, não podia por si mesma entrar na ordem sobrenatural. Para isso necessitava de uma revelação. Aliás, devendo Jesus ser mestre dos homens de todos os tempos até ao fim do mundo, não bastava um vislumbre de revelação mais ou menos amplo, como o dos profetas, mas era necessário que fosse uma revelação adequada. Então, quem jamais poderia imaginar a inundação de luz superna que dos abismos da Divindade se derramou na alma de Jesus, para torna-lo idôneo, supremo e perpétuo doutor do gênero humano nos caminhos da salvação?

Pobres Judeus! Tinham visto Jesus vir da Galileia, região de ignorantes, e entrar no Templo de Jerusalém, e falar onde ensinavam os grandes doutores envelhecidos sobre os livros, e maravilhados diziam: Quomodo hic litteras scit, cum non didicerit? Como pode ser que este é letrado, sem ter estudado! Eles, pobres Judeus, não pensavam que o homem, mesmo não tendo ido à escola, sabia infinitamente mais do que eles, doutores, por causa de sua ciência infusa.

*          *

*

            Mas tudo isto não é absolutamente nada, se considerarmos Jesus como Deus. Como Deus, Ele é infinito nas suas perfeições, e, portanto, também na ciência: tem uma ciência infinita.

            Mas também isso é pouco.

            Propriamente falando, ter ciência significaria possuir o conhecimento de uma verdade: como chamamos, por ex., cientista matemático quem possui o conhecimento das verdades matemáticas; químico, quem possui o conhecimento das verdades da química e assim por diante. Ora, diz Santo Tomás: Quod quis habet et non est, habet per partecipationem ab alio. Aquilo que alguém tem e não é, o tem por participação de alguém outro. Um exemplo: um pedaço de ferro aquecido. Este ferro não é o calor, mas tem uma determinada porção de calor, por assim dizer, que lhe foi comunicada por uma causa a ela extrínseca. Dizemos também que a chama de uma vela ilumina, mas ela não é a luz, é somente uma chama que participa da luz, isto é, que tem uma determinada quantidade de luz. Esta luz, da mesma forma que é participada a esta vela, é comunicada, do mesmo modo, a muitas outras velas que estão acesas no mesmo altar, e em tantos outros altares nas outras igrejas vizinhas ou distantes; luz que é participada em maior quantidade às chamas dos fogos, dos incêndios, e ainda em maior quantidade às estrelas do firmamento.

*          *

*

            Até mesmo o sol, centro do nosso sistema planetário, que ilumina tantos planetas e irradia sua luz em espaços tão distantes, o sol, repito, é centro de irradiação, isto é, fonte de luz; mas só para o sistema solar, não para os infinitos outros sistemas que povoam os espaços; e assim até mesmo o sol não é a luz, mas possui também ele uma porção, ou seja, uma determinada quantidade de luz, incalculavelmente maior do que a da vela, mas sempre uma quantidade determinada ou limitada.

            Se a luz do sol fosse infinita toda luz estaria nele e não poderia existir no universo nenhum corpo luminoso que não fosse iluminado por ele. Ao invés, sabemos que há no universo incontáveis sóis, isto é, estrelas fixas, algumas das quais são milhões de vezes maiores do nosso sol. Portanto a luz do nosso sol não é infinita, porque ele não é a luz, mas tem a luz, e aquilo que alguém tem e não é, o tem somente por participação por parte de outrem.

*          *

*

            Mas se supuséssemos que o ser não só tivesse, mas fosse a luz, tanto que se pudesse dizer: este ser é a luz, então, por isso mesmo, seria luz sem limite e infinita; e toda luz que resplandece, quer nos astros do céu ou nos corpos luminosos da terra, derivaria daquela luz infinita e dela teria uma participação maior ou menor.

            Agora, em vez da luz, suponhamos a ciência, e, em lugar dos corpos luminosos, suponhamos os vários mestres ou cientistas. Todos eles podem possuir uma quantidade maior ou menor de ciência, mas, pelo mesmo fato que só têm a ciência, não são a ciência ou a verdade, a ciência deles é sempre limitada, mesmo que se tratasse de um Santo Tomás.

            Mas isto não se pode dizer de Jesus enquanto Deus. Ele não tem a ciência ou a verdade, mas é a ciência e a verdade em pessoa: Ego sum veritas[4]. Ele não é só luminoso e resplandecente, mas é a luz em si mesma: Erat lux vera quae illuminat omnem hominem venientem in hunc mundum[5].

*          *

*

2. Ciência dos discípulos a serem amestrados. – Pensemos que um mestre conheça perfeitamente a matéria que deve ensinar. Não quer dizer que só por esse fato consiga um ótimo resultado. É necessário que ele conheça a índole e o grau de instrução de seus alunos. Um é o modo de falar de um professor de universidade, e outro aquele usado por um professor de classes elementares. Aliás, até nas classes elementares, há notável diversidade na qualidade, na índole dos alunos; e conhecer tudo isso é um tesouro, para um mestre.

            Ora, Jesus mestre não somente tem uma ciência perfeita quanto à verdade a ser ensinada, mas também quanto aos discípulos que devem aprender.

*          *

*

            Quem jamais poderia vangloriar-se de conhecer melhor as pessoas do que Jesus? A coisa mais difícil de se conhecer são os pensamentos dos seus discípulos. Intellexisti cogitationes meas de longe, semitam meam et funiculum meum investigasti[6]. Mais difícil ainda é prever as ações. E Jesus prevê as ações. Et omnes vias meas praevidisti![7]. Quem não sabe que Jesus, falando aos Judeus, respondia, às vezes, não às palavras, mas aos pensamentos deles? Como quando havia perdoado os pecados ao paralítico: os escribas começaram a pensar entre eles: quem é este que diz blasfêmias? Jesus respondendo aos pensamentos deles disse: Quid cogitatis in cordibus vestris?[8] E rebate o pensamento deles curando o paralítico.

            Outra coisa muito difícil é conhecer os corações. Pravum est cor hominis et inscrutabile. Quis cognoscet illud?[9] Pravo é o coração do homem, e inescrutável: quem o conhecerá? Conhecê-lo-á Jesus, que é aquele que perscruta os corações e os afetos: scrutans corda e renes Deus[10]. Por isso o profeta exclama: A tua ciência tornou-se admirável em mim. Mirabilis facta est scientia tua ex me[11].

*          *

*

            Para conhecer bem os seus discípulos, os mestres não só estudam a personalidade deles, mas, às vezes, têm registros nos quais anotam os caracteres atávicos, o estado fisiológico, o ambiente de família, as qualidades físicas e morais dos pais e muitas outras particularidades.

            Todos estes recursos podem servir para ampliar ou aprofundar de algum grau o conhecimento do aluno. Mas o que é tudo isso diante de Jesus que fez um por um o coração deles? Qui finxit singillatim corda ipsorum?[12]

            Ele não só conhece as condições dos pais, mas toda a série da genealogia deles até ao primeiro pai, Adão. Ele penetra até o íntimo em cada fibra deles, conhece com infinita perfeição o passado, o presente e o futuro, quanto à alma e ao corpo deles.

            Não é, portanto, possível que exista um mestre que tenha uma ciência tão perfeita dos seus discípulos, como a que há no mestre dos Mestres, Jesus.

*          *

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3. Ciência do método. – Da dúplice ciência da verdade a ser ensinada e do discípulo a ser amestrado procede a possibilidade de outra ciência, não menos necessária, que é a do método. Há estudiosos doutíssimos que sabem somente para si mesmos. Quando devem comunicar aos outros a ciência que têm se mostram totalmente incapazes, ou ficam muito abaixo da mediocridade. E por quê? Porque não conhecem o método de ensino.

            Método é o caminho a ser seguido: não conhecer o método é não conhecer o caminho de fazer a verdade chegar à mente do discípulo. Ora quem não conhece o caminho para fazer com que a mercadoria chegue ao seu destino está evidentemente em péssimas condições. Quem, ao invés, conhece bem o método, se encontra na possibilidade de fazer entender logo e com facilidade até a verdade mais difícil.

            Ora, no Mestre divino Jesus, nós encontramos, a respeito do método de ensino, uma ciência igual às duas primeiras já consideradas: ciência altíssima, cheia de prudência e de praticidade; ciência infinita que nós somos incapazes de penetrar a fundo. O pouco, porém, que nós podemos entrever é suficiente para ter dela uma ideia.

            O método de ensino escolhe o tempo, o lugar, o modo, as pessoas. Lancemos um olhar, ainda que superficial, sobre o método de Jesus Mestre.

            Notemos: Ele é Deus e podia infundir diretamente a ciência nos seus discípulos, passando por cima de todas as regras humanas. Não o fez. Se Ele fosse simplesmente homem, e não Deus, não teria podido agir mais humanamente. Quanto ao tempo, deixemos de lado até mesmo a divina pedagogia contida no ensino profético. Ele escolhe o momento oportuno: quando a humanidade, tendo feito todos os esforços que eram possíveis nas civilizações anteriores: indiana, egípcia, persa, assíria, grega, romana, tinha experimentado a própria impotência, e, entretanto, iluminada pelas profecias, se encontrava num estado de ardentíssimo desejo do esperado Libertador.

*          *

*

             E este libertador se manifesta no lugar adapto, central relativamente às várias civilizações.

            Quanto ao modo, estão presentes todos os traços da mais fina e delicada prudência. Qual tática sapiente em mandar um precursor, em colocar-se entre os que pediam o batismo, e, depois, em todo o seu modo de agir nas relações com os discípulos do Precursor!

            Depois, Jesus começa a pregar: não imediatamente, porém, em Jerusalém, mas na Galileia; nem logo em Nazaré, mas em Cafarnaum, em Betsaida, gânglios comerciais de primeira grandeza naquele tempo, onde se encontravam os viajantes provindos da Assíria e do Egito... verdadeiras correntes marinhas capazes de levar a semente da palavra de Deus até lugares muito distantes e diferentes.

            Depois vai a Jerusalém... Nos dias da Páscoa em que se reuniam pessoas de todas as proveniências e tinham tempo para escutar. Ei-lo então percorrer por todas as partes da Palestina, ora seguindo o Jordão e ora atravessando as montanhas. Pregava nas sinagogas, nos montes, nos lagos estando numa barca, nas casas de família, nas solidões, no templo... Que poderoso incentivo então os milagres que fazia para despertar a fé no seu ensinamento. Que sabedoria ao estabelecer nos apóstolos e discípulos a base de sua escola.

*          *

*

            Finalmente a brevidade mesma de sua pregação de apenas 3 anos e meio, truncada por uma morte tão trágica, quando Ele ainda estava na flor de sua vida humana, a 33 anos; tudo cooperou para imprimir profundamente a sua doutrina na mente e no coração dos homens. Entendamo-nos: não que este e outros sapientíssimos meios humanos bastem para explicar a obra de Jesus: é preciso muito mais; mas para dizer que nada de humano Ele quis transcurar para tornar eficaz o seu ensino.

            Temos assim, aqui, um pequeno ensaio da admirável ciência de Jesus mestre, relativamente ao método de ensino.

Os pensamentos secretos dos apóstolos[13]

“Um homem gritou do meio da multidão: «Mestre, eu te peço, vem ver o meu filho, pois é o meu único filho. Um espírito o ataca e, de repente, solta gritos e o sacode, e o faz espumar. Eu pedi aos teus discípulos o espírito, mas eles não conseguiram.» Jesus disse: «Ó geração sem fé e pervertida! Até quando deverei ficar com vocês, e ter que suportá-los? Traga o menino aqui.» Quando o menino estava se aproximando, o demônio o jogou no chão e o sacudiu. Então Jesus ordenou ao espírito mau, e curou o menino. Depois o entregou a seu pai. Todos ficaram admirados com a grandeza de Deus. O povo estava admirado com tudo o que Jesus fazia. Então Jesus disse aos discípulos: «Prestem atenção ao que eu vou dizer: o Filho do Homem vai ser entregue na mão dos homens.» Mas os discípulos não compreendiam o que Jesus dizia. Isso estava escondido a eles, para que não entendessem. E tinham medo de fazer perguntas sobre o assunto. Quem é o maior -* Houve entre os discípulos uma discussão, para saber qual deles seria o maior. Jesus sabia o que estavam pensando. Pegou então uma criança, colocou-a junto de si, e disse a eles: «Quem receber esta criança em meu nome, estará recebendo a mim. E quem me receber, estará recebendo aquele que me enviou. Pois, aquele que é o menor entre vocês, esse é o maior.»”

            Aqui se vê como Jesus conhecia os pensamentos dos seus Apóstolos: videns cogitationes cordis illorum [vendo os pensamentos de seus corações].

ORAÇÃO

            Ó Jesus, que sendo o supremo mestre da humanidade, possuis em sumo grau a dote da ciência, concedei a nós benignamente a graça de aderir com perfeita fé e ilimitada certeza aos teus divinos ensinamentos. Tu que vives e reinas com o Pai e com o Espírito Santo por todos os séculos dos séculos. Assim seja.

            Jaculatória: Ó Jesus mestre, caminho, verdade e vida, tem piedade de nós.

* * * * * * * * * * * * * * *

Para refletir e contemplar

1. Jesus e a ciência da verdade

Por exemplo: Jo 1,1-18; Mt 5,1-12; 11,25-27; Jo 13,1-38; Cl 1,15-20.

2. Jesus e a ciência dos discípulos a serem amestrados

Por exemplo: Jo 1,45-51; 4,1-42; 21,15-22.

3. Jesus e a ciência do método

Por exemplo: Jo 6,66-71; 8,1-11; 8,31-59.


Anotações de Antonio F. da Silva

Retiro dos Institutos Paulinos de Vida Secular Consagrada

São Paulo, 09/06/2012






RETIRO ESPIRITUAL DE 12 DE MAIO/2012

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

BREVE HISTÓRICO



            A Jornada Mundial da Juventude (JMJ) é celebrada anualmente nas dioceses, e a cada 2 anos ou 3 anos, em uma cidade escolhida pelo papa, para a qual recorrem milhares de jovens de todos os cantos do mundo. O convite é feito pelo santo padre o Papa, que sempre propõe uma temática específica aos jovens para que meditem e aprofundem seu encontro com Jesus Cristo e o comprometimento com seu Evangelho.

            O próprio idealizador das JMJs o papa João Paulo II é quem nos diz: o principal objetivo das jornadas é fazer da pessoa de Jesus, o centro da fé e da vida de cada jovem para que ele possa ser seu ponto de referência constante e também a inspiração para cada iniciativa e compromisso para a educação das novas gerações (Carta de João Paulo II ao Cardeal Eduardo Francisco Pirónio na ocasião do seminário sobre as Jornadas Mundiais da Juventude organizado em Czestochowa, Polônia).

            As JMJs foram gestadas por ocasião de grandes encontros do Papa João Paulo II, quando convocou o Ano Santo da Redenção, em comemoração aos 1950 anos da morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo. No final deste ano, a 22 de Abril (Páscoa), como milhares de jovens do mundo recorressem ás celebrações desde o domingo de Ramos, o papa confiou-lhes o principal símbolo do jubileu - uma Cruz de madeira que estava posta junto ao altar principal da Basílica de São Pedro.

            O papa João Paulo II concretizou este desejo no domingo seguinte – Páscoa da Ressurreição – entregando a cruz aos jovens do Centro Juvenil de São Lourenço, em Roma. Nesse momento as suas palavras foram as seguintes: ''Meus queridos Jovens, ao concluir este Ano Santo, confio-vos o símbolo deste Ano Jubilar: A Cruz de Cristo! Levai-a pelo mundo a fora como um símbolo do Amor de Cristo pela humanidade, e anunciai a todos que só na morte e ressurreição de Cristo é que poderemos encontrar salvação e redenção (Roma, 22 de Abril de 1984). O pedido do papa foi cumprido: de Roma a cruz seguiu para Alemanha, França e a pedido do papa, cruzou o muro de Berlim e foi a Praga (Checoslováquia). Em 1985 retornou a Roma para a celebração do Domingo de Ramos.

            Durante este ano, diversos encontros de Jovens na Europa tiveram a Cruz Peregrina como símbolo. Em Dezembro de 1985, com o anúncio da primeira Jornada Mundial da Juventude para 1986, a Cruz passou a acompanhar estes eventos e tornou-se seu principal símbolo.

            O Ícone de Nossa Senhora foi dado de presente aos Jovens pelo mesmo santo Padre, em 2002 durante a Jornada Mundial da Juventude com as seguintes palavras: "Hoje eu confio a vocês... o Ícone de Maria. De agora em diante ele vai acompanhar as Jornadas Mundiais da Juventude junto com a Cruz. Contemplem a sua Mãe! Ela será um sinal da presença materna de Maria próxima aos jovens que são chamados, como o Apóstolo João a acolhê-la em suas vidas". Desde então, o Ícone - uma cópia fiel de um antiquíssimo ícone encontrado na Basílica de Santa Maria Maior - tem acompanhado a Cruz em suas peregrinações.

            As JMJs reúnem jovens de diversas dioceses do mundo, em um determinado país para cerca de duas semanas de atividades. Na primeira semana ocorrem os dias nas dioceses, ou Pré Jornadas ou semana Missionária, que reúnem os jovens peregrinos nas diversas dioceses do país que acolhe a JMJ. Na segunda semana concentram-se todos os jovens na cidade sede do evento para momentos celebrativos, catequeses, Eucaristia, Via-Sacra, atividades culturais, vigílias e encontros com o Santo Padre, o Papa.

            Podemos certamente afirmar que a JMJ é o momento máximo de "Cenáculo" da juventude católica mundial. Reunimo-nos como Igreja jovem ao redor de Jesus Cristo Ressuscitado não como uma massa disforme e passiva, mas como grupos organizados em suas diversas igrejas locais. É o rosto jovem da Igreja de Jesus Cristo reunida nele em multidão. Por esse motivo, a JMJ não é um evento fechado em si, e nem se espera dela apenas a solução plena para a evangelização da juventude de um país ou diocese. Ela se insere num processo mais amplo de evangelização, que inclui a organização dos grupos nas diversas comunidades e o acompanhamento constante da juventude, a fim de que descubra em Jesus Cristo o Caminho, a Verdade, e a Vida com a ajuda da JMJ, mas também com os diversos encontros e atividades que acontecem constantemente nas bases, antes e depois da realização da mesma. A JMJ se insere no contexto das atividades permanentes.



Papa Bento XVI fala aos jovens em Madri: Jornada Mundial da Juventude 2011. Tema: Enraizados e edificados em Cristo firmes na fé (Cl 2, 7).



            Queridos jovens, com a celebração da Eucaristia chegamos ao momento culminante desta Jornada Mundial da Juventude. Ao ver-vos aqui, vindos em grande número de todas as partes, o meu coração enche-se de alegria, pensando no afeto especial com que Jesus vos olha. Sim o Senhor vos quer bem e vos chama seus amigos. Ele vem ter convosco e deseja acompanhar-vos no vosso caminho, para vos abrir as portas duma vida plena e tornar-vos participantes da sua relação íntima com o Pai. Por nossa parte, conscientes da grandeza do seu amor, desejamos corresponder com toda a generosidade a esta manifestação de predileção com o propósito de partilhar também com os demais a alegria que recebemos.   Na atualidade, são certamente muitos os que se sentem atraídos pela figura de Cristo e desejam conhecê-lo melhor [...]. Ter fé é apoiar-se na fé dos teus irmãos e fazer com que a tua fé sirva também de apoio para a fé dos outros. Peço-vos, queridos amigos, que ameis a Igreja, que vos gerou na fé, que vos ajudou a conhecer melhor a Cristo, que vos fez descobrir a beleza do seu Amor.

            ‘Para o crescimento da vossa amizade com Cristo, é fundamental reconhecer a importância da vossa feliz inserção nas paróquias, comunidades e movimentos, bem como a participação na Eucaristia de cada domingo, a recepção frequente do sacramento do perdão e o cultivo da oração e a meditação da palavra de Deus.



Papa saúda os jovens de língua portuguesa:

            Queridos jovens e amigos de língua portuguesa, encontraste Jesus Cristo! Sentir-vos-ei em contra corrente no meio duma sociedade onde impera a cultura relativista, que renuncia a buscar e conhecer a verdade.

            Mas foi este momento da história, cheio de grandes desafios e oportunidades, que o Senhor vos mandou: para que, graças a vossa fé, continue a ressoar a boa nova de Cristo por toda a terra.

            Espero poder encontrar-vos daqui 2 anos na próxima Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro, Brasil. Até lá rezemos uns pelos outros, dando testemunho da alegria que brota de viver enraizados e edificados em Cristo.

            Até breve, queridos jovens! Que Deus vos abençoe.



Papa Bento XVI fala aos jovens na vigília de oração diante de Jesus Eucarístico



            Nesta Vigília de oração, convido-vos a pedir a Deus que vos ajude a descobrir a vossa vocação na sociedade e na Igreja e perseverar nela com alegria e fidelidade. Vale acolher dentro de nós o chamado de Cristo e seguir com coragem e generosidade o caminho que ele nos proponha.

            A muitos o Senhor chama ao matrimônio, no qual um homem e uma mulher formando uma só carne, se realizam numa profunda vida de comunhão. É um horizonte de vida ao mesmo tempo luminoso e exigente, um projeto de amor verdadeiro, que se renova e consolida cada dia, partilhando alegrias e dificuldades, e que se caracteriza por uma entrega da totalidade da pessoa.

            Por isso reconhecer a beleza e bondade do matrimônio significa estar conscientes de que o âmbito adequado á grandeza e dignidade do amor matrimonial só pode ser um âmbito de fidelidade e indissolubilidade e também de abertura ao dom divino da vida.

            A outros diversamente, Cristo os chama a segui-lo mais de perto no sacerdócio ou na vida consagrada. Como é belo saber que Jesus vem a tua procura, fixa o seu olhar em ti e com a sua voz inconfundível, diz também a ti: SEGUE-ME.

            Queridos jovens, para descobrir e seguir fielmente a forma de vida a que o Senhor chama cada um de vós, é indispensável permanecer no seu amor como amigos. E, como se mantém a amizade se não com um trato frequente, o diálogo, o estar juntos e o partilhar anseios ou penas? Dizia Santa Tereza de Ávila que a oração não é outra coisa senão “tratar de amizade — estando muitas vezes tratando a sós — com quem sabemos que nos ama”.

            Convido-vos, pois, a ficardes agora em adoração a Cristo, realmente presente na Eucaristia; a dialogar com ele, a expor na sua presença as vossas questões e a escutá-lo. Queridos amigos, rezo por vós com toda a minha alma, suplico-vos que rezeis também por mim.

            Peçamos-lhe, ao Senhor, nesta noite que, atraídos pela beleza do seu amor, vivamos sempre fielmente como seus discípulos. Amém.



Anotações extraídas das homilias do papa em ocasião da Jornada Mundial da Juventude: Enraizados e edificados em Cristo firmes na fé. Madri 2011



Uma breve apresentação dos preparativos para a Jornada Mundial da Juventude 2013 Rio de Janeiro.

            Foi com grande alegria no coração que todos os jovens Brasileiros reunidos na celebração eucarística de encerramento da JMJ 2011 em Madri acolheram a cruz e a notícia da próxima Jornada que será sediada aqui no Brasil na cidade do Rio. O tema da Jornada Mundial 2013 será: "Ide e fazei discípulos entre todas as nações". Muitos estão sendo os preparativos para este grande momento em nosso país. Na Arquidiocese de São Paulo tivemos um grande momento da recepção da Cruz peregrina e do ícone de Nossa Senhora, um grande evento que reuniu jovens de toda a Arquidiocese de São Paulo e também de algumas dioceses vizinhas no Campo de Marte. Teve como tema: Bote Fé. No Rio de Janeiro, também está acontecendo vários eventos em preparação para a JMJ. Em São Paulo acontecerá a Pré-Jornada, que é a semana que antecede a Jornada onde ficam hospedados os peregrinos de todos os cantos do mundo e participam de toda a preparação da Jornada e também as grandes celebrações presididas pelo Santo Padre, o Papa. Está previsto que esta Jornada Mundial da Juventude terá a participação de 5 milhões de Jovens, pelo fato de reunir toda a América Latina. Em Madri na Espanha participaram 2 milhões de Jovens. As Paróquias aqui em São Paulo já se mobilizam para a semana da Pré-Jornada; as famílias também para acolher os peregrinos estrangeiros em suas casas. Sinto que muito jovens estão animados com essa Jornada, acredito que será um grande encontro com Cristo para muitos jovens e também um resgate da Juventude Brasileira. Para mim posso dizer que minha participação em Madri na Jornada Mundial da Juventude, foi um dos melhores presentes que tive até hoje. Um grande sonho realizado que sonhei durante 11 anos. Mas com a graça de Deus foi realizado. Que Deus abençoe todos os jovens assim como eu, que com grande alegria acolherão esse grande encontro com o Senhor em 2013 em nosso País.
Daniela dos Santos

Noviça no Instituto Nossa Senhora da Anunciação




RETIRO DE 14 DE ABRIL/2012


QUERIGMA E METANÓIA

NO CENTENÁRIO DA FAMÍLIA PAULINA



            Na terça-feira da oitava de Páscoa a liturgia celebra o anúncio, por parte de Padro, de Cristo ressuscitado e a resposta daqueles que receberam sua mensagem: “Quando ouviram isso, eles sentiram o coração transpassado e perguntaram a Pedro e aos outros apóstolos: “Irmãos o que devemos fazer?” Pedro respondeu: “Convertei-vos [Metanoésate imp. De metanoéo subst.:metánoiametanóia ] e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo, para o perdão dos vossos pecados” (At 2, 37-38).

            È uma ocasião oportuna para que a Família Paulina que está preparando-se para celebrar o centenário de fundação se sinta chamada a não falar biograficamente da experiência dos inícios, mas teologicamente da nossa vocação e missão.



1. Arrependei-vos dos pecados

            O Superior e as Superioras gerais traçaram um programa inspirado nas palavras com as quais o Bem-aventurado Tiago Alberione descreveu uma sua forte experiência espiritual: “Não temais, eu estou convosco – daqui quero iluminar – arrependei-vos dos pecados”.

            O Padre Alberione encontrou dificuldade em verter do italiano para o latim estas expressões, mantendo toda a força daquele momento em que as havia recebido. Por exemplo, na frase “daqui quero iluminar”, que se referia à presença evangelizadora de Jesus no Tabernáculo, o “daqui” lhe parecia não ser suficientemente expressivo com o advérbio latino “hinc”. Alberione preferiu usar o advérbio “abhinc”, no qual o prefixo “ab” (= de) sublinhava melhor o “desde aqui”. Independentemente da questão gramatical do latim, é clara a insistência sobre a importância da centralidade da Presença Eucarística na vida e missão paulinas.

            As palavras: “Arrependei-vos dos pecados”, que em italiano é “Abbiate il dolore dei peccati” (= Tende dor pelos pecados), em latim foram vertidas assim: Poenitens cor tenete [pronúncia: pénitens cór tenête].

            Mais recentemente foi entrando em algumas comunidades o costume de partir do latim para escrever “vivei em contínua conversão”, ao invés de “arrependei-vos dos pecados” ou, melhor ainda, “Senti dor dos pecados”. “Vivei em contínua conversão”, ainda que tenha grande valor para indicar a metanóia neotestamentária, não consegue apresentar a expressão sentida pelo Padre Alberione, que nunca a escreveu desta outra forma nas capelas paulinas.

            Na experiência de 1921, ao sentir o aproximar-se de Deus, o Padre Alberione sentiu, ao mesmo tempo, temor e felicidade. Esta felicidade é fruto da experiência do amor misericordioso do Pai, no encontro com Cristo. É a alegria própria do Querigma. Ao temor, Jesus respondeu: “Não temais, eu estou convosco”, confirmando a misericórdia. Mas a felicidade que ele sentia ao ser envolvido pelo amor misericordioso do Mestre levou nosso Fundador a tomar ainda mais consciência da própria nulidade e do perigo de perder aquilo que mais desejava para si e para os seus: encontrar e permanecer no Deus vivo. Daí o vivo sentido do temor do pecado e, então, o compromisso fortíssimo e sincero, e tantas vezes repetido: “Nada de pecados!”. Entende-se, então, por que a vida paulina é pautada pela invocação: “De todo pecado, livrai-nos, Senhor!”.



2. “O querigma”

“No processo de formação de discípulos missionários, destacamos cinco aspectos fundamentais que aparecem de maneira diversa em cada etapa do caminho, mas que se complementam intimamente e se alimentam entre si :

O Encontro com Jesus Cristo: Aqueles que serão seus discípulos já o buscam (cf. Jo 1,38), mas é o Senhor quem os chama: “Segue-me” (Mc 1,14; Mt 9,9). É necessário descobrir o sentido mais profundo da busca, assim como é necessário propiciar o encontro com Cristo que dá origem à iniciação cristã. Esse encontro deve renovar-se constantemente pelo testemunho pessoal, pelo anúncio do querigma e pela ação missionária da comunidade. O querigma não é somente uma etapa, mas o fio condutor de um processo que culmina na maturidade do discípulo de Jesus Cristo. Sem o querigma, os demais aspectos desse processo estão condenados à esterilidade, sem corações verdadeiramente convertidos ao Senhor. Só a partir do querigma acontece a possibilidade de uma iniciação cristã verdadeira. Por isso, a Igreja precisa tê-lo presente em todas as suas ações” (DAp 278).



3. O caminho discipular à presença de Cristo Ressuscitado

279 A missão principal da formação é ajudar os membros da Igreja a se encontrar sempre com Cristo, e assim reconhecer, acolher, interiorizar e desenvolver a expe-riência e os valores que constituem a própria identidade e missão cristã no mundo. Por isso, a formação obedece a um processo integral, ou seja, que compreende várias dimensões, todas harmonizadas entre si em unidade vital. Na base destas dimensões está a força do anúncio kerygmático. O poder do Espírito e da Palavra contagia as pessoas e as leva a escutar a Jesus Cristo, a crer n’Ele como seu Salvador, a reconhecê-lo como quem dá o pleno significado a suas vidas e a seguir seus passos. O anúncio se fundamenta no fato da presença de Cristo Ressuscitado hoje na Igreja, e é fator imprescindível no processo de formação de discípulos e missionários. Ao mesmo tempo, a formação é permanente e dinâmica, de acordo com o desenvolvimento das pessoas e como serviço que são chamadas a prestar, em meios às exigências da história (DAp 279).



4. Metanóia é ruptura com o pecado e adesão ao querigma do Reino

No Antigo Testamento só nos livros deuterocanônicos, com a reflexão sapiencial, é que os termos metanoein/metanóia assumem a plena acepção teológica. Os termos são usados no sentido “técnico” de arrependimento do pecado (Sb 5,3; 11,23; 12,10.19; Eclo 17,24; 44,16; 48,15). A metanóia tem forte pertinência teológica. É Deus que, por meio da misericórdia, leva ao arrependimento (Sb 11,23; Eclo 17,24) e ao castigo moderado (Sb 12,10; Eclo 48,15). O arrependimento é uma possibilidade oferecida por Deus (Sb 12,19). A metanóia se torna a finalidade do agir salvífico de Deus e a característica do verdadeiro sapiente (Sb 12,19-22; Eclo 44,16).

Metanóia 21 vezes no Novo Testamento (Mt 3,8.11; Mc 1,4; Lc 3,3.8; 5,32; 15,7; 24,47; At 5,31; 11,18; 13,24; 19,4; 20,21; 26,20; Rm 2,4; 2Cor 7,9; 2Tm 2,25; Hb 6,1.6; 12,17; 2Pd 3,9).

O verbo metanoein é usado 33 vezes. Algumas vezes no sentido técnico de arrependimento do pecado (Lc 15,7; 17,3.4; At 8,22; Rm 2,4; 2Cor 12,21; Ap 2,21) ou no sentido de autoimposição de uma penitência corporal (Lc 16,30; Ap 2,16).

A metanóia conserva, em âmbito querigmático, o sentido de arrependimento/arrepender-se dos pecados, mas assume um matiz especial e o termo é usado de modo absoluto (Mt 3,2.8; Mc 1,15; Lc 24,47; At 11,18; 20,21; 26,20).

A oportunidade do arrependimento e perdão dos pecados é ligada de modo especial com Jesus (Lc 24,47; At 5,31). O desprezo pela atitude de metanóia pode dizer respeito ao conteúdo do querigma ou ao portador (Mt 12,41; Lc 10,16). Mas a metanóia é questão de vida ou de morte (Lc 13,3.5) e é a condição para a futura salvação (Mc 6,12; Lc 10,13). No sentido específico do NT a metanóia indica uma ruptura com o passado e a adesão vital como atitude de resposta de quem acolhe o querigma do Reino.



5. A Escola de Nazaré (DF 14-15)

«Donec formetur Christus in vobis» (Ad Gal IV,19).

 A formação deve modelar-se sobre o Divino Mestre: trinta anos de vida oculta.

 Exige, portanto:

 1. Fuga: afastar-se do mundo, o qual é a escola oposta àquela do Divino Mestre: postulantado, noviciado, profissão temporária; busque-se a solidão e a companhia dos Santos.

 2. Mortificação interna: da memória, fantasia, orgulho, coração, etc.; externa: tato, audição, olhar, paladar, olfato, cumprimento de um horário, programa.

 3. Oração: «Sine me nihil potestis facere»,[1] portanto, presença aos Santos Sacramentos, devoção a Nossa Senhora, a São Paulo, visita, exame de consciência. A palavra de São Paulo é muito clara: «Neque volentis, neque currentis, sed miserentis est Dei» (ad Rom IX, 16).[2] É necessário entrar no reino da Misericórdia e colocar-nos sob tal governo ou domínio.

 4. Studium perfectionis: isto é, querer ter êxito na ciência divina, na perfeição da vontade, na santidade da vida.



5. O discipulado paulino à Escola de Nazaré

            "Entrar no reino da Misericórdia e pôr-nos sob seu governo ou domínio" (DFst 15)

a) Modelar-se sobre o Divino Mestre – Verdade

üFuga: afastar-se do mundo, o qual é a escola oposta àquela do Divino Mestre”

üBusca: “busque-se a solidão e a companhia dos Santos”

b) Modelar-se sobre o Divino Mestre – Caminho

ü Mortificação – “abstine”: interna e externa (DFst 23)

ü Mortificação – “sustine”: cumprimento de um horário, programa (DFst 23)

c) Modelar-se sobre o Divino Mestre – Vida

ü Oração – Cooperação: Jo 15,5: «Sem mim nada podeis fazer».

ü Oração – Graça: Rm 9,16: «Não depende da vontade, nem dos esforços do homem, mas da misericórdia de Deus».

Studium perfectionis: isto é, querer ter êxito na ciência divina, na perfeição da vontade, na santidade da vida” (DFst 15).

6. “Examinai-vos: ... conseguis descobrir que Jesus Cristo está em vós?”: 2Cor 13,2-10


Anotações de Pe. Antonio F. da Silva, ssp















[1] Jo 15,5: «Sem mim nada podeis fazer».



[2] Rm 9,16: «Não depende da vontade, nem dos esforços do homem, mas da misericórdia de Deus».

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RETIRO ESPIRITUAL DE 10 DE MARÇO/2012
ESPIRITUALIDADE DA QUARESMA

Origem e história da quaresma

                A celebração da Páscoa nos primeiros três séculos de vida da Igreja não tinha um período de preparação. Limitava-se a um jejum que se fazia nos dias anteriores. A comunidade cristã vivia tão intensamente o compromisso até o testemunho do martírio (vivia-se então em tempos de perseguição), que não sentiam a necessidade de um período de tempo maior para renovar a conversão que já havia tido lugar no batismo. Porém, sim, se prolongava a alegria da celebração Pascal por cinquenta dias (Pentecostes). Quando se registrou uma menor tensão no compromisso de vida cristã depois da paz de Constantino, começou a sentir-se a necessidade de um conveniente período de tempo para chamar aos fiéis a uma maior coerência com o batismo. Nascem assim as prescrições relacionadas com um período de preparação para a Páscoa.



Duração de quarenta dias

                O caráter original da Quaresma, segundo a força expressiva da mesma palavra, foi posto na penitência de toda a comunidade e dos indivíduos ao longo de quarenta dias. Na determinação da duração de quarenta dias, para que os cristãos se preparem para celebrar a solenidade Pascal, é mais do que certo que teve grande peso a tipologia bíblica dos quarenta dias, a saber: o jejum de quarenta dias de Jesus Cristo; os quarenta anos que passou o Povo de Deus no deserto; os quarenta dias passados por Moisés no Monte Sinai; os quarenta dias durante os quais Golias, o gigante filisteu, afrontou Israel, até que Davi avançou contra ele, abateu-o e o matou; os quarenta dias durante os quais o Profeta Elias, fortificado pelo pão assado e pela água, chegou ao Monte de Deus, o Horeb; os quarenta dias que o Profeta Jonas pregou a penitência aos habitantes de Nínive.



Finalidade e estrutura da quaresma

O Tempo da Quaresma tem a finalidade de preparar a Páscoa: a Liturgia Quaresmal conduz para a celebração do mistério pascal tanto os catecúmenos, através dos diversos graus da iniciação cristã, quanto aos fiéis, por meio da recordação do batismo e da penitência. O Tempo da Quaresma transcorre desde a Quarta-feira de Cinzas, que é dia de jejum e abstinência e de imposição das cinzas, até a Missa da Ceia do Senhor, exclusive. Desde o início da Quaresma até a Vigília Pascal não se canta (diz) o Aleluia nem o Glória. Os domingos deste Tempo são chamados 1°, 2°, 3°, 4° e 5º Domingos da Quaresma. O 6º Domingo, com o qual se inicia a Semana Santa, é chamado Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor. A Semana Santa recorda a Paixão de Cristo, desde sua entrada messiânica em Jerusalém.



Leituras bíblicas quaresmais

Nos cinco domingos precedentes à Semana Santa, no ciclo trienal, se proclamam quarenta e cinco textos bíblicos. As leituras do Antigo Testamento podem ser reduzidas em três grupos: 1°) textos que apresentam a história da salvação (a aliança original, a vocação de Abraão; o êxodo, o deserto, a história posterior de Israel); 2º) textos que proclamam a lei, e portanto, os deveres morais impostos pela aliança; 3º) os chamamentos dos profetas à conversão e ao arrependimento. As Epístolas foram escolhidas para prolongar a mensagem contida nas leituras do Antigo Testamento e mostrar sua profundidade, e para preparar a escuta do Evangelho. Os Evangelhos dos dois Primeiros Domingos, nos três anos (A,B,C), estão concentrados sempre em Cristo tentado e transfigurado; os outros três Domingos preparam mais diretamente para o batismo ou para a renovação das promessas batismais na Noite de Páscoa. O ANO A propõe textos com um forte caráter batismal (Quaresma Batismal). O ANO B propõe uma série de textos centrados no mistério da cruz gloriosa de Cristo segundo São João (Quaresma Cristocêntrica). O ANO C, com os textos de São Lucas, destaca a misericórdia de Deus com seu correspondente convite a acolhê-la (Quaresma Penitencial).



Itinerário quaresmal

Quem nos fala deste itinerário é o Bem-aventurado João Paulo II em sua homilia do dia 28/02/01 em Roma: “A quaresma é certamente, ao longo do ano litúrgico, um ‘tempo favorável’ para acolher com maior disponibilidade a graça de Deus. Precisamente por isto, ela é definida ‘sinal sacramental da nossa conversão’. O caminho para o qual a Quaresma nos convida realiza-se, em primeiro lugar, na oração: as comunidades cristãs devem tornar-se, na quaresma, autênticas ‘escolas de oração’. Depois, outro objetivo privilegiado é a aproximação dos fiéis ao Sacramento da Reconciliação, para que cada um possa voltar a ‘descobrir Cristo como mysterium pietatis, no qual Deus nos mostra o seu coração compassivo e nos reconcilia plenamente consigo’. A experiência da misericórdia de Deus, além disso, não pode deixar de suscitar o empenho da caridade, estimulando a comunidade cristã a ‘apostar na caridade’”.



Quaresma e Campanha da Fraternidade 2012

O tempo da Quaresma é tempo privilegiado na vida da Igreja. É o chamado tempo forte, de conversão e de mudança de vida. Sua palavra-chave é: "metanóia", ou seja, conversão. Nesse tempo se registram os grandes exercícios quaresmais: a prática da caridade e as obras de misericórdia. O jejum, a esmola e a oração são exercícios bíblicos de piedade, até hoje recomendáveis, na imitação da espiritualidade judaica. No Brasil, durante a Quaresma, realiza-se a Campanha da Fraternidade, com sua proposta concreta de ajuda aos irmãos, na vivência evangélica, focalizando sempre um tema da vida social. Foi aberta, na Quarta-Feira de Cinzas, a 49ª Campanha da Fraternidade (CF), cujo tema é “Fraternidade e Saúde Pública”, com o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra”. A solenidade de abertura, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília (DF), foi dirigida pelo secretário geral da entidade, dom Leonardo Steiner, e contou com a participação do ministro da Saúde, Alexandre Padilha; do secretário executivo da CF, padre Luiz Carlos Dias, além de outros convidados.  



Quaresma: 40 dias de CONVERSÃO ao amor de Cristo!

A Quaresma é uma oportunidade para «voltar a ser» cristãos, através de um processo constante de mudança interior e de avanço no conhecimento e no amor de Cristo. A conversão não acontece nunca de uma vez por todas, mas é um processo, um caminho interior de toda nossa vida. Certamente, este itinerário de conversão evangélica não pode limitar-se a um período particular do ano: é um caminho de todos os dias, que tem de abarcar toda a existência, cada dia de nossa vida.

Desde este ponto de vista, para cada cristão e para todas as comunidades eclesiais, a Quaresma é a estação espiritual propícia para treinar-se com maior tenacidade na busca de Deus, abrindo o coração a Cristo.

Santo Agostinho disse, em uma ocasião, que nossa vida é um exercício único do desejo de aproximar-nos de Deus, de ser capazes de deixar Deus entrar em nosso ser. «Toda a vida do cristão fervoroso – diz – é um santo desejo». Se isso é assim, na Quaresma somos convidados, ainda mais, a arrancar «de nossos desejos as raízes da vaidade» para educar o coração no desejo, ou seja, no amor de Deus. «Deus - diz santo Agostinho - é tudo o que desejamos» (cf. «Tract. In Iohn», 4). E esperamos que realmente comecemos a desejar Deus, e deste modo, desejar a verdadeira vida, o próprio amor e a verdade.

É particularmente oportuna a exortação de Jesus, referida pelo evangelista Marcos: «Convertei-vos e crede na Boa Nova» (cf. Mc 1,15). O desejo sincero de Deus nos leva a rejeitar o mal e a realizar o bem. Esta conversão do coração é antes de tudo um dom gratuito de Deus, que nos criou para si e em Jesus Cristo nos redimiu: nossa felicidade consiste em permanecer n’Ele (cf. João 15,3). Por este motivo, Ele mesmo previne nosso desejo com sua graça e acompanha nossos esforços de conversão.

Mas, o que é, na verdade, converter-se? Converter-se quer dizer buscar Deus, caminhar com Deus, seguir docilmente os ensinamentos de seu Filho Jesus Cristo; converter-se não é um esforço para realizar a si mesmo, porque o ser humano não é o arquiteto do próprio destino. Nós não criamos a nós mesmos. Por isso, a auto-realização é uma contradição e é muito pouco para nós. Temos um destino mais alto. Poderíamos dizer que a conversão consiste precisamente em não se considerar «criadores» de si mesmos, descobrindo deste modo a verdade, porque não somos autores de nós mesmos.

Conversão consiste em aceitar livremente e com amor que dependemos totalmente de Deus, nosso verdadeiro Criador, que dependemos do amor. Isso não é dependência, mas liberdade. Converter-se significa, portanto, não perseguir o êxito pessoal, que é algo que passa, mas, abandonando toda segurança humana, seguir com simplicidade e confiança o Senhor, para que Jesus se converta para cada um, como gostava de dizer a beata Teresa de Calcutá, em «meu tudo em tudo». Quem se deixa conquistar por Ele não tem medo de perder a própria vida, porque na Cruz Ele nos amou e se entregou por nós. E precisamente, ao perder por amor nossa vida, voltamos a encontrá-la.

A Cruz também é para nós, homens e mulheres de nossa época, que com demasiada frequência estamos distraídos pelas preocupações e os interesses terrenos e momentâneos, a revelação definitiva do amor e da misericórdia divinos. Deus é amor e seu amor é o segredo de nossa felicidade. Agora, para entrar neste mistério de amor, não há outro caminho senão o de perder-nos, entregar-nos, no caminho da Cruz. «Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me» (Mc 8,34). Por este motivo, a liturgia quaresmal, ao convidar-nos a refletir e rezar, estimula-nos a valorizar mais a penitência e o sacrifício, para rejeitar o pecado e o mal e vencer o egoísmo e a indiferença. A oração, o jejum e a penitência, as obras de caridade para os irmãos se convertem, deste modo, em caminhos espirituais que devem ser percorridos para voltar a Deus em resposta aos repetidos chamados à conversão (cf. Gl 2,12-13; Mt 6,16-18).

O período quaresmal seja para todos uma renovada experiência do amor misericordioso de Cristo, que na Cruz derramou seu sangue por nós. Coloquemo-nos docilmente à sua escuta para aprender a «voltar a dar» seu amor ao próximo, especialmente aos que sofrem e atravessam dificuldades. Esta é a missão de todo discípulo de Cristo, mas para realizá-la é necessário permanecer na escuta de sua Palavra e alimentar-se assiduamente de seu Corpo e de seu Sangue. Que o itinerário quaresmal, que na Igreja antiga é itinerário para a iniciação cristã, para o Batismo e para a Eucaristia, seja para nós, batizados, um tempo «eucarístico», no qual participemos com maior fervor do sacrifício da Eucaristia.

 Bento XVI, 21 de fevereiro de 2007.


Pequenas notas sobre a espiritualidade quaresmal

1) A Quaresma não é tempo negativo, como muitas vezes pensam os que vivem longe do Evangelho, mas tempo dinâmico, de renovação da vida e de volta aos valores da vida, tendo como meta definitiva o valor perene da páscoa eterna, na comunhão com o Senhor Ressuscitado.

2) O importante, na Quaresma, não é, porém, aquilo que fazemos, mas o que deixamos Deus fazer em nós e por nós. É tempo de graça e de salvação (Cf. 2Cor 6,2), tempo, pois, de abrir espaço para Deus em nossa vida e, como consequência, abrir o coração para os nossos irmãos e irmãs.

3) Tudo na Quaresma, como na liturgia, tem sentido simbólico. Assim, o jejum e a abstinência de carne, por exemplo, não podem reduzir-se a mera redução ou abstenção de alimento, mas tal atitude deve acenar para uma vida sóbria, diante de tantas comodidades e prazeres que o mundo moderno e consumista nos apresenta. É a afirmação do “SER”, ontológico, diante do “ter”, do “poder” e do “prazer”, como procedeu Cristo no evangelho das tentações (1º domingo da Quaresma).

4) Faz parte da espiritualidade quaresmal, e com grande ênfase, como no passado, a tomada de consciência da fé batismal, a qual se renova na terceira parte da Vigília Pascal do Sábado Santo, como celebração solene.

5) É preciso viver a Quaresma na espiritualidade evangélica, caminhando com Cristo rumo à Páscoa. Em outras palavras, é preciso fazer de nossa vida uma caminhada com Cristo para Jerusalém, assumindo a cruz de cada dia (Cf. Lc 9,23), para ser com ele crucificado e com ele ressuscitar no domingo da Páscoa, voltando ao seio do Pai, ao eterno “hoje” de Deus, ao “dia que não tem ocaso”.

6) Quaresma é tempo para a conversão, para melhorar no processo de humanização pessoal e comunitário. A Quaresma coincide com a própria vida de todo crente, com o ser e missão de toda a Igreja e com a vocação da comunidade humana inteira.

7) Quaresma é um convite a mudar aquilo que temos de mudar na busca de ser melhores e mais felizes, um convite a construir em vez de destruir e a olhar e voltar para formas de vida mais justas, mais solidárias, mais humanas.

8) Quaresma é um convite a buscar diligentemente novas formas de ser e fazer Igreja, sendo melhores e mais autênticos discípulos do Crucificado Ressuscitado.

9) O tempo litúrgico da Quaresma – como nossa própria existência – é percorrido com o olhar dirigido à Páscoa da Ressurreição e à Páscoa definitiva em Deus. Páscoa de vida abundante que se opõe a toda forma de discriminação e de envelhecimento do ser humano, de sua dignidade, a toda forma de atropelo e violência, a toda forma de mentira, maldade e morte, a toda forma de corrupção e divisão, a toda forma de marginalização e opressão. Porque a Páscoa, como ponto de chegada, cume e superação da Quaresma, é absoluta novidade de vida, da vida abundante que Deus nos oferece e à qual Deus nos convida neste tempo e em todo momento.

10) A Quaresma não é um tempo muito exigente se o consideramos unicamente em termos de observâncias exteriores. As práticas penitenciais que adotemos devem ser sinal de nossa atitude de mente e coração. Cada um deve tentar estabelecer qual é a vontade de Deus para ele. Cada um deve perguntar-se em sua oração: “Senhor, que queres que eu faça?” E já que a vida proporciona circunstâncias apropriadas para a penitência, pode ser que o melhor seja aceitá-las com generosidade e paciência.

11) Não é fácil aceitar a necessidade da conversão do coração, e este é um chamado contínuo do tempo da Quaresma: o chamado de confrontar nossa vida com as exigências do Evangelho!

12) A conversão não necessita ser repentina e nem dramática. Pode ser gradual e imperceptível e desenvolver-se ao longo da vida. O chamado à conversão é permanente; portanto, nossa resposta deve ser contínua.

13) Se pensamos que não temos nada que reprovar em nossa vida, convém que escutemos as terminantes palavras de São João: “Se dizemos que não temos pecado, enganamos a nós mesmos, e a Verdade não está em nós” (1Jo 1,8).

14) A penitência, no sentido de conversão, nunca é opcional. Não pensar que pelo fato de ser quem somos – pessoas consagradas – já estamos convertidos. Nossa conversão nunca é completa e total. Sempre há pequenos espaços de nosso coração não convertidos ao Evangelho, zonas de resistência à graça de Deus; além disso, temos de lutar constantemente com nossos limites e nossas falhas. Somente Deus pode criar em nós um coração novo; e isso é certo inclusive na vida de pessoas muito piedosas, bondosas e santas.



DOMINGOS DA QUARESMA

Mais uma vez, no caminho de preparação para a mais importante festa do calendário cristão, a Igreja nos propõe um tempo de preparação – de penitência e de escuta da palavra, de acolhimento do plano de Deus e de atenção aos irmãos.

Neste ano de 2012, os textos que nos serão apresentados ao longo destas cinco semanas, mostram-nos um percurso claro e definido: Deus quer oferecer-nos um mundo onde a felicidade é possível (1º domingo = Mc 1,12-15) e a sua Palavra ensina-nos o caminho (2º domingo = Mc 9,2-10), Palavra que nos chama à conversão e à renovação (3º domingo = Jo 2,13-25). Aceitar esta Palavra implica, pois, mudar de vida. Fiquemos, contudo, certos do amor de Deus, gratuito e incondicional (4º domingo = Jo 3,14-21). Quanto a nós, temos de estar atentos ao seu plano de salvação e ir ao encontro dos outros, no amor e no serviço (5º domingo = Jo 12,20-33).

A “nova evangelização” a que a Igreja nos convida a todos nesta Quaresma impele-nos a não guardarmos este segredo do amor misericordioso de Deus e a partilhá-lo à nossa volta.

Uma santa Quaresma para todos nós.

Pe. Antônio Lúcio, ssp

Retiro mensal dos Institutos Anunciatinas, Gabrielinos e Santa Família

São Paulo, 10 de março de 2012
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RETIRO DE 11 DE FEVEREIRO/2012 – Nossa Senhora de Lourdes
Renovação dos votos de Doralice e Melisa – Ingresso no noviciado de Daniela, M. Rosângela e Gisana

DISCIPLINA INTERIOR
15 de agosto de 1965 - por ocasião dos exercícios em Aríccia

            A nossa consideração se refere à disciplina: disciplina pessoal e social, quer porque devemos evitar o mal, quer porque devemos fazer o bem, individual e socialmente.
            Disciplina em nós mesmos. Sabemos que há tendências espirituais e tendências carnais. Há como uma luta em nosso íntimo. Então é necessário que nos guiemos a nós mesmos com disciplina firme e com a ajuda da graça, para que não sejamos vencidos na luta que se trava dentro de nós: deve vencer o espírito e não a carne.
            Disciplina interior. Dominamos os nossos pensamentos e a nossa mente? Pensamentos bons ou pensamentos menos bons? Pensamentos bons que se referem a Deus, que se referem à caridade, à virtude. Os pensamentos podem ser contra a fé, contra a caridade, contra a castidade, e podemos dizer, contra toda virtude. Quanto tempo se perde com pensamentos vãos e inúteis!
            Dominar o íntimo: os sentimentos que podem ser bons, em ordem a Deus e em ordem à virtude, à santidade, ao próximo. Mas há sentimentos de orgulho, de inveja, de desejos perigosos. Dominar o coração! Disciplinar o coração e disciplinar a vontade, a qual deve caminhar segundo a vontade de Deus. Se a força das paixões dominasse a vontade, então estaríamos no caminho que leva ao mal. Disciplinar o interior: a fantasia, para recordar ou reproduzir em nós coisas que se leram, se ouviram, se viram. Dominar a memória! Recordar o que aprendemos de bem, as pregações, os conselhos, os avisos do confessor etc... Disciplinar a vontade: às vezes encontram-se pessoas que são como uma anarquia contínua, querem e não querem, querem o bem e querem o mal. Tenhamos caráter e sejamos disciplinados interiormente! É mais fácil descobrir o exterior se somos disciplinados, mas o interior é mais difícil de descobrir.
            Disciplinar os sentidos externos: Os olhos, que devem servir para o que é necessário para a nossa vida e então usar os olhos sempre em ordem ao que é útil, ao que serve para o próximo, para o bem. Disciplinar os olhos para que, vendo o que é mau, não criemos para nós mesmos tentações.
            Disciplinar o ouvido: não escutar o que é mal; escutar e fazer tudo o que é útil para a vida social.
            Disciplinar a língua que pode trazer bens imensos a nós mesmos: como fazer a oração, confessar-se bem e muitas outras coisas. Com a língua podemos levar o bem, iluminar, empregar a fala que o Senhor nos deu. Usemos santamente a língua [cf Tg 1,26].
            Quanto ao gosto, não é ele que decide se se deve comer ou beber muito ou pouco etc. Tomar o alimento de acordo com a necessidade do bem físico, porque, quando um remédio é amargo, não é segundo o nosso gosto, mas serve para a nossa saúde. Devemos mortificar o tato, o corpo. O descanso seja o necessário. Dominemos as atividades que devemos praticar. Dominemos a nós mesmos.
            Não favoreçamos a paixão, tudo que leva ao mal. Ao contrário, utilizemos todas as nossas forças intelectuais, interiores, dos sentidos internos e externos. Disciplinemos a nós mesmos. Isto significa ser retos e de caráter, ser realmente cristãos em tudo, não somente cristãos na Igreja, mas em todas as coisas e em todos os lugares, ser gente reta e cristã. Se formos consagrados a Deus, é preciso disciplina ainda maior: disciplina que se refere à pobreza, à castidade, à obediência. Disciplinemos-nos: retidão em tudo.
            Alem dessa disciplina individual, pessoal, é preciso também a disciplina social. Adão e Eva viveram em sociedade, em sociedade conjugal. Eva arruinou Adão. É preciso haver disciplina na vida social. Em primeiro lugar, esta disciplina se refere à vida cotidiana. Em qualquer ambiente em que se viva, na família, na sociedade, ou na vida comum, é necessário disciplina, porque a nossa vida exterior impõe mortificação. A vida comum tem as suas vantagens, mas requer a disciplina social, ou na família, ou onde se vive todos os dias. Disciplinemo-nos na sociedade. Sejamos exemplo na vida cristã, não de mau exemplo. Comportemo-nos dignamente, de maneira que sejamos de edificação ao próximo.
            Se já somos consagrado à Deus, então é necessário que a vida religiosa seja bem vivida. Se for bem vivida terá influencia salutar. Se não for bem vivida, será um mau exemplo. Há também escândalos na sociedade, e ai daqueles que dão escândalos aos pequeninos. Diz Jesus no Evangelho: “Melhor lhe fora ser lançado ao mar com uma pedra de moinho enfiada no pescoço do que escandalizar um só destes pequeninos” (Lc 17,2). Devemos ser coerentes no que impõe a vida cristã, a vida religiosa. Na sociedade todos vós vos dedicais a algum apostolado. Devemos disciplinar-nos: não nos carreguemos de mais coisas do que as que podemos atender. Devemos fazer o que podemos, e fazer bem. Também o bem seja bem feito. Na sociedade civil devemos disciplinar tudo, a começar pela roupa até as coisas mais delicadas. É preciso que nos abstenhamos de certos divertimentos, por exemplo, cinema, romance, livro que são perigosos. Devemos evitar o que é perigoso. Que a nossa vida seja exemplo, porque o exemplo vale mais que a palavra, que a própria exortação.
            Na sociedade encontramos, às vezes, ambientes bons, cristãos e é fácil viver santamente. Quando, porém, nos achamos em ambientes não exemplares, até escandalosos e maus, então é preciso a fortaleza para evitar e, quando é possível, também para corrigir. É mais fácil ser arrastado pelo mal do que ser levado ao bem que santifica. Disciplinemos a nossa conduta, o nosso dia, os ambientes em que vivemos e a nossa própria vida, a nossa vida pessoal. Quem ama o perigo, perece nele. Evitemos todas as pessoas que são de mau exemplo e que levam ao mal. Jesus advertia a seus ouvintes, as multidões, que se guardassem de seguir a vida dos fariseus, que queriam passar por mestres, falavam bem, mas agiam mal.
            Devemos concluir os exercícios com o programa de vida, para nos guiar a nós mesmos e nos comportar nos ambientes em que devemos viver, na vida de família, ou na vida religiosa, ou na sociedade civil ou em todos os ambientes em que podemos encontrar-nos. Com o bom exemplo, muitas coisas servem para levar a edificação a todos. Os que conhecem pessoas que são retas, justas, em tudo e servem de bom exemplo, então são como tantas admoestações para quem vê e para quem ouve.
            Vejamos, pois, além de estabelecer a nossa vida social, devemos ainda acrescentar: podemos agir e fazer maior bem em nossa vida? Devemos dar conta de todos os talentos que o Senhor nos deu. Quem tem mais inteligência, que tem mais saúde e quem tem mais qualidades ou meios. Todos os talentos devem ser utilizados, lembrando-se da parábola do Evangelho.
            Portanto, usemos os nossos talentos, e usemo-lo o quanto nos for possível, para a nossa santificação, disciplinando-nos a nós mesmos, e trabalhando para a salvação das almas.
(Pe. Alberione, Meditações para consagradas seculares)


Leia também os dois breves artigos sobre o assunto, podem ajudar.

Dois artigos úteis

DISCIPLINA - A CHAVE DE UM FUTURO MELHOR

            Responda rapidamente: o que [Pe. Alberione], Gandhi, Charles Chaplin, Einstein e Churchill tinham em comum? E o que Buda e Santos Dumont compartilhavam?
            É difícil encontrar algum em comum entre figuras tão díspares, não é mesmo? Mas a resposta é muito simples, e nela reside a razão da grandeza de cada um deles. Todos foram pessoas disciplinadas.
            Nenhum deles jamais teria conseguido o que conseguiu se não tivesse realizado um esforço continuado. É certo que Einstein era um gênio - mas de que isso adiantaria se ele não tivesse dedicado horas e horas ao estudo e às questões que permitiram que formulasse a Teoria da Relatividade?
            Buda era um grande que já nasceu diferente? Segundo ele próprio, não era. Sempre afirmou que qualquer um podia alcançar a iluminação - desde que colocasse isso como sua meta de vida e trabalhasse disciplinadamente para tanto. Gandhi exigiu de si mesmo uma disciplina férrea, voltada para o seu ideal de libertação e integração da Índia. Graham Bell, o inventor do telefone, colecionou uma série infindável de fracassos antes de obter sucesso. Mas continuou em frente.
            O fato é que todos nós somos, potencialmente, seres excepcionais. Mas não realizamos esse potencial. Por quê? A resposta, também neste caso, é simples: não queremos aceitar o fato de que, para alcançar o que desejamos, temos que ser disciplinados.
            Quantos de nós sonham em ocupar uma melhor posição no trabalho? Muitos, não? Mas quantos desenvolvem uma estratégia para isso e, mais importante, executam essa estratégia? Poucos, não é mesmo?
            E esse é ponto básico de nossa newsletter de hoje: sem disciplina, você nunca irá a lugar nenhum. O atleta de músculos perfeitos tem que encarar horas e horas de exercício, disciplinadamente.[O exemplo de São Paulo e os atletas] O cientista que descobriram a vacina contra a AIDS terá passado horas e horas trancafiado em um laboratório, disciplinadamente. Todos os que chegaram, estão chegando ou chegarão ao sucesso terão que, de alguma forma, exercer uma enorme força de vontade, e impor uma disciplina rígida a si mesmos.

COMO FAZER?
            No entanto, algumas pessoas acreditam que essa disciplina é, em si mesma, um dom. Quanto a isso, tenho boas notícias. Não é verdade. Disciplina se aprende. E, como um músculo, pode ser treinada. Veja como:
           
1 - Acabe com as desculpas
            Seres humanos são especialistas em desculpas, e em encontrar bodes expiatórios. O fato de que a situação não está boa, ou de que fulano fez algo que o boicotou não é razão suficiente para que você deixe de fazer todo o possível para ter sucesso e ser feliz.
            Lembre-se que cada vez que você atribui um dos seus problemas a uma instituição ou a uma pessoa, você abre mão de seu único poder: o poder sobre si mesmo. Algo ou alguém pode realmente ser a origem dos seus problemas. Mas a solução deles só terá uma origem: você. Portanto, deixe de lado “eles” e o possível mal que lhe causam ou causaram. Pense em como você irá evoluir e vencer.

2 - Comece devagar
            Nenhum campeão de halterofilismo começou levantando 200 quilos. Nem você vai se transformar no que quer ser em um dia. Você também não irá conseguir ser um exemplo de disciplina em apenas um dia.
            Mirar alto é bom e é necessário. Mas o sucesso é a soma de pequenos passos. Como um atleta em treinamento, você começará andando, depois andando depressa, depois correndo.
            Estabeleça metas modestas - manter seus papéis organizados, ou responder a todos os telefonemas que deve responder. Quando estiver bem treinado, exija mais de si. Como um músculo que se torna mais forte, a disciplina irá se tornar um hábito cada vez mais arraigado a cada vitória sobre si mesmo.
           
3 - Não há exceções
            Uma vez que tenha estabelecido sua meta inicial de disciplina, não faça exceções. Quando começamos a fazer exceções, as exceções se tornam a nova regra. E o seu objetivo vai por água abaixo. Por isso que é preciso começar aos poucos, com coisas que você seja efetivamente capaz de fazer.
           
4 - Não se considere um messias ou um mártir
            Não existe nada mais incomodo do que um ex-fumante que se dedica a “converter” os fumantes na sua campanha contra o fumo. Da mesma forma, o fato de você ter optado por ser uma pessoa disciplinada — e portanto vencedora — não significa que, a partir de agora, você irá exigir que todos ao seu redor vivam pelos seus novos parâmetros.
            Também não significa que você irá cumprir as tarefas que se impôs como se fossem uma cruz que carrega. Afinal, se você mantiver os olhos no horizonte, verá sempre a meta que tem à frente. E a disciplina diária será apenas um hábito que incorporou para chegar a essa meta. Portanto, faça um favor a si e aos que vivem com você — faça também da alegria uma nova disciplina.



Outro artigo
AUTODISCIPLINA

A autodisciplina pode ser considerada um tipo de treinamento específico, criando-se novos hábitos de pensamento, ação e linguagem para o autoaperfeiçoamento e para ajudar a obter suas metas. A autodisciplina pode também ser alcançada através de pequenas tarefas específicas. Encare a autodisciplina como um esforço positivo e não como negativo (de deixar para lá).

Planeje uma pequena tarefa para certa hora do dia. Discipline o seu tempo.
Planeje uma determinada tarefa para a parte da manhã e outra para a parte da tarde.
A tarefa não deve levar mais que 15 minutos.
Aguarde a hora determinada para a tarefa. Quando a hora determinada chegar, inicie a tarefa.
Mantenha o planejamento por, pelo menos, 2 semanas.
Planeje uma tarefa e siga à risca seu horário. Evite agir por impulsos.
Monitore seu progresso. No final do tempo alocado, mantenha um registro das realizações obtidas ao longo do tempo.
            Benefício: Mantendo um registro, vai ajudá-lo a saber quanto tempo leva cada tarefa.
Se você conseguir tempo de sobra, preencha-o com outras pequenas tarefas, faça anotações, planeje outras tarefas, etc.

Use a rotina para seu benefício
Em vez de dedicar muitas horas em um dia e nenhuma no outro e algumas no seguinte e assim por diante, determine certo período de tempo em cada dia da semana para aquela tarefa.
Seja firme.
Não fixe uma meta exceto pela alocação de tempo. Simplesmente estabeleça o hábito da rotina.
Aplicando esta técnica em seus trabalhos de escola ou em seus projetos, você estará no caminho certo para a execução e conclusão dos seus objetivos.
            Benefício: Você estará trabalhando com tarefas em pequenos incrementos, não tudo de uma vez. Primeiro você desenvolve um hábito, depois o hábito faz o serviço para você.

Use a autodisciplina para lidar com o gerenciamento do tempo [Administrar o tempo]
            O gerenciamento do tempo pode se tornar uma tarefa complicada. Quando você não tem controle sobre si mesmo, como pode controlar seu tempo? Comece controlando-se através da autodisciplina com o estabelecimento de tarefas.
            Benefício: Ao passo que você controla suas tarefas, você desenvolve sua autodisciplina. Ao passo que desenvolve sua autodisciplina, você começa a gerenciar seu tempo. Ao passo que começa a gerenciar seu tempo, você desenvolve autoconfiança.

Mantenha um Diário da Autodisciplina
Registre o início e término das tarefas.
Faça uma análise do seu progresso já obtido.
            Benefício: Este Diário pode ser uma ferramenta útil para você ter uma idéia global das suas atividades a fim de colocá-las em ordem de prioridade e também para entender o que é importante e o que não é na utilização do seu tempo.

Planeje seu dia de trabalho e de seus estudos
Quando você vai começar seu trabalho ou esteja indo para ele, tome alguns minutos do seu tempo e escreva em uma folha ou pedaço de papel as tarefas que você quer realizar naquele dia.
Coloque-as em ordem de prioridade.
Comece imediatamente a trabalhar no item mais importante.
Faça desta maneira durante alguns dias para ver se este hábito funciona para você.
Os hábitos se formam com o tempo: quanto tempo vai depender de você e do hábito.
            Benefício: Quando você tiver uma ideia clara do que você quer realizar para o dia que se inicia, as chances serão grandes de que você será capaz de executar as tarefas proativamente. Passando para o papel e esboçando seu dia antecipadamente ajuda muito.

Desânimo
Não desanime; não adie as coisas devido ao tamanho do desafio.
Mas se hesitar, lembre-se de que isto é natural.
Dê uma descansada para se revigorar contra o desafio.

Dicas
Associe um hábito novo com um velho
Se você bebe café, associe a primeira xícara com a hora ou momento para detalhar e priorizar suas tarefas.
            Benefício: A associação ajuda nas conecções neurais!

Verifique o andamento e progresso das atividades [Exame de consciência]
Em um calendário, em uma planilha no seu computador ou mesmo sobre a mesa do café da manhã: Verifique e dê baixa nos dias em que você conseguiu fazer todas as atividades programadas. Se você falhou na rotina, comece de novo!
            Benefício: A visualização é um rápido reforço e estímulo para seu progresso.

Modelos de exemplo [Os santos]
Observe as pessoas da sua convivência e veja como a autodisciplina e os hábitos as ajudam na realização de suas metas. Peça conselhos a elas sobre o que realmente funciona e o que não funciona.
            Benefícios: O Planejamento ajuda você a se concentrar em suas prioridades. Concentrando mais em iniciar suas tarefas do que em completá-las, você poderá evitar a procastinação

Contribuído por Mahanthi Bukkapaptnam, Des Moines, Iowa

Traduzido por Valdemir Fernandes, Guarulhos, São Paulo, Brasil. Desde 1996 o siteGuias de Estudo e Estratégias“ | Study Guides and Strategies vem sendo elaborado, pesquisado e mantido por Joe Landsberger como um serviço público educacional para o estudante no mundo todo. É dada permissão para que as matérias sejam copiadas, adaptadas e distribuídas, desde que em padrões não comerciais, para que o estudante possa ser beneficiado. Por favor, esteja ciente que nosso site agradece a todos que possam ajudar e que ele está sempre em contínua revisão. Por esta razão, a reprodução de todo o conteúdo na Internet pode ser feita somente com a permissão de um contrato de licenciamento. Não é necessário fazer o “link” para o site.

RETITO ESPIRITUAL – JANEIRO DE 2012


SANTIFICAR O COMEÇO DO DIA
15 de agosto de 1966-por ocasião dos exercícios em Aríccia.



            O argumento que vos convido a meditar é este: santificar o começo do dia. De manhã, quando o céu se apresenta sereno, espera-se um dia maravilhoso. Assim em nosso íntimo, pela manhã, haja serenidade recebendo da graça do Senhor um novo dia e a graça de poder enchê-lo de méritos. Noite a noite levai até o céu os méritos alcançados no dia. Muitos negociantes talvez não ganhem nada no dia, mas vós fazendo bem tudo o que deveis fazer, todas as noites podereis mandar para o céu o conjunto dos méritos do dia.
            Deve-se também dizer que não é somente o dia que serve para merecer para a eternidade, mas também à noite. Como nos alimentamos para manter-nos no serviço de Deus, igualmente há a obrigação de dormir e descansar. Por isso dizemos: “Abençoai-nos, ó Senhor, a nós e ao alimento que vamos tomar...”, e iniciando assim ou estando já na cama: “para manter-nos no vosso santo serviço”. O que se diz do alimento se diz também do descanso. Tomar o alimento que é necessário para a vida é mérito. E Jesus tomava o seu alimento, Jesus tomava o seu descanso, o seu sono. Está escrito no Evangelho. Mas oferecê-lo ao Senhor, torna-se um mérito. Por isso não pensemos somente em oferecer ao Senhor os méritos alcançados no dia, mas também o próprio descanso. Ofereçamos tudo ao Senhor, as vinte e quatro horas, totalmente vividas para ele.
            Como devemos agradecer ao Senhor para que todas essas horas do dia mereçam e enriqueçam a alma de méritos, cada vez maiores! Quando a alma é orientada mais perfeitamente para Deus — com amor sempre mais intenso — então cada coisa se torna mais preciosa: o que se refere às vossas obrigações, a oração e todas as atividades do dia.
            Comecemos bem o dia. É um sacrifício que se tem de fazer. Outros descansam além da conta. Mas para regular a nossa vida, à noite se vá cedo à cama, e se levanta cedo pela manhã. Sim, na medida justa, porque se o dia não começou bem, não enriquecerá a alma como devia enriquecê-la. Depois de termos descansado, cumpramos os deveres de piedade, da oração, desde o momento em que oferecemos o dia ao despertar, até as outras práticas de piedade.
            O segredo do dia é o início do dia; o segredo, isto é, a chave. E o que fazer? A missa, a meditação, a comunhão, quando se pode. E depois, as outras práticas de piedade, ou orações que estais acostumadas a fazer. Começai o dia com o Senhor. Então se começa com as graças de Deus para a viagem do dia. Quando temos de fazer uma viagem um pouco longa, nos fornecemos do necessário, pelo menos do dinheiro e do alimento para o dia. Assim durante as 24 horas devemos preparar-nos e ter conosco as graças do Senhor, porque não sabemos o que será o dia, que tentações encontraremos, que dificuldades poderemos ter etc. Fornecer-se do necessário para o caminho do dia.
            O que assegura um bom dia, um dia santo, é a oração. Então falemos em primeiro lugar da missa. Na vossa condição, se podeis participar dela cada dia, muito bem! Participar! A missa é a oração maior, do máximo valor, portanto, demos sempre suma importância à missa.
            O que é a missa, isto é, o sacrifício realizado por nosso Senhor Jesus Cristo no Calvário? A primeira parte da missa é a que se chama a liturgia da Palavra, ele nos serve de tema de meditação. Pode-se fazer a meditação à parte, como geralmente acontece. Na primeira parte da missa há a liturgia da Palavra, do início até o Credo inclusive, quando o Credo é recitado segundo a liturgia. Devemos considerar bem as palavras do intróito [antífona de entrada], a leitura, o evangelho, e os versículos nele incluídos. Meditá-los bem, compreendê-los sempre melhor, sentir que o Senhor quer que nossa mente se eleve a pensamentos divinos. O intróito [antífona de entrada], e o próprio oremos, a leitura e o evangelho, servem para reforçar e viver com pensamentos divinos, com pensamentos da Sagrada Escritura.
            Seria grande mérito ler o evangelho, a leitura e, podendo-se, também toda a Escritura. Entretanto, se não há sempre tempo, leiamos ao menos aquelas partes das Escrituras que vem no Lecionário. Estas partes são as principais, portanto, consideremo-las, leiamo-las atentamente, não só, mas aprofundemo-las, aprofundemos as palavras da leitura e do evangelho que cotidianamente ouvimos na missa. A palavra de Deus não é a palavra do homem, não é a palavra de um santo, mas é a palavra de Deus. Por mais que um homem seja sábio, a palavra da Escritura é de valor imensamente superior. Portanto, sigamos a palavra de Deus na missa, lendo-as até antes.
            Mas a missa não dispensa das orações comuns começando pelo Ângelus. Embora as orações sejam breves, não devem faltar, elas se referem às necessidades do dia. E se não se pode participar da missa por alguma razão, que pelo menos as orações sejam recitadas com atenção, com fé, com humildade. Sim, para começarmos bem o dia!
            A segunda parte refere-se à liturgia eucarística e, portanto, ao sacrifício realizado no Calvário, o oferecimento de Jesus, o oferecimento da sua vida ao Pai Celeste. Jesus! É útil participar ao sacrifício da missa com Maria. Como Maria estava aos pés da cruz, e como assistiu, como viu, quando o Filho de Deus encarnado expirou na cruz. Se estivermos acompanhados com ela, temos mais graças, mais intimidade, maior compreensão do sacrifício da missa, o qual é para adoração ao Pai Celeste, agradecimento ao Pai Celeste, satisfação dos pecados ao Pai Celeste e súplicas das graças ao Pai Celeste. Os quatro fins que tem a missa.
            Sigamos bem a liturgia como é apresentada hoje, segundo o Concílio Vaticano II, que conheceis muito bem. E é bom querer, ou ao menos podendo, completar o sacrifício, isto é, receber a hóstia santa. Então temos o viático do dia que nos serve para cumprir as coisas mais santamente e no meio de muitas dificuldades e também de sofrimentos. Jesus está conosco e nós estamos com Jesus e vivemos unidos a ele. Portanto, por maiores que sejam as dificuldades do dia, estamos com Jesus. Estou com Jesus e Jesus está comigo, isto nos consola sempre. E quando chega algum temor, ou desconforto, ou dificuldade, estamos com Jesus e Jesus está conosco.
            Depois, a meditação, que pode ser mais breve ou mais longa. Penso, porém, que já foi explicado muitas vezes o que é a meditação. Não é muito fácil fazer a meditação. É uma oração em que devemos agir, isto é, pôr em movimento o nosso ser e, portanto, a mente, a vontade, o coração. É todo o ser que é acionado para a santificação do dia. Não é simples leitura. Uma coisa é leitura espiritual, outra é meditação. Pode acontecer que se comece com a leitura, e geralmente se começa lendo uma passagem de um livro adapto. Mas, a parte principal da meditação é refletir, considerar, fazer nossas aquelas verdades que foram lidas. Segue-se o exame de consciência para verificar se fizemos o que era aconselhado no livro. Depois, os propósitos e a oração para cumpri-los. Após a reflexão e os propósitos vem à oração. Muitos aconselham empregar a metade do tempo para a leitura e as reflexões e a outra metade para a oração. Com efeito, podemos fazer muitos propósitos, mas sem a graça e o conforto do Senhor durante o dia, fracassamos muitas vezes. Então, oremos! Mas, sou distraído! dirá alguém. Então se és distraído, procura recolher-te, e se for difícil recolher-te, reze o terço para ocupar uma parte do tempo ou todo o tempo da meditação.
            De manhã, com a meditação, organizemos o dia. Que farei? Como o farei? Isto, aquilo, este sacrifício, aquela dificuldade que me espera, o trabalho que vou encontrar, os sofrimentos ou as coisas que são de conforto. Em suma, prever as condições e andamento do dia, o que cada um pode prever que lhe aconteça. Geralmente se leva uma vida ordinária, a de ontem, a de hoje e a de amanhã, portanto, podemos estabelecer e fazer o programa do dia. E como fazê-lo? Pensar aos vários deveres, programá-los para os cumprir bem e depois orar para termos sucesso: deste modo o dia terá bom êxito. Este conjunto que quer dizer? É como um exame preventivo. À noite se fará um exame retrospectivo do dia, mas pela manhã as almas de vida interior fazem um exame preventivo: deverei fazer isto, deverei fazer aquilo. Se houver uma dificuldade, deverei tomar esta ou aquela medida... Então façamos o exame preventivo: como farei as coisas do dia, uma a uma, como dispô-las de maneira que não perca o tempo. E durante o dia os méritos aumentam.
            Quantas pessoas perdem tempo! Não nos percamos em coisas inúteis, mas santifiquemos cada minuto. Digamos: cada minuto. Devem fazer-se aquelas coisas que servem para a convivência social, certamente, e por social entendemos, quer na família, quer na paróquia, quer na sociedade em geral. Sim, é preciso dispor bem tudo, como estais nas circunstâncias em que vos encontrais. Certamente, é preciso pôr sempre um aumento de fé. Quero dizer que para vós que estais no mundo, é preciso ter uma graça mais abundante do que para as pessoas que levam a vida no claustro. Estas pessoas têm tudo ordenado, e já sabem como as coisas do dia se apresentam; mas na vossa vida, estas coisas se apresentam inesperadamente. Vós deveis praticar mais virtudes, em comparação com a vida do claustro. Sim, é grande o mérito de viver segundo a obediência, segundo as disposições, segundo as regras dos Institutos regulares. Mas agora que, segundo o Concílio, sois também Instituto regular religioso, para vós a prática da pobreza, da castidade, da obediência é mais difícil. Portanto, pela manhã precisai prever o dia e estabelecer como agir. Porque pensando, por exemplo, na observância da pobreza, quantas circunstâncias diversas entre uma pessoa e outra! Por isso, é útil prever pela manhã. Prever como viver castamente, delicadamente, e como praticar a obediência.
            É necessário, além disso, que na oração se peça ao Senhor a graça de observar os votos que foram emitidos: a pobreza, a castidade e a obediência; mas durante o dia, pormenorizadamente; nas várias circunstâncias. Ás vezes, pode-se praticar com perfeição. Há pessoas que são verdadeiramente edificantes e dão boa impressão. São como pessoas que difundem o odor religioso, santo, o perfume da graça que têm no seu íntimo. Temos de considerar as dificuldades, mas pedir o aumento da graça mais do que os que estão na vida do claustro. Dizer ao Senhor que temos necessidade de graças mais abundantes, maiores, para que o dia seja santificado. Tanto mais que há muita liberdade de escolha em muitas coisas. Então que haja luz que nos guie, que nunca haja capricho. Muitas vezes se prefere fazer uma coisa mais simples comparada com outra mais difícil, mas destinada a dar maiores frutos. É preciso que haja oração particular para vós, no sentido de pedir as graças particulares para vós, durante o dia.
            Quando já estamos bem fornecidos do que é necessário para fazer a viagem do dia, então comecemos o dia com o trabalho, com as obras às quais somos chamados. Sim, para viverdes verdadeiramente na vossa condição de Instituto religioso leigo. Ele vos colocou numa ordem de vida de grande riqueza de graças e de méritos na hora da morte. Oh! Como estareis contentes por terdes abraçado esta vida e por a terdes vivido bem! Que riquezas de méritos e, portanto, de prêmio. Viveis no meio do mundo! Parece que viveis como os outros, mas existe uma diferença muito importante entre a vida cristã e a vida consagrada, é diferença grande, profunda. E vós superais a vida cristã. Mas nas vossas circunstâncias, a vossa vida se enriquece de méritos imensos, superiores.
            Certamente fareis bons propósitos neste curso de exercícios.
            Todos juntos, unidos, oremos pelo progresso: Que estes dias tragam a todos e a cada um de vós grande bem e grande alegria. Desde o dia em que eu soube a data em que fareis os exercícios, sempre vos encomendei na missa. E assim oremos todos juntos, consideremo-nos unidos, para fazermos todos juntos força junto de Deus, para obtermos abundância e riqueza de dons, de graça e de consolação.
(Pe. Alberione, Meditazioni per consacrate secolari)


RETIRO ESPIRITUAL DE 10 DE DEZEMBRO/2011

“JESUS COMEÇOU A PREGAR”
A Palavra de Deus na vida de Cristo *

            Esta meditação serve como complemento do estudo da Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini. Meditaremos sobre o anúncio do evangelho na vida de Cristo, isto é, sobre o Jesus “que prega”, sobre o anúncio na missão da Igreja, sobre o Cristo “pregador”, sobre a Palavra de Deus como meio de santificação pessoal, a lectio divina (n. 87), e sobre a relação entre o Espírito e a Palavra, na prática, a leitura espiritual da Bíblia (cf. Verbum Domini). Começamos recordando aquilo que o próprio apóstolo Pedro escreve em sua 2ª Carta: “nenhuma profecia da Escritura pode interpretar-se por conta própria” (2Pd 1,20). Por isso toda interpretação da Palavra de Deus deve mensurar-se com a tradição viva da Igreja, cuja interpretação autêntica está confiada ao magistério apostólico e, de maneira singular, ao magistério petrino.

1. A pregação na vida de Jesus

            Depois do relato do batismo de Jesus, o evangelista Marcos prossegue sua narração dizendo: “Jesus foi para a Galiléia e proclamava o Evangelho de Deus: ‘O tempo se cumpriu e o Reino de Deus está próximo; convertei-vos e crede no Evangelho’” (Mc 1,14s.). Mateus escreve mais brevemente: “Desde então, Jesus começou a pregar e a dizer: ‘Convertei-vos, porque o Reino dos Céus chegou’” (Mt 4,7). Com estas palavras começa o “Evangelho”, entendido como a boa notícia “de” Jesus — isto é, trazida por Jesus e da qual Ele é o sujeito –, diferente da boa notícia “sobre” Jesus, da sucessiva pregação apostólica, na qual Jesus é o objeto.
            Trata-se de um evento que ocupa um lugar bem preciso no tempo e no espaço: acontece “na Galiléia”, “depois de que João foi preso”. A expressão empregada pelos evangelistas, “começou a pregar”, destaca fortemente que se trata de um “início”, de algo novo, não só na vida de Jesus, mas na própria história da salvação. A Carta aos Hebreus expressa assim a novidade: “Muitas vezes e de muitos modos Deus falou no passado a nossos pais por meio dos Profetas; nestes últimos tempos, ele nos falou por meio do Filho” (Hb 1,1-2). Começa um tempo particular de salvação, um kairos novo, que se estende durante cerca de dois anos e meio (desde o outono do ano 27 até a primavera do ano 30 d.C.).
            Jesus atribuía tanta importância a esta atividade, que chegou a dizer que havia sido enviado pelo Pai e consagrado com a unção do Espírito precisamente “para anunciar aos pobres a Boa Nova” (Lc 4,18). Em uma ocasião, quando alguns queriam entretê-lo, ele pede aos apóstolos que partam, dizendo-lhes: “Vamos a outra parte, aos povos vizinhos, para que também pregue lá, pois foi para isso que eu vim” (Mc 1,38).
            A pregação faz parte dos chamados “mistérios da vida de Cristo” e é como tal que nos aproximamos dele. Com a palavra “mistério” se entende, neste contexto, um evento da vida de Jesus portador de um significado salvífico que, como tal, celebra-se pela Igreja em sua liturgia (cf. Santo Agostinho, Lettere, 55, 1,2). Se não existe uma festa litúrgica específica da pregação de Jesus, é porque esta se recorda em cada liturgia da Igreja. A “liturgia da Palavra” na Missa não é senão a atualização litúrgica do Jesus que prega. Um texto do Concílio Vaticano II diz: Cristo “está presente em sua palavra, pois quando se lê na Igreja a Sagrada Escritura, é Ele quem fala” (Sacrosanctum concilium 7).
            Da mesma forma que na história, depois de ter pregado o Reino de Deus, Jesus foi a Jerusalém para oferecer-se em sacrifício ao Pai, na liturgia, depois de ter proclamado novamente sua palavra, Jesus renova o oferecimento de si ao Pai através da ação eucarística. Quando no final do prefácio dizemos: “Bendito o que vem em nome do Senhor: hosana nas alturas”, nós nos transladamos idealmente a esse momento em que Jesus entra em Jerusalém para celebrar lá sua Páscoa; é onde termina o tempo da pregação e começa o tempo da paixão.
            A pregação de Jesus é, portanto, um “mistério” porque não contém só a revelação de uma doutrina, mas explica o próprio mistério da pessoa de Cristo, e é essencial para entender tanto o precedente — o mistério da encarnação — como o seguinte —: o mistério pascal. Sem a palavra de Jesus, seriam eventos mudos. Feliz intuição a de João Paulo II quando introduziu a pregação do Reino entre os “mistérios luminosos” que acrescentou aos gozosos, dolorosos e gloriosos do Rosário, junto ao batismo de Jesus, as bodas de Caná, a transfiguração e a instituição da Eucaristia.

2. A pregação de Cristo continua na Igreja

            O autor da epístola aos Hebreus escrevia bastante tempo depois da morte de Jesus, portanto muito depois de que ele tivesse deixado de falar; no entanto, diz que Deus nos falou por meio do Filho “nos últimos tempos”. Assim que considera os dias em que vive como parte dos “dias de Jesus”. Por isso, um pouco mais adiante, citando a palavra do Salmo — “Se ouvirdes hoje sua voz, não endureçais vossos corações” —, a aplica aos cristãos, dizendo: “Tomai precaução, meus irmãos, para que ninguém de vós venha a perder interiormente a fé, a ponto de abandonar o Deus vivo. Antes, animai-vos mutuamente cada dia durante todo o tempo compreendido na palavra hoje” (Hb 3,7s). Deus fala, portanto, também hoje na Igreja, e fala “por meio do Filho”. “Deus — lê-se na Dei Verbum —, que falou em outro tempo, fala sem interrupção com a Esposa de seu amado Filho; o Espírito Santo, por quem a voz do Evangelho ressoa viva na Igreja, e por ela no mundo, vai induzindo os fiéis na verdade inteira, e faz que a palavra de Cristo habite neles abundantemente” (Dei Verbum, 8).
No ato de repartir o pão
Jesus nos dá
a grande lição.
Ele se dá para TODOS!
O seu mandamento
e a sua lei
para todos os homens,
culturas e tempos
é o AMOR.
ac/isga
            Mas como e onde podemos ouvir esta “sua voz”? A revelação divina está fechada; em certo sentido, já não há mais palavras de Deus. Mas aqui descobrimos outra afinidade entre Palavra e Eucaristia. A Eucaristia está presente em toda a história da salvação: no Antigo Testamento, como figura (o cordeiro pascal, o sacrifício de Melquisedec, o maná), no Novo Testamento, como evento (a morte e ressurreição de Cristo), na Igreja, como sacramento (a Missa).
            O sacrifício de Cristo está consumado e concluído na cruz, em certo sentido, portanto, já não há mais sacrifícios de Cristo; contudo, sabemos que existe ainda um sacrifício e é o único sacrifício da Cruz que se faz presente e operante no sacrifício eucarístico; o evento continua no sacramento, a história na liturgia. Algo análogo sucede com a palavra de Cristo: deixou de existir como evento, mas existe ainda como sacramento.
            Na Bíblia, a palavra de Deus (dabar), especialmente na forma particular que assume nos profetas, constitui sempre um acontecimento; é uma palavra-evento, ou seja, uma palavra que cria uma situação que leva a cabo sempre algo novo na história. A repetida expressão: “a palavra de Javé se dirigiu a...” (em Ezequiel, em Ageu, em Zacarias etc).
            Este tipo de palavra-evento se prolonga até João Batista; em Lucas, de fato, lemos: “No ano quinze do império de Tibério César..., a palavra de Deus foi dirigida a João, filho de Zacarias, no deserto” (Lc 3,1s). Depois deste momento, tal fórmula desaparece por completo do Novo Testamento e em seu lugar surge outra: “a Palavra se fez carne” (Jo 1,14). O evento agora é uma pessoa! Às realizações provisórias da palavra de Deus nos profetas, sucede agora a realização plena e definitiva.
            Dando-nos o Filho — escreve São João da Cruz — Deus nos disse tudo de uma só vez e já não tem mais a revelar. Deus se fez, de certo modo, mudo, ao não ter mais o que dizer (cf. S. Giovanni della Croce, Salita al monte Carmelo II, 22, 4-5). Mas há que entender bem: Deus cala enquanto que nos diz coisas novas a respeito das que disse Jesus, não no sentido de que já não fala mais; ele diz sempre de novo o que disse uma vez em Jesus!
           
3. A palavra sacramento que se ouve

            Já não mais palavras-evento na Igreja, mas palavras-sacramento. As palavras-sacramento são as palavras de Deus “sucedidas” de uma vez para sempre e recolhidas na Bíblia, que voltam a ser “realidade ativa” cada vez que a Igreja as proclama com autoridade e o Espírito que as inspirou volta a acendê-las no coração de quem as escuta. “Ele receberá do que é meu e vos anunciará”, disse Jesus do Espírito Santo (Jo 16,14).
            Quando se fala da Palavra como “sacramento”, se toma este termo não no sentido técnico e restrito dos “sete sacramentos”, mas no sentido mais amplo pelo qual se fala de Cristo como o “primordial sacramento do Pai” e da Igreja como do “sacramento universal de salvação” (cf. Lumen Gentium, 48). Tendo presente a definição que Santo Agostinho dá do sacramento como “uma palavra que se vê” (verbum visibile) (S. Agostino, Trattati sul Vangelo di Giovanni, 80,3); costuma-se definir, por contraste, a palavra como “um sacramento que se ouve” (sacramentum audibile).
            Em cada sacramento se distingue um sinal visível e a realidade invisível que é a graça. A palavra que lemos na Bíblia, em si mesma, não é mais que um sinal material (como a água e o pão), um conjunto de sílabas mortas ou, como muito, uma palavra do vocabulário humano como as demais; mas quando intervém a fé e a iluminação do Espírito Santo, através deste sinal entramos misteriosamente em contato com a viva verdade e vontade de Deus, e ouvimos a própria voz de Cristo.
            “No mistério da Eucaristia as espécies que vedes são sinais, mas o que nelas se encerra é o próprio corpo de Cristo; na Escritura, as palavras que ouvis são sinais, mas o pensamento que vos dão é a própria verdade do Filho de Deus” (Bossuet).
            Quando o profeta Eliseu disse a Naamã, o sírio, a quem havia ido ver para que o curasse da lepra, que se lavasse sete vezes no Jordão, respondeu indignado: “Porventura os rios de Damasco, o Abama, e o Farfar, não valem mais que todas as águas de Israel? Não poderia eu lavar-me neles para ficar purificado?” (2Reis 5,12). Naamã tinha razão: os rios da Síria eram, sem dúvida, melhores e mais caudalosos; contudo, curou-se banhando-se no Jordão, e sua carne ficou como a de uma criança, coisa que jamais haveria ocorrido se houvesse se banhado nos grandes rios de seu país.
            Assim é a palavra de Deus contida nas Escrituras. Entre as pessoas e também na Igreja houve e haverá livros melhores que alguns livros da Bíblia, mais refinados literalmente e mais edificantes religiosamente (pense-se na Imitação de Cristo), mas nenhum deles opera como o faz o mais modesto dos livros inspirados.
            As “águas de Israel”, que são as Escrituras divinamente inspiradas, continuam hoje curando a lepra dos pecados; ao terminar de ler a passagem do evangelho da Missa, a Igreja convida o ministro a beijar o livro e a dizer “Que as palavras do Evangelho perdoem nossos pecados” (per evangelica dicta deleantur nostra delicta). O poder curador da palavra de Deus é atestado na própria Escritura: “Não os curou nem erva nem unguento — diz-se de Israel no deserto –, mas a tua palavra, Senhor, que tudo cura!” (Sb 16,12).
            A experiência confirma. Ouvi uma pessoa dar o seguinte testemunho em um programa de televisão. Tratava-se de um alcoólatra em fase avançada; não aguentava mais de duas horas sem beber; a família estava no limite do desespero. Convidaram-no com sua esposa a um encontro sobre a palavra de Deus. Ali alguém leu uma passagem da Escritura. Uma frase o atravessou como uma labareda de fogo e sentiu que estava curado. Depois, cada vez que ficava tentado pela bebida, corria para abrir a Bíblia naquele ponto e só com o fato de reler as palavras sentia que lhe voltava a força. Quando quis dizer qual era a frase, perdeu a voz de emoção. Era a palavra do Cântico dos cânticos: “Teus amores são melhores que o vinho” (Ct 1,2). Estas simples palavras, aparentemente alheias a sua situação, haviam realizado o milagre. Um episódio similar se lê no Peregrino Russo. Mas o mais célebre é o de Agostinho. Ao ler as palavras de Paulo aos Romanos (13,11ss.): “Despojemo-nos das obras das trevas… Como em pleno dia, procedamos com decoro: nada de orgias ou bebedeiras”, sentiu uma “luz de serenidade” que assaltava seu coração e compreendeu que estava curado da escravidão da carne (S. Agostino, Confessioni, VIII,12).

4. A Liturgia da Palavra

            Existe um âmbito e um momento na vida da Igreja em que Jesus fala hoje da forma mais solene e mais segura, e é a liturgia da palavra na Missa. Nos inícios da Igreja, a liturgia da palavra estava separada da liturgia eucarística. Os discípulos — referem os Atos dos Apóstolos — “iam ao templo todos os dias” (At 2,43); lá escutavam a leitura da Bíblia, recitavam os salmos e as orações juntos aos demais judeus; realizavam o que se faz na liturgia da palavra; depois se reuniam separadamente, em suas casas, para “partir o pão”, ou seja, para celebrar a Eucaristia (At 2,43).
            Logo essa práxis se tornou impossível, tanto pela hostilidade com relação a eles, por parte da comunidade judaica, como porque as Escrituras já haviam adquirido para eles um sentido novo, totalmente orientado a Cristo. Foi assim como também a escuta das Escrituras se transladou do templo e da sinagoga aos lugares de culto cristãos, transformando-se na atual liturgia da palavra que precede a oração eucarística.
            São Justino, no século II, faz uma descrição da celebração eucarística na qual já estão presentes todos os elementos essenciais da futura Missa. Não só a liturgia da palavra é parte integrante dela, mas às leituras do Antigo Testamento se somaram às que o santo chama de “as memórias dos apóstolos”, ou os evangelhos e as cartas, isto é, o Novo Testamento.
            Escutadas na liturgia, as leituras bíblicas adquirem um sentido novo e mais forte que quando se leem em outros contextos. Não têm tanto o objetivo de conhecer melhor a Bíblia, como quando esta se lê em casa ou em uma escola bíblica, quanto o de reconhecer quem se faz presente ao partir o pão, iluminar cada vez um aspecto particular do mistério que se vai receber. Isso aparece de modo quase programático no episódio dos dois discípulos de Emaús: foi escutando a explicação das Escrituras que seu coração começou a arder, de maneira que foram capazes de reconhecer Jesus ao partir o pão.
            Na Missa, as palavras e os episódios da Bíblia não só se narram, mas se revivem; a memória se converte em realidade e presença. O que aconteceu “naquele tempo”, ocorre “neste tempo”, “hoje” (hodie), como ama expressar-se a liturgia. Não somos só ouvintes da palavra, mas interlocutores e atores nelas. É a nós, aí presentes, a quem se dirige a palavra; estamos chamados a ocupar o lugar dos personagens evocados.
            Também aqui alguns exemplos ajudam a entender. Lê-se, na primeira leitura, o episódio de Deus que fala a Moisés desde a sarça ardente: nós estamos, na Missa, ante a verdadeira sarça ardente... Lê-se de Isaías que recebeu nos lábios a brasa que o purifica para a missão: nós vamos receber nos lábios a verdadeira brasa, àquele que veio para trazer fogo à terra... Ezequiel é convidado para comer o rolo dos oráculos proféticos e nós nos preparamos para comer quem é a própria palavra feita carne e feita pão.
            A questão se esclarece mais ainda se passamos do Antigo ao Novo Testamento, da primeira leitura à passagem evangélica. A mulher que sofria hemorragia está segura de curar-se só de tocar a orla do manto de Jesus; o que dizer de nós, que estamos a ponto de tocar muito mais que a borda de suas vestes? Escutando no evangelho o episódio de Zaqueu, me tocou sua “atualidade”. O Zaqueu era eu; dirigiam-se a mim as palavras: “Hoje devo ir a sua casa”; era de mim que se podia dizer: “Foi hospedar-se na casa de um pecador!”; e era para mm, depois de recebê-lo na comunhão, a quem Jesus dizia: “Hoje a salvação entrou nesta casa”.
            E assim com cada episódio evangélico. Como não se identificar na Missa com o paralítico a quem Jesus diz: “Teus pecados te são perdoados” e “Levanta-te e vai pra tua casa”; com Simeão que segura entre seus braços o Menino Jesus; com Tomé que toca vacilante suas feridas? Na parábola dos vinhateiros homicidas (Mt 21,33-45) se lê: “Finalmente lhes enviou a seu filho dizendo: “A meu filho respeitarão”“. Recordo o efeito destas palavras sobre mim enquanto as ouvia em uma ocasião, mais distraidamente. Esse mesmo Filho está a ponto de entregar-se na comunhão: estava eu preparado para receber-lhe com o respeito que o Pai celestial esperava?
            Não só os fatos, mas também as palavras do evangelho escutadas na Missa adquirem um sentido novo e mais forte. Num dia de verão, eu estava celebrando a Missa em um pequeno mosteiro de clausura. A passagem evangélica era de Mateus, 12. Jamais esquecerei a impressão que me causaram as palavras de Jesus: “Agora aqui há alguém maior que Jonas... Agora aqui há alguém maior que Salomão”. Era como se as escutasse naquele momento pela primeira vez. Compreendia que estes dois advérbios, “agora” e “aqui”, significavam verdadeiramente agora e aqui, ou seja, naquele momento e naquele lugar, não só no tempo em que Jesus estava na terra, há tantos séculos. Desde este dia de verão, tais palavras me são queridas e familiares de forma nova. Com frequência, na Missa, no momento em que faço a genuflexão e me levanto depois da consagração, brota repetir, para mim mesmo: “Agora aqui há alguém maior que Jonas! Agora aqui há alguém maior que Salomão!”.
            “Vós que estais acostumados a tomar parte nos divinos mistérios — dizia Orígenes aos cristãos de seu tempo –, quando recebeis o corpo do Senhor o conservais com todo cuidado e toda veneração para que nem uma partícula caia no chão, para que nada se perca do dom consagrado. Estais convencidos, justamente, de que é uma culpa deixar cair seus fragmentos por descuido. Se por conservar seu corpo sois tão cautos — e é justo que o sejais –, sabei que descuidar da palavra de Deus não é culpa menor que descuidar de seu corpo” (Origene, In Exod. hom. XIII, 3). [Cf. Verbum Domini, n. 54-55].
            Entre as muitas palavras de Deus que ouvimos cada dia na Missa ou na Liturgia das Horas, há quase sempre uma destinada em particular a nós. Por si só pode encher toda nossa jornada e iluminar nossa oração. Trata-se de não deixá-la cair no vazio. Diversas esculturas e obras do antigo Oriente mostram o escriba em ato de recolher a voz do soberano que dita ou fala; ele está totalmente atento; pernas cruzadas, tronco erguido, olhos bem abertos, ouvido atento. É a atitude que em Isaías se atribui ao Servo do Senhor: “Cada manhã desperta meu ouvido para escutar como os discípulos” (Is 50,4). Assim deveríamos ser nós quando se proclama a palavra de Deus.
            Acolhamos, portanto, como dirigida a nós, a exortação que se lê no Prólogo da Regra de São Bento (Regole monastiche d'occidente, Qiqajon, Comunità di Bose, 1989, p. 53): “Abertos nossos olhos à luz divina, escutemos com ouvido atento e cheio de estupor a voz divina que cada dia nos é dirigida e grita: Se escutardes hoje sua voz, não endureçais vosso coração (Sl 94,8), e também: Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às Igrejas” (cf. Ap 2 e 3).


* Cf. Pe. Raniero Cantalamessa, O.F.M. Cap., Primeira Pregação da Quaresma de 2008.
[Tradução: Élison Santos, Alexandre Ribeiro e José Caetano. Revisão: Aline Banchieri]


ANOTAÇÕES SOBRE O TEMPO DO ADVENTO
(Colaboração do pe. Alberto Dionísio - ijs)

- Advento (vinda, chegada) é o tempo litúrgico que recorda as duas vindas de Cristo: na história (em Belém) e no fim dos tempos (Parusia). Hoje, Jesus continua vindo nas pessoas, na Sagrada Escritura,nos Sacramentos e nas demais ações litúrgicas da Igreja. Continuamos suplicando, como fazia os primeiros cristãos: Vem, Senhor Jesus! (Maranatha).
- Personagens deste tempo: Isaías, João Batista, Maria e José que anunciaram e dispuseram-se com a vida a acolher o Messias (Jesus Salvador). Celebramos este tempo vigilantes na fé, na oração e na abertura de coração para reconhecer os sinais da presença do Senhor nas circunstâncias da vida. Pela caridade, conversão e alegria testemunhamos nossa fé e preparamos nossa morada interior (coração) para a chegada do Senhor.
- Este tempo dura 4 semanas e divide-se em duas partes: I) Do primeiro domingo até o dia 16 de dezembro; II) de 17-24 de dezembro (semana santa do natal, tempo mais intenso de preparação). O Advento começa nas vésperas do Primeiro Domingo (sábado da 34ª. Semana do Tempo Comum) e termina nas Vésperas do Natal (24/12). As leituras do domingo obedecem um ciclo de três anos: A, B e C. As leituras da semana são fixas todos os anos.
- As festas de santos que caem no domingo são omitidas, uma vez que o domingo tem precedência sobre estas festas., com exceção da Solenidade da Imaculada Conceição de Maria (se cair no domingo, tem precedência sobre o Advento). Neste tempo não se canta o Hino de Louvor (Glória) e a cor litúrgica é o roxo (no terceiro domingo pode-se usar a cor rosa em sinal de alegria: domingo “gaudete”).
- Os cantos deste tempo devem expressar a mensagem de espera, de esperança, de renovação interior e exterior, desejo de libertação e confiança no Senhor que vem renovar nossa vida pessoal e comunitária. A CNBB oferece dois cds que devem ser utilizados neste tempo: Liturgia IV e Liturgia VIII da Paulus Gravadora. Simbolos do Advento: Coroa com 4 velas, tronco com broto, presépio (armado a partir de 15/12), a novena de preparação ao Natal (celebrada nas famílias).
- Sugestões para bem aproveitar este tempo: 1) Oração pessoal; 2)Leitura diária da Palavra de Deus (seguindo a liturgia diária); 3)Obras de caridade (ajuda aos mais pobres, visita aos doentes, idosos e presos); 4) Esforço de mudança de vida (conversão); 4) Celebrando o sacramento da Reconciliação (Confissão); 5) participação ativa na comunidade (missas, celebrações, Natal em Família, etc); 6) Colaborando na Campanha da Evangelização promovida pela CNBB (terceiro domingo do Advento).
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RETIRO DE 12 DE NOVEMBRO/2011

“A VIDA ETERNA QUE A VÓS ANUNCIAMOS” (1Jo 1,2)
A resposta cristã ao secularismo *

1. Secularização e secularismo
No Motu Proprio com o qual Bento XVI criou o Conselho Pontifício para a Promoção da Nova Evangelização (21/09/2010), é dito que este “está a serviço das Igrejas particulares, especialmente naqueles territórios de antiga tradição cristã onde se manifesta mais claramente o fenômeno da secularização”.
A secularização é um fenômeno complexo e ambivalente. Pode significar a autonomia das realidades terrenas e a separação entre o reino de Deus e o reino de César e, neste sentido, não só não é contra o Evangelho, mas encontra nele uma de suas raízes profundas. Pode, no entanto, indicar também todo um conjunto de atitudes contrárias à religião e à fé, pelo qual é preferível usar o termo secularismo. Em sentido negativo a secularização tem muitas faces, dependendo dos campos em que se manifesta: teologia, ciência, ética, hermenêutica bíblica, cultura em geral, vida cotidiana. Nesta meditação, se toma o termo em seu primordial. A secularização, como o secularismo, na verdade, derivam da palavra saeculum, que no uso comum indica o tempo presente, por oposição à eternidade. Nesse sentido, o secularismo é sinônimo de temporalidade, de redução do real somente à dimensão terrena.
A queda do horizonte da eternidade ou da vida eterna tem, sobre a fé cristã, o mesmo efeito que a areia jogada sobre uma chama: a sufoca, a apaga. A crença na vida eterna é uma das condições de possibilidade da evangelização. “Se é só para esta vida que pusemos a nossa esperança em Cristo, — declara São Paulo — somos, dentre todos os homens, os mais dignos de compaixão” (1Cor 15,19)1. Leiam em  nota um pouco de história do secularismo.

2. A eternidade: uma esperança e uma presença
A resposta mais eficaz ao secularismo não é combatê-lo, mas fazer brilhar novamente diante dos homens a certeza da vida eterna, confiando na força intrínseca que possui a verdade quando é acompanhada pelo testemunho de vida.
Devemos também aproveitar a correspondência de tal verdade ao desejo mais profundo, ainda que reprimido, do coração humano. A um amigo que o repreendeu, quase como se seu desejo de eternidade fosse uma forma de orgulho e arrogância, Miguel de Unamuno (um poeta, filósofo, escritor, dramaturgo e político espanhol), disse em uma carta: “Eu não estou dizendo que merecemos uma vida depois da morte, nem que a lógica nos mostre isso; estou dizendo que a necessito, mereça ou não, e nada mais. Estou dizendo que o que é passageiro não me satisfaz, que tenho sede de eternidade, e que, sem ela, tudo dá no mesmo para mim. Eu necessito disso, necessito! E, sem isso, nem a alegria de viver quer dizer coisa alguma. É muito cômodo dizer ‘temos de viver, temos de estar contentes com a vida!’ E os que não nos contentamos com ela?” (Miguel de Unamuno, “Cartas inéditas de Miguel de Unamuno e Pedro Jiménez Ilundain,” ed. Hernán Benítez, Revista de la Universidad de Buenos Aires, vol. 3, no. 9 (Gennaio-Marzo 1949), pp. 135. 150).
Não é que desejasse a eternidade — acrescentava na mesma ocasião — desprezando o mundo e a vida aqui embaixo: “Eu amo tanto a vida que, perdê-la, parece-me o pior dos males. Não amam realmente a vida aqueles que vivem o dia a dia, sem preocupar-se por saber se vão perdê-la totalmente ou não”. Santo Agostinho dizia a mesma coisa: “De que serve viver bem, se não nos é dado viver para sempre?” (S. Agostinho, Tratado sobre o Evangelho de João, 45, 2, PL,  35, 1720). “Tudo é vão ao mundo, exceto o eterno”, cantou um poeta (Antonio Fogazzaro, “A Sera,” in Le poesie, Milano, Mondadori, 1935, pp. 194–197).
Aos homens do nosso tempo, que cultivam no fundo do coração esta necessidade de eternidade, sem talvez ter a coragem de confessar a outros e nem para si mesmo, podemos repetir o que Paulo disse aos atenienses: “Aquilo que adorais sem conhecer, eu vos anuncio” (cf. At 17,23).
A única resposta cristã válida ao secularismo é aquela baseada na fé na encarnação de Deus. Em Cristo, o eterno entrou no tempo, manifestado na carne; diante dele é possível tomar uma decisão para a eternidade. É assim que o evangelista João fala da vida eterna: “Vida eterna que a vós anunciamos, que estava junto do Pai e que se tornou visível para nós” (1Jo 1,2).
Para o crente, a eternidade não é, como se vê, somente uma esperança, é também uma presença. Realizamos a experiência cada vez que fazemos um verdadeiro ato de fé em Cristo, porque todo aquele que nele crê “já possui a vida eterna” (cf. 1Jo 5,13), e toda vez que recebemos a comunhão, onde nos é dado “o penhor da glória futura”; toda vez que escutamos as palavras do Evangelho são “palavras de vida eterna “(Jo 6,68). São Tomás de Aquino também afirma que “a graça é o início da glória” (S. Tomás de Aquino, Somma teologica, II-IIae, q. 24, art.3, ad 2).
Esta presença da eternidade no tempo é chamada Espírito Santo. Ele é descrito como “garantia da nossa herança” (Ef 1,14; 2Cor 5,5), e foi dada a nós porque, tendo recebido as primícias, nós ansiamos pela plenitude. “Cristo — escreve Santo Agostinho — nos deu o penhor do Espírito Santo com o qual ele, que não poderia enganar-nos, quis ter certeza do cumprimento de sua promessa. O que ele prometeu? Ele prometeu a vida eterna, cuja garantia é o Espírito Santo que nos foi dado” (S. Agostinho, Sermo 378,1 (PL, 39, 1673). N. Cabasilas, Vida em Cristo, I,1-2, UTET, 1971, pp.65-67).

3. Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos?
Entre a vida de fé no tempo e a vida eterna no tempo há uma relação semelhante à que existe entre a vida do embrião no seio materno e a do bebê, uma vez nascido. Há uma história que ilustra essa comparação. Havia dois gêmeos, um menino e uma menina, tão inteligentes e precoces que, mesmo no seio materno, já conversavam entre si. A menina perguntava ao irmão: “Pra você, haverá vida após o nascimento?”. Ele respondia: “Não seja ridícula. O que faz você pensar que exista algo fora desse espaço estreito e escuro em que nos encontramos?”. A menina, criando coragem, insistia: “Talvez haja uma mãe, alguém que nos colocou aqui e que vai cuidar de nós”. Ele disse: “Você vê alguma mãe em algum lugar? O que você vê é tudo que existe”. Ela de novo: “Mas você não sente, às vezes, uma pressão no peito que aumenta dia a dia e nos impele para frente?”. “Pensando bem, ele respondeu, é verdade, sinto isso o tempo todo”. “Veja, concluiu, triunfante, a irmãzinha, essa dor não pode ser para nada. Eu acho que está nos preparando para algo maior do que este pequeno espaço”.
Podemos usar esta simpática história quando tivermos de anunciar a vida eterna para as pessoas que perderam a fé nela, mas conservaram a nostalgia e talvez esperam que a Igreja, como aquela menina, as ajude a acreditar.
Há perguntas que os homens não deixam de fazer desde que o mundo é mundo e os homens de hoje não são exceção: “Quem somos nós? De onde viemos? Para onde vamos”. Na sua “História Eclesiástica do Povo Inglês”, Beda, o Venerável, relata como a fé cristã entrou no norte da Inglaterra. Quando os missionários, vindos de Roma, chegaram a Northumberland, o rei Edwin convocou um conselho de notáveis para decidir se permitiriam a eles ou não, pelo menos, divulgar a nova mensagem. Um deles se levantou e disse: “Suponha, ó rei, esta cena. Você se senta para jantar com seus ministros e líderes: é inverno, o fogo arde e aquece a sala, enquanto lá fora, a tempestade grita e a neve cai. Um passarinho entra pela abertura de uma parede e sai imediatamente do outro lado. Enquanto está dentro, está protegido da tempestade de inverno, mas, depois de desfrutar o calor, rapidamente desaparece de vista, perdendo-se no inverno escuro de onde veio. Assim parece ser a vida do homem na terra: ignoramos tudo o que a segue e que a precedeu. Se esta nova doutrina nos traz algo mais seguro sobre isso, acho que deve ser acolhida” (Beda, o Venerável, Historia ecclesiastica Anglorum, II, 13).
Quem sabe se a fé cristã não pode voltar à Inglaterra, ao continente americano e europeu pela mesma razão pela que fez sua entrada: como a única que tem uma resposta definitiva a dar às grandes interrogações da vida terrena. A melhor oportunidade de transmitir esta mensagem são os funerais. Neles, as pessoas estão menos distraídas que nos outros ritos de passagem (Batismo, Casamento); eles questionam o seu próprio destino. Quando se chora por um ente querido, se chora também por si mesmo.
Foi transmitido um interessante programa da BBC inglesa sobre os chamados “funerais seculares”, com a gravação ao vivo de um deles. Em certo momento o mestre de cerimônias dizia aos presentes: “Nós não devemos ficar tristes. Viver uma vida boa, satisfatória, por 70 anos (a idade da falecida), é algo pelo qual se deveria ser grato”. “Grato a quem? me perguntava. Tais funerais não fazem mais que deixar evidente a derrota total do homem frente à morte. [...]

4. Vamos à casa do Senhor!
Uma fé renovada na eternidade não nos serve somente para evangelizar, quer dizer, para o anúncio aos outros, precisamos dela, mesmo antes, para dar um novo impulso à nossa caminhada rumo à santidade. O enfraquecimento da ideia de eternidade atinge também os crentes, diminuindo neles a capacidade de enfrentar com coragem o sofrimento e as provas da vida.
Pensemos em um homem com uma balança na mão: uma daquelas balanças se equilibra com uma mão e tem de um lado um prato onde se colocam as coisas para pesar e do outro uma barra que marca o peso ou a medida. Se cair no chão ou perder a medida, tudo o que é colocado no prato levanta a barra e inclina a balança.
Assim somos nós quando perdemos o peso, a medida de tudo que é a eternidade, as coisas e os sofrimentos terrenos levam facilmente nossa alma ao chão. Tudo parece muito pesado, excessivo. Jesus dizia: “Se tua mão ou teu pé te leva à queda, corta-a e joga-a fora. É melhor entrares na vida tendo só uma das mãos ou dos pés do que, com duas mãos ou dois pés, seres lançado ao fogo eterno. Se teu olho te leva à queda, arranca-o e joga-o fora. É melhor entrares na vida tendo um olho só do que, com os dois, seres lançado ao fogo do inferno” (cf. Mt 18,8-9). Mas nós, tendo perdido de vista a eternidade, achamos até excessivo que se nos peça fechar os olhos diante de um espetáculo imoral.
São Paulo se atreve a escrever: Pois nossas tribulações momentâneas são leves em relação ao peso eterno de glória que elas nos preparam até o excesso. Não olhamos para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem; pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno” (2Cor 4,17-18). O peso da tribulação é “leve, porque provisório, o da glória é enorme exatamente por ser eterno”.  Por esta razão, o mesmo Apóstolo pode dizer: “Eu penso que os sofrimentos do tempo presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós” (Rm 8,18).
A passagem do tempo à eternidade não é retilínea e igual para todos. Há um juízo para enfrentar, um juízo que pode ter dois resultados muito diferentes, o inferno ou o paraíso. [Parece até proibido falar de inferno ou paraíso; são consideradas realidades passadas]. A espiritualidade do card. Newman era austera e rigorosa, como a do Dies irae, mas é salutar nessa época inclinada a tomar tudo como brincadeira, dizia  Kierkegaard, o pensamento da eternidade!
Elevemos o nosso pensamento à eternidade com renovado ímpeto. Repitamos a nós mesmos as palavras do poeta: “Tudo é vão ao mundo, exceto o eterno”. No saltério hebraico há um grupo de salmos, chamados de “salmos de ascensão” ou “cânticos de Sião”. Eram os salmos que os peregrinos israelitas cantavam quando iam em peregrinação à cidade santa, Jerusalém. Um deles começa assim: “Fiquei alegre, quando me disseram: Vamos à casa do Senhor!”. Estes salmos de ascensão tornaram-se os salmos de quem, na Igreja, segue a caminho da Jerusalém celeste; são os nossos salmos. Comentando sobre as palavras iniciais do salmo, Santo Agostinho dizia: “Corremos porque vamos para a casa do Senhor, corremos porque uma corrida como essa não cansa; porque chegaremos a uma meta onde não existe cansaço. Corramos à casa do Senhor e nossa alma se alegra por aqueles que repetem essas palavras. Estes viram antes que nós a pátria, os apóstolos a viram e nos disseram: “Corram, apressem-se, venham atrás! Vamos para a casa do Senhor!” (S. Agostino, Enarrationes in Psalmos 121,2, CCL, 40, p. 1802).
Maria SS.ma, os apóstolos e uma longa procissão de santos repetem silenciosamente o convite segui-los. Aceitemo-lo e levemo-lo conosco hoje e ao longo da vida.

[Traduzido do original italiano por Márcia Ameriot]

*Pe. Raniero Cantalamessa, Franciscano Capuchinho, foi ordenado sacerdote em 1958. Doutor em teologia e em literatura, foi professor de história das origens cristãs na Universidade Católica de Milão e diretor do Instituto de Ciências Religiosas. Membro da Comissão Teológica Internacional de 1975 até 1981. Em 1977 deixou o ensino acadêmico para dedicar-se inteiramente ao serviço da Palavra de Deus. Em 1980 foi nomeado Pregador da Casa Pontifícia. Por causa dessa missão, todos os anos prega em cada semana durante a Quaresma e o Advento na presença do Papa, dos cardeais, dos bispos da Cúria Romana e dos superiores das ordens religiosas. Esta homilia é a segunda do Advento - 10 de dezembro de 2010

1 A ascensão e a queda da idéia de eternidade. Recordemos brevemente a história da crença na vida após a morte, vai nos ajudar a medir a novidade trazida pelo Evangelho neste campo. Na religião hebraica do Antigo Testamento, essa crença se afirma tardiamente. Somente depois do exílio, diante do fracasso das expectativas temporais, nasce a ideia da ressurreição da carne e de uma recompensa após a morte para os justos, e ainda assim não todos a adotam (os saduceus não partilham tal crença)...
No mundo bíblico, temos a plena revelação da vida eterna com a vinda de Cristo. Jesus não estabelece a certeza da vida eterna sobre a natureza do homem, a imortalidade da alma, mas sobre “o poder de Deus”, que é um “Deus não de mortos, mas de vivos” (Lc 20,38). Depois da Páscoa, a este fundamento teológico, os apóstolos acrescentarão o cristológico: a ressurreição de Cristo dentre os mortos. Nela, o Apóstolo fundou a fé na ressurreição da carne e na vida eterna: “Ora, se se prega que Cristo ressuscitou dentre os mortos, como podem alguns dentre vós dizer que não há ressurreição dos mortos? Mas, na realidade, Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1Cor 15,12.20).
Também no mundo greco-romano assiste-se a uma evolução na concepção de vida após a morte. A mais antiga ideia é a de que a verdadeira vida termina com a morte; depois dessa existe somente um simulacro de vida, num mundo de sombras. Uma novidade se registra com o aparecimento da religião órfico-pitagórica. De acordo com ela, o verdadeiro eu do homem é a alma, que, libertada da prisão (sema) do corpo (soma), pode finalmente viver sua verdadeira vida. Platão dará uma dignidade filosófica a esta descoberta, baseando-a na natureza espiritual e, portanto, imortal, da alma.
Essa crença permanecerá, no entanto, sendo minoritária, reservada aos iniciados nos mistérios e aos seguidores de escolas filosóficas especiais. Para a massa, persistirá a antiga crença de que a vida real termina com a morte.
O impacto da mensagem cristã de vida após a morte era infinitamente mais plena e mais alegre do que a da terra; também podemos entender por que a ideia e os símbolos da vida eterna são tão comuns nas sepultura cristãs das catacumbas romanas.
Mas o que aconteceu à ideia cristã de uma vida eterna para a alma e para o corpo depois de ter triunfado sobre a ideia pagã de “escuridão além da morte”? Ao contrário do momento atual, no qual o ateísmo é primariamente expresso na negação da existência de um Criador, no século XIX, ele se expressava na negação da vida após a morte.
Pouco a pouco, recaiu sobre a palavra eternidade a suspeita e o silêncio. O materialismo e o consumismo completaram a obra nas sociedades opulentas, fazendo parecer inconveniente que se fale ainda de eternidade entre pessoas cultas e em sintonia com os tempos. Tudo isso provocou claramente um retrocesso na fé dos crentes que, com o tempo, fez-se tímida e reticente sobre este ponto. Quando ouvimos o último sermão sobre a vida eterna? Continuamos a rezar o Credo: “E espero a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir”, mas sem dar muito peso a estas palavras.
Qual é o efeito prático desse eclipse da ideia de eternidade? São Paulo se refere à intenção daqueles que não acreditam na ressurreição dos mortos: “Comamos e bebamos, pois amanhã morreremos” (1Cor 15,32). O desejo natural de viver sempre, distorcido, torna-se um desejo ou frenesi de viver bem, ou seja, agradavelmente, mesmo que às custas dos outros, se necessário. Perdido o horizonte da eternidade, o sofrimento humano parece dupla e irremediavelmente absurdo.
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RETIRO ESPIRITUAL DE 08 DE OUTUBRO/2011
(IVSC)

FALAR “COMO SE SE PRONUNCIASSE PALAVRAS DE DEUS”
“De toda palavra inútil” *

1. Do Jesus que prega ao Cristo pregado

Na segunda carta aos Coríntios — que é, por excelência, a carta dedicada ao ministério da pregação —, São Paulo escreve estas palavras programáticas: “Não pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor” (2Cor 4,5). Aos próprios fiéis de Corinto, em uma carta precedente, havia escrito: “Nós pregamos Cristo crucificado” (1Cor 1,23). Quando o Apóstolo quer abraçar com uma só palavra o conteúdo da pregação cristã, esta palavra é sempre a pessoa de Jesus Cristo!
Nestas afirmações, Jesus já não é contemplado — como ocorria nos evangelhos — em sua qualidade de anunciador, mas em sua qualidade de anunciado. Paralelamente, vemos que a expressão “Evangelho de Jesus” adquire um novo significado, sem perder, no entanto, o antigo; do significado de “gozoso anúncio trazido por Jesus (Jesus sujeito!)”, se passa ao significado de “gozoso anúncio sobre Jesus” (Jesus objeto!).
Este é o significado que a palavra “evangelho” tem no solene início da carta aos Romanos. “Paulo, servo de Cristo Jesus, apóstolo por vocação, escolhido para o Evangelho de Deus, que já havia prometido por meio de seus profetas nas Escrituras Sagradas, acerca de seu Filho, nascido da linhagem de Davi segundo a carne, constituído Filho de Deus com poder, segundo o Espírito de santidade, por sua ressurreição dentre os mortos, Jesus Cristo Senhor nosso” (Rm 1,1-3).
Há um ano foi publicada a Exortação Apostólica pós-sinodal Verbum Domini. Embora todos vocês já a tenham lida e meditada, lembro-lhes as três partes desenvolvendo os seguintes temas:
Não pretendo apresentar um resumo, mas algumas considerações que acho práticas.

2. Palavras “inúteis” e palavras “eficazes”

No evangelho de Mateus, no contexto do discurso sobre as palavras que revelam o coração, existe uma palavra de Jesus que estremece os leitores do Evangelho de todos os tempos: “Mas eu vos digo que de toda palavra inútil e que os homens disserem, darão contas no dia do Julgamento” (Mt 12,36).
Sempre foi difícil explicar o que Jesus entendia por “palavra inútil”. Certa luz nos chega de outra passagem do evangelho de Mateus (7,15-20), onde volta o mesmo tema da árvore que se reconhece pelos frutos e onde todo o discurso aparece dirigido aos falsos profetas: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos ferozes. Por seus frutos os conhecereis...”.
Se o ditado de Jesus tem relação com o dos falsos profetas, então podemos talvez descobrir o que significa a “palavra inútil”. O termo original (argon), traduzido com “inútil”, quer dizer, portanto, “sem efeito”. Algumas traduções modernas usam o termo “infundada”, isto é, palavra que carece de fundamento, ou seja, calúnia. É uma tentativa de dar um sentido mais tranquilizador à ameaça de Jesus. Não há nada, de fato, particularmente inquietante se Jesus diz que de toda calúnia se deve dar contas a Deus!
Possíveis traduções: Palavra que não fundamenta nada, que não produz nada: portanto, vazia, estéril, sem eficácia (cf. M. Zerwick, Analysis philologica Novi Testamenti Graeci, Romae 1953, ad loc.). A Vulgata traduz verbum otiosum, palavra “ociosa”, inútil. É o que se encontra também hoje na maioria das traduções. [BdP: “inconsiderada”]
Não é difícil intuir o que quer dizer Jesus se compararmos este adjetivo com o que, na Bíblia, caracteriza constantemente a palavra de Deus: eficaz, que atua, sempre seguida de efeito. São Paulo, por exemplo, escreve aos Tessalonicenses que, tendo recebido a palavra divina da pregação do Apóstolo, eles a acolheram não como palavra de homens, mas como é verdadeiramente, como “palavra de Deus que permanece operante nos crentes” (cf 1Ts 2,13). A oposição entre palavra de Deus e palavra do homem se apresenta aqui, implicitamente, como a oposição entre a palavra “que atua” e a palavra “que não atua”, entre a palavra eficaz e a palavra vã e ineficaz.
Também na carta aos Hebreus encontramos este conceito da eficácia da palavra divina: “a Palavra de Deus é viva e eficaz” (Hb 4,12). Este conceito vem de longe; em Isaías, Deus declara que a palavra que sai de sua boca jamais volta a ele “vazia”, sem ter realizado aquilo para o que foi enviado (cf. Is 55,11).
A palavra inútil, da qual os homens terão de dar contas no dia do Juízo, não é, portanto, toda e qualquer palavra inútil; é a palavra inútil, vazia, pronunciada por aquele que deveria ao contrário pronunciar a “enérgica” palavra de Deus. É, em resumo, a palavra do falso profeta, que não recebe a palavra de Deus e, contudo, induz os demais a crerem que seja palavra de Deus. Ocorre exatamente ao inverso do que dizia São Paulo: tendo recebido uma palavra humana, ele a toma por palavra divina. De toda palavra inútil sobre Deus o homem terá que dar contas: eis aqui, portanto, o sentido da grave advertência de Jesus.
A palavra inútil é a falsificação da palavra de Deus, é o parasita da palavra de Deus. É reconhecida pelos frutos que não produz, porque, por definição, é estéril, sem eficácia (no bem). Deus “vela por sua palavra” (cf. Jr 1,12), tem ciúmes dela e não pode permitir que o homem se aproprie do poder divino nela contido.
O profeta Jeremias nos permite perceber a advertência que se oculta sob essa palavra de Jesus. Claramente se vê que se trata dos falsos profetas: “Assim diz Javé: Não escuteis as palavras dos profetas que vos profetizam. Estão vos enganando. Eles vos contam suas próprias fantasias, não coisas da boca de Javé... Profeta que tenha um sonho, conte o sonho; e o que tem uma palavra minha, que fale fielmente minha palavra. O que tem a palha em comum com o grão? — oráculo de Javé. Não é minha palavra como o fogo? E como um martelo que arrebenta a rocha. Pois bem, aqui estou eu contra os profetas — oráculo de Javé — que roubam um do outro minhas palavras” (Jr 23,16.28-31).

3. Quem são os falsos profetas

Como sempre, é de nós de quem se fala na Bíblia, e é a nós que se fala. A palavra de Jesus não julga o mundo, mas a Igreja; o mundo não será julgado sobre as palavras inúteis, mas será julgado por não ter acreditado em Jesus (cf. Jo 16,9). Os “homens que deverão prestar contas de toda palavra inútil” são os homens da Igreja; somos nós, os pregadores da palavra de Deus.
Os “falsos profetas” não são somente os que de vez em quando espalham heresias; são também os que “falsificam” a palavra de Deus. É Paulo quem usa este termo, tirando-o da linguagem cotidiana; literalmente significa diluir a Palavra, como fazem os hospedeiros fraudulentos, quanto colocam água no vinho (cf. 2Cor 2,17;4,2). Os falsos profetas são aqueles que não apresentam a palavra de Deus em sua pureza, mas a diluem e a esgotam em milhares de palavras humanas que saem do seu coração.
O falso profeta também sou eu, toda vez que não me fio da “fraqueza”, pobreza e nudez da Palavra e quero revesti-la. Estimo o revestimento mais que a Palavra, gasto tempo com o revestimento que com a Palavra não permanecendo diante dela em oração, adorando-a e começando a vivê-la em mim.
Jesus, em Cana da Galiléia, transformou a água em vinho, isto é, a letra morta no Espírito que vivifica (interpretação espiritual dos Padres); os falsos profetas são aqueles que fazem o contrário, ou seja, que convertem o vinho puro da palavra de Deus em água que não embriaga ninguém, em letra morta, em charlatanearia vã. Eles se envergonham do Evangelho (cf. Rom 1,16) e das palavras de Jesus, porque são muito “duras” para o mundo ou muito pobres para os grandes, e então tentam “temperá-las” com “fantasias do seu coração” afirma Jeremias.
São Paulo escrevia ao seu discípulo Timóteo: “Procura apresentar-te a Deus como homem provado, trabalhador que não tem de se envergonhar, que dispensa com retidão a palavra da verdade. Evita o palavreado vão e ímpio, já que os que o praticam progredirão na impiedade” (2Tm 2,15-16). As palavras (chiacchere) profanas são as que não têm pertinência com o projeto de Deus, que nada tem a ver com a missão da Igreja. Muitas palavras humanas, muitas palavras inúteis, muitos discursos, muitos documentos. Na era da comunicação em massa, a Igreja corre o risco de afundar na “palha” das palavras inúteis, ditas somente por dizer, escritas somente porque é preciso preencher jornais e revistas.
Desta forma, oferecemos ao mundo um ótimo pretexto para permanecer tranquilo em sua descrença e em seu pecado. Quando escutasse a autêntica palavra de Deus, não seria tão fácil, para o incrédulo, dar um jeito em tudo dizendo (como se faz frequentemente, depois de ter ouvido pregações): “Palavras, palavras, palavras! Bla, bla, bla”. São Paulo chama as palavras de Deus de “armas do nosso combate” e diz que só a elas “Deus dá a capacidade de destruir fortalezas, desfazer raciocínios presunçosos e todo poder altivo que se levanta contra o conhecimento de Deus, e torna cativo todo pensamento para levá-lo a  obedecer a Cristo” (2Cor 10,3-5).
A humanidade está enferma de barulho, dizia o filósofo Kierkegaard (1813-1855); é necessário “convocar um jejum”, mas um jejum de palavras. [As nossas liturgias às vezes são muito barulhentas, e no barulho não se encontra Deus (cf. 1Rs 19,12)] Alguém tem de gritar, como fez um dia Moisés: “Fica em silêncio e escuta, ó Israel” (Dt 27,9). O Santo Padre nos recordou a necessidade desse jejum de palavras em seu encontro quaresmal com os párocos de Roma e acho que, como de costume, seu convite se dirigia à Igreja, antes ainda que ao mundo.

4. “Jesus não veio para contar frivolidades” (frottole)

Impressionam as palavras de Péguy:
“Jesus Cristo, pequeno meu,
— é a Igreja que se dirige a seus filhos —
não veio para nos contar frivolidades…
Não fez a viagem até a terra
para trazer adivinhações e brincadeiras.
Não teve tempo para divertir-se…
Ele não gastou sua vida…
para vir nos contar mentiras” (Ch. Péguy, Il portico del mistero della seconda virtù, in Oeuvres poétiques complètes, Gallimard 1975, pp. 587 s.).
A preocupação de distinguir a palavra de Deus de qualquer outra palavra é tal que, enviando seus discípulos em missão, Jesus manda que não saúdem ninguém pelo caminho (Lc 10,4). Experimento em minha própria carne que às vezes é preciso tomar este mandamento ao pé da letra. Deter-se a saudar as pessoas e trocar formalidades quando se vai começar uma pregação dispersa inevitavelmente a concentração sobre a palavra que há que anunciar, faz perder o sentido de sua alteridade a respeito de todo discurso humano. É a mesma exigência que se vive (ou se deveria viver) quando alguém está se paramentando para celebrar a Missa.
A exigência é ainda mais forte quando se trata do conteúdo da pregação. No Evangelho de Marcos, Jesus cita a palavra de Isaías: “Esse povo vem a mim apenas com palavras e me honra só com os lábios, enquanto seu coração está longe de mim e o temor que ele me testemunha é convencional e rotineiro” (Is 29,13); depois acrescenta, dirigindo-se aos escribas e fariseus: “Em vão me prestam culto, as doutrinas que ensinam são preceitos humanos” (Mc 7,7-13).
Quando não se chega a propor nunca a simples e nua palavra de Deus, sem que passe por um filtro de mil distinções, precisões, acréscimos e explicações, até justas, mas que consomem, diluem a palavra de Deus, faz-se o mesmo que Jesus reprovou aos escribas e fariseus: se “anula” a palavra de Deus, se a aprisiona, fazendo-lhe perder grande parte de sua força de penetração no coração dos homens.
A palavra de Deus não pode ser empregada para discursos de circunstâncias, ou para envolver de autoridade divina discursos já feitos e todos humanos. Em tempos próximos a nós, se viu aonde leva esta tendência. O Evangelho foi instrumentalizado para sustentar toda classe de projetos humanos: desde a luta de classes ate a  morte de Deus.

5. Falar como que com as palavras de Deus [uma palavrinha aos presbíteros]

Esta conversa pode suscitar uma objeção grave. Então a pregação da Igreja terá que se reduzir a uma sequência de citações bíblicas, com indicações de capítulos e versículos, à maneira das Testemunhas de Jeová e de outros grupos fundamentalistas? Certamente, não. Nós somos herdeiros de uma tradição diferente. Explico.
Também na segunda carta aos Coríntios, São Paulo escreve: “Não somos como a maioria, que negocia com a Palavra de Deus; é antes, com sinceridade, como enviados de Deus, que falamos, na presença  de Deus, em Cristo” (2Cor 2,17); e São Pedro, na primeira carta exorta os cristãos dizendo: “Se alguém fala, faça-o como se pronunciasse palavras de Deus” (1Pd 4,11). O que quer dizer “falar em Cristo” ou falar “como se pronunciasse palavras de Deus”? Não quer dizer repetir materialmente e só as palavras pronunciadas por Cristo e por Deus na Escritura. Quer dizer que a inspiração, o pensamento que “informa” e sustenta todo o demais deve vir de Deus, não do homem. O anunciador deve estar “movido por Deus” e falar como se fosse em sua presença.
Há duas formas de preparar uma pregação ou qualquer anúncio de fé oral e escrito. Posso primeiro sentar-me na mesa e escolher eu mesmo a palavra que há que ser anunciada e o tema a desenvolver, com base em meus conhecimentos, minhas preferências etc., e depois, uma vez preparado o discurso, ajoelhar-me para pedir fortemente a Deus que abençoe o que escrevi e dê eficácia a minhas palavras. Já é algo bom, mas não é a via profética: há que se fazer o contrário. Primeiro colocar-se de joelhos e perguntar a Deus qual é a palavra que quer dizer; depois, sentar-se na mesa e fazer uso dos próprios conhecimentos para dar corpo a essa palavra. Isto muda tudo porque assim não é Deus que deve fazer sua a minha palavra, mas sou eu que faço minha a sua palavra.
Há que se partir da certeza de fé de que, em toda circunstância, o Senhor ressuscitado tem no coração uma palavra sua que deseja fazer chegar a seu povo. É a que transforma as coisas e a que tem que ser descoberta. E ele não deixa de revelá-la a seu ministro, se humildemente e com insistência a pede. No princípio se trata de um movimento quase imperceptível do coração: uma pequena luz que se acende na mente, uma palavra da Bíblia que começa a atrair a atenção e que ilumina uma situação.
Verdadeiramente é “a menor de todas as sementes”, mas a seguir se percebe que dentro estava tudo; havia um trono como que para abater os cedros do Líbano. Depois a pessoa se põe na mesa, abre seus livros, consulta seus apontamentos, consulta os Padres da Igreja, os mestres, os poetas… Mas tudo já é outra coisa distinta. Já não se trata da Palavra de Deus a serviço de tua cultura, mas de tua cultura a serviço da Palavra de Deus.
Orígenes descreve bem o processo que leva a este descobrimento. Antes de encontrar na Escritura o alimento — dizia — é necessário suportar certa “pobreza dos sentidos”; a alma está rodeada de obscuridade por todos os lados, encontra-se em caminhos sem saída. Até que, de repente, depois de laboriosa busca e oração, eis aqui que ressoa a voz do Verbo e imediatamente algo se ilumina; aquele que ela buscava, sai a seu encontro “saltando pelos montes, pulando sobre as colinas” (Ct 2,8), isto é, abrindo-lhe a mente para que receba uma palavra sua, forte e luminosa (cf. Orígenes, In Mt Ser. 38 - GCS, 1933, p. 7; In Cant. 3 - GCS, 1925, p. 202). Grande é a alegria que acompanha este momento. Jeremias exclamava: “Ao encontrar tuas palavras, eu as devorava; tua palavra tornou-se meu gozo, e alegria para o meu coração” (Jr 15,16).
Habitualmente a respostas de Deus chega sob a forma de uma palavra da Escritura que, em contrapartida, nesse momento revela sua extraordinária pertinência à situação e ao problema que se deve tratar, como se tivesse sido escrito propositalmente para ele. Às vezes, não é sequer necessário citar explicitamente tal palavra bíblica ou comentá-la. Basta que esteja bem presente na mente de quem fala e informe tudo o que expressa. Agindo assim, fala, de fato, “como se pronunciasse palavras de Deus”. Este método vale sempre: para os grandes documentos do magistério como para as lições que o mestre dá a seus noviços, para a douta conferência como para a humilde homilia dominical.
Todos temos tido a experiência de quanto pode fazer uma só palavra de Deus profundamente acreditada e vivida, primeiro para quem a pronuncia; com frequência se constata que, entre muitas outras palavras, foi a que tocou o coração e levou a mais de um ouvinte ao confessionário.
Depois de haver indicado as condições do anúncio cristão (falar de Cristo, com sinceridade, como enviados de Deus e sob seu olhar), o Apóstolo se perguntava: “E quem é capaz para isto?” (2Cor 2,16). Ninguém está à altura. Levamos este tesouro em vasos de barro (Ib. 4,7). Mas podemos orar, dizendo: Senhor, tende piedade deste pobre vaso de barro que deve levar o tesouro de vossa palavra; preservai-nos de pronunciar palavras inúteis quando falamos de vós; fazei-nos experimentar o gosto de vossa palavra, para que a saibamos distinguir de qualquer outra e para que qualquer outra palavra nos pareça insípida. Difundi, como prometestes, fome na terra, “não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir a palavra do Senhor” (Am 8,11).

*Cf. Pe. Raniero Cantalamessa, por ocasião da segunda pregação da Quaresma de 2008.


RETIRO ESPIRITUAL DE 10 DE SETEMBRO/2011
A LUZ DO DIA PAULINO
Uma introdução ao Livro das Orações


Ponto de partida para tratar da piedade como fundamento do zelo é, para o Pe. Alberione, o sábio estabelecimento de um “método de vida” através da distribuição do tempo num “horário-regulamento”. O dia se torna, assim, a unidade de referência para o estabelecimento da vida espiritual, do estudo e do apostolado. A sábia organização do dia leva à exigência de diferenciá-lo introduzindo uma variedade de práticas, distribuídas seguindo uma frequência semanal, mensal ou anual.
Este método de vida ofereceu uma chave importante para o progressivo desenvolvimento da estrutura em várias partes do Livro das Orações, a partir das orações diárias e para cada dia da semana.
As indicações sobre o método de vida, muito especiais para o Pe. Alberione, de imediato sugerem não considerar estas partes como simples justaposição, mas considerar as “Orações Diárias” como o centro do Livro das Orações, porque representam a expressão do dia ou, mais especificamente, do dia paulino, apresentando as fórmulas que servem para a oração que abre o dia “DE MANHÔ (p. 17) e para a oração que fecha o dia “À NOITE” (p. 40).
É essencial analisar mais detalhadamente as dimensões e características deste centro, ou do dia propriamente dito, para poder melhor aprofundar o sentido das demais partes.
Mesmo não sendo possível apresentar aqui, em ordem cronológica, um amplo quadro dos ensinamentos do Pe. Alberione sobre o dia, convém recordar algumas das suas afirmações.
Em primeiro lugar, para ele o dia se torna representação de toda a existência:

“A vida é, no seu conjunto, ordenada ao paraíso; e para alcançá-lo, é preciso ‘conhecer, amar e servir a Deus’.
Cada dia é parte de toda a vida: o mesmo fim, os mesmos meios.
Despertado de manhã: o Senhor me chama para um período da vida; hoje devo ordenar o meu dia para o paraíso; hoje quero, um pouco melhor, conhecer, amar e servir a Deus. O que significa: usarei as minhas três faculdades ou dons de Deus: a mente para conhecê-lo, o coração para amá-lo, a vontade para servi-lo.
Mas sou fraco; por isso recorro ao Senhor: que ele ilumine a minha mente com larga infusão de fé-luz; com larga infusão de caridade, amor a Deus e ao próximo; com larga infusão de fortaleza e de generosidade de propósitos.
O exercício da manhã (missa, comunhão, meditação, exame preventivo) desperta as nossas faculdades; segundo a natureza e segundo a graça.
A vida é uma viagem rumo à eternidade; o dia é uma parte dessa viagem”.

Outro aspecto, que nunca se sublinhará suficientemente nos ensinamentos do Pe. Alberione, é o da centralidade da Eucaristia no dia:

“Além disso, toda a atividade do dia tem um centro: a Hóstia que está na igreja. E os raios chegam aos vários locais, chegam a todas as atividades. Sentir-se raios da Eucaristia. E também, de vossa parte, expandir esses raios a fim de que, depois de eles terem chegado a nós, os passemos às almas em agradecimento por tudo, da criação até a tudo aquilo que o Senhor, na sua misericórdia, concederá ao mundo, aos homens, sim, até o último, quando se fechará a história humana. Sentir o reconhecimento, senti-lo e agradecer”.

Estas duas considerações nos dão a chave da abordagem das orações diárias, já que não só o dia é um dom inestimável para o tempo e para a eternidade, mas Cristo está conosco em cada dia. As orações da manhã se revestem, por isso mesmo, de solenidade, e requerem uma totalidade de compromisso. Tudo isso é expresso numa espécie de invitatório breve, repetido no início de cada momento de oração, e é composto de três invocações iniciais, a Cristo, a Maria e a São Paulo (p.17), para proclamar que os tempos apostólicos revivem.[4]
Segue-se a oração do Angelus Domini (pp. 17-19) ou do Regina Coeli (pp. 19-20), destinada a marcar as biblicamente etapas do dia, como oração da manhã, do meio-dia e da tarde. Todo o arco do dia é assim assinalado pelo memorial da encarnação do Verbo no seio de Maria. Historicamente, o Angelus e a Ave-Maria são fórmulas unidas e inseparáveis na sua difusão para uso popular. A estas duas fórmulas se une a Salve Rainha. Com estas orações populares, a Casa se insere no sulco orante do Povo de Deus.
Com a fórmula “Coração Divino de Jesus” (p. 20) a comunidade paulina tinha a intenção de colocar logo a assinatura da entrega total de si em cada momento e aspecto do dia, entendendo participar plenamente no apostolado da oração vital.
E mais ainda: esta oferta queria ser eucarística, ou seja, em profunda união com Cristo, altar, vítima e sacerdote. Por isso a fórmula do “Creio, meu Deus” (p. 31) tem como objetivo unir toda a comunidade, em cada uma de suas ações, aos quatro fins do sacrifício eucarístico, especialmente na celebração da Missa e na visita ao Santíssimo Sacramento:

“A Missa é o centro de todas as devoções, isto é, de todas as orações e práticas que existem e que foram aconselhadas e prescritas segundo o Instituto. Mas o centro é a Missa.
Segundo as palavras de São Francisco de Sales: ‘A Missa é o sol de todas as devoções’. E o sol ilumina e aquece. A Missa ilumina todas as outras práticas e aquece e dá vida a todas as outras práticas, porque todas as outras práticas de devoção, de piedade, têm o valor da Missa, do sacrifício da cruz. Portanto, o sol dentre as práticas de piedade.
Oh, e por que isto? Porque a Missa tem os seus frutos: adoração, agradecimento, satisfação e súplica”.

De igual importância reveste-se a fórmula do “Adoro-vos, meu Deus” (p. 21), tantas vezes comentada pelo Pe. Alberione, porquanto nada mais é do que o agradecimento adorador pela vontade de Deus que chama cada um e todos juntos a colaborar com Ele e com o seu projeto no novo dia.
Logo depois, a fórmula do “Pai-nosso” (p. 21) se reveste da contagiante expressão de uma consciência e responsabilidade: a vocação filial que leva à humilde confiança na graça de evitar o mal e fazer o bem.
A fórmula da “Ave, Maria” (p. 21) destina-se a dar de imediato uma face luminosa à correspondência ao chamado e um estímulo à radicalidade da consagração.
Quase como conclusão de um primeiro ciclo da oração da manhã, a fórmula do “Glória ao Pai” (p. 22) convida cada um e todos juntos a erguer o olhar da história à glória, do compromisso com a humanidade à liturgia diante da Trindade.
Tem-se a impressão de que, a guiar o suceder-se de fórmulas de oração, seja a proclamação angelical do “Glória a Deus... Paz aos homens”; por isso, do glória a Deus se volta para a história. História e glória que no “Creio em Deus Pai” (p. 22) se torna leitura de fé da “via vitae – via humanitatis” ou da história da salvação, que parte de Deus para retornar a Ele.
Trata-se, todavia, da história da salvação no Ressuscitado, Filho de Maria, que foi crucificado, ou seja, da história dos que foram salvos, imersos na história crucificada. A fórmula da “Salve, Rainha” (pp. 22-23) pede que seja garantida, também aos novos filhos, a força do Pai rico em misericórdia, força que Ela experimentou em todas as etapas que viveu no Advento do Reino de Deus.
A boa nova do Reino, o Evangelho de Jesus, é a espera de todas as gentes, mas está sujeita a todas as insídias que a contrastam. Com a fórmula “Anjo de Deus” (p. 23) a comunidade paulina exprime a invocação e a confiança na força de Deus em cada circunstância.
Quanto mais forte se tornava a consciência não só do perigo, mas também do efetivo estender-se do mal através das invenções modernas, tanto mais a comunidade paulina queria glorificar a Deus, louvando-o pelas maravilhas de santidade por ele operadas. Assim, seguindo a primeira edição do Livro de Orações (1922), logo após o “Anjo de Deus”, rezava-se a tradicional fórmula do “Bendito seja Deus”. Esta oração, naquele tempo, era geralmente rezada “Em reparação pelas blasfêmias”. Em nossa Casa, ao invés, era rezada “Em reparação pela má imprensa”. Atualmente tornou-se oração para “Depois da bênção” (pp. 105-106).
As novas fórmulas, do “Ato de fé” (p. 7), do “Ato de esperança” (pp. 7-8) e do “Ato de caridade” (p. 8), abrem uma nova sequencia inspirada no “Gloria a Deus... Paz aos homens” e querem proclamar o dom da vida sobrenatural e, ao mesmo tempo, advertir que a medida da verdadeira identidade da comunidade paulina é teologal:

“Com a graça santificante o Espírito Santo comunica à alma as virtudes teologais, os dons do Espírito Santo, as bem-aventuranças e os frutos do Espírito Santo.
[...] As virtudes teologais são virtudes que têm por objeto e motivo Deus e elevam a Ele o nosso intelecto, o nosso sentimento e a nossa vontade. São a Fé, a Esperança e a Caridade”.

Ao longo do dia a comunidade paulina é chamada a se unificar. No vértice da unificação está a síntese na fé e no amor, mas a unificação suprema é justamente a síntese agápica ou no amor, que se abre no dúplice amor a Deus e ao próximo, em virtude da Graça:

“As virtudes teologais ou divinas constituem a parte essencial da nossa santidade. São a fé, a esperança e a caridade; a maior, porém, é a caridade, como o disse São Paulo. Destas dependem todas as outras virtudes cristãs e religiosas”.
É precisamente a sublimidade do amor a Deus e ao próximo que inspira a sucessiva fórmula do “Ato de contrição” (pp. 24-25). Estas fórmulas são destinadas a marcar profundamente o dia da comunidade paulina, impregnada na luta contra o pecado, isto é, na busca de uma contínua conversão ou purificação, na plena acolhida da ação do Espírito Santo.
A purificação que nasce do verdadeiro sentido do pecado, mais do que levar a fechar-se sobre atos pecaminosos, abre à disponibilidade e busca da sintonia com a vontade de Deus.
Luta contra o pecado e busca da santidade, no espírito do Pacto, comportam a reparação dos males operados pelo mau uso dos meios de comunicação e a entrega total ao apostolado da comunicação e a todas as formas de apostolado. Para o apóstolo da Boa Imprensa, como se dizia nos inícios da Família Paulina, cada dia traz consigo uma grave responsabilidade e uma exaltante missão, como se pode deduzir do início de uma instrução do Pe. Alberione sobre São Paulo, Apóstolo da Boa Imprensa:

“Cinco são os principais apostolados: da oração, da imprensa, do exemplo, da palavra e das obras. Consideremos primeiramente o da imprensa. Esta hoje se tornou a primeira potência do mundo; tanto que se pode dizer que quem possuir a direção da imprensa possui a direção do mundo. Já que esta exalta, antes, edifica e destrói, seduz e arrasta; como quer, quando quer, pelos caminhos que quer. Nada pode subtrair-se ao seu domínio; nem exércitos, nem as massas desarticuladas; nem os reis, nem os súditos, nem os governos, nem os povos; nem a religiosidade dos povos, nem a sua moralidade; nem a civilização, nem a barbárie; nem a vida econômica, nem a social, nem a política; nem os indivíduos, nem a sociedade. Ela é o ponto de apoio com o qual é possível erguer o mundo moral, político, social, religioso e militar, bem como o artístico, o comercial, o jurídico etc.
Não se enganaria, escreveu Leão XIII, quem quisesse atribuir à má imprensa todo o mal da sociedade de hoje”.

Diante do orante da Casa abre-se a perspectiva do trecho de caminhada de um novo dia, a ser vivido na radicalidade evangélica, em união com Cristo e com os santos, levando no coração uma verdadeira ladainha de intenções de oração. Assim, na primeira edição do Livro de Orações, seguiam as “Invocações” para enfrentar o dia e acompanhá-lo através da sua repetição, mental e vocal, pedindo as virtudes da pureza, da caridade e da humildade; a libertação do pecado, a conformação a Cristo pobre e obediente; o auxílio dos santos nas necessidades das pessoas e do Apostolado da Boa Imprensa; a proteção sobre a Igreja, sobre o Papa, sobre o bispo; o repouso eterno das almas do purgatório; a assistência aos agonizantes; a proteção de São Paulo sobre a comunidade e sobre a obra da Boa Imprensa; a recompensa pelos benfeitores.
Fechava-se assim este ciclo de fórmulas e se iniciava outro, destinado a cobrir o inteiro arco do “Glória a Deus... Paz aos homens”, que constituía como que o motivo principal ou a máxima que exprimia o ideal de santidade apostólica da Casa.
Diante destas grandes causas, no Livro das Orações vinha a seguir uma segunda série de “Invocações” para obter a graça de corresponder à vocação durante o dia, ou seja, para obter a boa vontade, as vocações à Boa Imprensa, para o estudo, para vencer a paixão predominante.
Com uma atenção especial era rezada a oração Para passar bem o dia, pois, como já foi lembrado, para o Pe. Alberiore “A vida é uma viagem rumo à eternidade; o dia é uma parte dessa viagem”. Era importante que na comunidade paulina, durante o dia, tudo assumisse o valor da eternidade em Deus, ou seja, fosse vivido santamente.
Na edição atual algumas destas invocações ou intenções permanecem, mas foram introduzidas, oportunamente, as orações para obter a glorificação de nossos irmãos e irmãos, que nos precederam no caminho da santidade paulina: O Bem-aventurado Tiago Alberione, o Bem-aventurado Timóteo Giaccardo, o Venerável Francisco Chiesa, a Venerável Tecla Merlo, o Venerável André Borello, o Venerável Majorino Vigolungo, a Serva de Deus Escolástica Rivata.
Às breves invocações da primeira edição foi logo incluída a importante oração Para quem tem sede de almas como Jesus. Esta oração passou a ser conhecida como Ofertório paulino e, com o tempo, o Fundador compôs outras fórmulas que passaram a ser conhecidas como “ofertório”: Ofertório pastoral (p. 34-35), Ofertório vocacional (p. 35-37), Ofertório eucarístico (p. 37-38).
Depois das primeiras edições do Livro de Orações, antes do “Ofertório paulino” passou-se a rezar o “Creio, meu Deus” (p. 31), reforçando a dimensão eucarística dos “Ofertórios”. Ao rezá-los, geralmente no contexto da celebração eucarística, a Família Paulina, que hoje caminha na História, se sente muito unida a todos os irmãos e irmãs que, em vida, buscaram a santidade paulina e, ora, passaram para a Glória de Deus.
Transcorrido o dia, a comunidade paulina é chamada, à noite, a se recolher numa agradecida e exultante celebração de “Completas”, colocando-se nas mãos criadoras e providentes de Deus com o Adoro-vos (p. 40) e as outras orações da manhã, menos os atos de fé, esperança e caridade, substituídos pela fundamental prática do exame de consciência. Conclui-se rezando pelos eventuais enfermos e pelas necessidades especiais.
Mediante as orações diárias da manhã e da noite a comunidade paulina fundamenta o seu dia na trama cristã e eclesial geral. Mas neste quadro central do dia se inserem as variáveis da espiritualidade da Casa, contidas nas outras partes do Livro das Orações, para imprimir as características ou a cor própria ao dia paulino.

Pe. Antonio F. da Silva, ssp

Anotações para o retiro de 10 de setembro de 2011
Institutos Paulinos de Vida Secular Consagrada.




RETIRO ESPIRITUAL DE AGOSTO/2011

“ACOLHE A PALAVRA”
A palavra de Deus como caminho de santificação pessoal *

1. A lectio divina

            Nesta meditação, refletimos sobre a palavra de Deus como caminho de santificação pessoal. A Lineamenta redigida em preparação ao Sínodo dos Bispos (outubro de 2008) traz um tópico do capítulo II dedicado à “palavra de Deus na vida do crente”.
            Trata-se de um tema querido à tradição espiritual da Igreja. “A palavra de Deus — diz Santo Ambrósio — é o sustento vital de nosso espírito; ela o alimenta e governa; não há outra coisa que possa fazer viver o espírito do homem mais que a palavra de Deus” [1]. “É tão grande a força e a virtude da palavra de Deus. A Dei Verbum acrescenta que se torna o apoio vigoroso da Igreja, solidez da fé para os filhos da Igreja, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual” [2].
            “De modo particular — escreve João Paulo II na Novo millennio ineunte — é necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, segundo a antiga e sempre válida tradição da lectio divina: esta permite ler o texto bíblico como palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência”[3]. Sobre o tema também falou o Santo Padre Bento XVI — por ocasião do Congresso internacional sobre a Sagrada Escritura na vida da Igreja: “A assídua leitura da Sagrada Escritura acompanhada da pregação estabelece uma conversação íntima em que, lendo, escuta-se Deus que fala e, pregando, responde-se com autêntica abertura de coração” [4].
            Com a reflexão que segue, insiro-me nesta rica tradição, começando sobre o quê, a esse respeito, se diz na própria Escritura. Na carta de São Tiago lemos este famoso texto sobre a palavra de Deus:
            “Por sua vontade é que nos gerou pela palavra da verdade, a fim de que sejamos como que as primícias das suas criaturas. Já o sabeis, meus diletíssimos irmãos: todo homem deve ser pronto para ouvir, porém tardo para falar e tardo para se irar; porque a ira do homem não cumpre a justiça de Deus. Rejeitai, pois, toda impureza e todo vestígio de malícia e recebei com mansidão a palavra em vós semeada, que pode salvar as vossas almas. Sede cumpridores da palavra e não apenas ouvintes; isto equivaleria a vos enganardes a vós mesmos. Aquele que escuta a palavra sem a realizar assemelha-se a alguém que contempla num espelho a fisionomia que a natureza lhe deu: contempla-se e, mal sai dali, esquece-se de como era. Mas aquele que procura meditar com atenção a lei perfeita da liberdade e nela persevera - não como ouvinte que facilmente se esquece, mas como cumpridor fiel do preceito -, este será feliz no seu proceder. (Tg 1, 18-25).

2. Acolher a palavra

            Do texto de Tiago obtemos um esquema de lectio divina feito de três estágios ou operações sucessivas: acolher a palavra, meditar a palavra, praticar a palavra.
            O primeiro estágio é aquele da escuta da Palavra: “recebei com mansidão a palavra em vós semeada, que pode salvar as vossas almas”. Este primeiro estágio abrange toda a forma e os modos com os quais o cristão entra em contato com a palavra de Deus: escuta da Palavra na liturgia, facilitado hoje pelo uso da língua vernácula e da sábia seleção dos textos distribuídos ao longo do ano; também escolas bíblicas, estudos e a insubstituível leitura pessoal da Bíblia na própria casa. Aqui se chama a ensinar aos outros tudo que se liga ao estudo sistemático da Bíblia: exegese, crítica textual, teologia bíblica, estudo da língua original.
            Nesta fase é preciso resguardar-se de dois perigos. O primeiro é parar neste primeiro estágio e transformar a leitura pessoal da palavra de Deus em uma leitura “impessoal”. Este perigo é muito forte hoje, sobretudo nos locais de formação acadêmica.
            São Tiago compara a leitura da palavra de Deus a um olhar-se ao espelho; mas, observa Kierkegaard, quem se limita a estudar a fonte, as variações, os gêneros literários da Bíblia, sem nada mais, assemelha-se a alguém que passa todo o tempo a mirar o espelho — examinando cuidadosamente a forma, o material, o estilo, a época —, sem nunca olhar-se no espelho. Para ele, assim, o espelho não cumpre sua função. A palavra de Deus foi dada para que seja colocada em prática, não para que se exercite na exegese de sua obscuridade. Há uma “inflação de hermenêutica” e, o pior, acredita-se que a coisa mais séria, a respeito da Bíblia, é a hermenêutica, não a prática [5].
            O estudo crítico da palavra de Deus é indispensável, e deve haver muita gratidão para com aqueles que gastaram a vida a aplainar a estrada para uma sempre melhor compreensão do texto sacro, mas isso não esgota o sentido da Escritura; é necessário, mas não suficiente.
            O outro perigo é o fundamentalismo: tomar tudo que se lê na Bíblia ao pé da letra, sem nenhuma reflexão hermenêutica. Este segundo risco não é tão inofensivo quanto se imagina e o debate sobre criacionismo e evolucionismo evidencia isso.
            Aqueles que defendem a leitura literal do Gênesis (o mundo criado alguns milhares de anos atrás, em seis dias, quase como é agora) causam um dano imenso à fé. “Os jovens cresciam em famílias e em igrejas que insistiam nesta forma de criacionismo — escreveu o cientista crente Francis Collins, diretor do projeto que brindou a descoberta do genoma humano — e cedo ou tarde descobriam a surpreendente evidência em favor de um universo muito mais velho, e a conexão entre toda criatura vivente pelo processo de evolução e de seleção natural. Que terrível e inútil opção se teria de fazer dali para frente! Não é de se assustar se muitos desses jovens abandonam a fé, concluindo não poder crer num Deus que lhes pede para rejeitar aquilo que a ciência ensina com tanta evidência sobre o universo natural” [6].
            Apenas aparentemente os dois exageros, do excesso de criticismo e o do fundamentalismo, são opostos: eles têm em comum o fato de ficarem na letra, descuidando do Espírito.

3. Contemplar a Palavra

            A segunda etapa sugerida por São Tiago consiste em “fixar o olhar” sobre a palavra, em estar diante do espelho, em suma na meditação ou contemplação da Palavra. Os Padres usavam no que se refere a isto as imagens do mastigar e do ruminar. “A leitura – escreve Guigo II, o teórico da lectio divina – oferece à boca uma comida substanciosa, a meditação a mastiga e a quebra” [7]. “Quando alguém traz à memória as coisas ouvidas e docemente as repensa em seu coração, torna-se igual ao ruminante”, diz Agostinho [8].
            A alma que se vê no espelho da Palavra começa a conhecer “como é”, começa a conhecer a si mesma, descobre sua deformidade da imagem de Deus e da imagem de Cristo. “Eu não busco a minha glória”, disse Jesus (Jo 8,50): eis, o espelho está diante de ti e rapidamente vês quanto está longe de Jesus; “Bem-aventurados os pobres de espírito”: o espelho está de novo diante de ti e rapidamente te revela repleto ainda de apegos e cheio de coisas supérfluas; “a caridade é paciente...” e te das conta de quanto és impaciente, invejoso, interessado.
            Mais que “perscrutar a Escritura” (cf. Jo 5,39), trata-se de deixar-se perscrutar pela Escritura. A palavra de Deus, diz a carta aos Hebreus, “penetra até o ponto de divisão da alma e do espírito, dos ligamentos e da medula e perscruta os sentimentos e os pensamentos do coração” (Hb 4,12-13). A oração melhor com a qual iniciar o momento da contemplação da Palavra é repetir com o salmista:
“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração,
Prova-me, e conhece minhas preocupações:
Vê se não ando por um caminho fatal
e conduz-me pelo caminho da vida” (Sl 139).
            Mas no espelho da Palavra, nós não vemos somente a nós mesmos; vemos o rosto de Deus; ou melhor, vemos o coração de Deus. A Escritura, disse São Gregório Mágno, é “uma carta de Deus onipotente à sua criatura; nela se começa a conhecer o coração de Deus nas palavras de Deus” [9]. Também para Deus vale o que foi dito por Jesus: A boca fala do que está cheio o coração (Mt 12, 34); Deus nos falou, na Escritura, disto que transborda seu coração e isto que transborda seu coração é o amor.
            A contemplação da Palavra nos traz de tal modo os dois conhecimentos mais importantes para avançar sobre a estrada da verdadeira sabedoria: o conhecimento de si e o conhecimento de Deus. “Que eu conheça a mim e que conheça a ti, noverim me, noverim te – dizia Santo Agostinho a Deus –; que eu me conheça para humilhar-me, que conheça a ti para amar-te”.
            Um exemplo extraordinário deste duplo conhecimento, de si e de Deus, que se obtém pela palavra de Deus, é a carta à igreja de Laodicéia no Apocalipse, que vale a pena meditar (cf. Ap 3,14-20). O Ressuscitado revela, antes de tudo, a real situação do fiel típico desta comunidade: “Conheço tuas obras: não és frio nem quente. Melhor que fosses frio ou quente! Mas porque és morno, não és, isto é, nem frio nem quente, estou para vomitar-te de minha boca”. Impressionante o contraste entre aquilo que este fiel pensa de si e aquilo que dele pensa Deus: “Tu dizes: ‘Sou rico, enriqueci-me; não necessito de nada’; não passas de um infeliz, um miserável, um pobre, cego e desnudo”.
            Uma página de uma dureza insólita, que porém é imediatamente rebatida por uma das descrições absolutamente mais tocantes do amor de Deus: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém escuta minha voz e me abre a porta, eu virei a ele, cearei com ele e ele comigo”. Uma imagem que revela seu significado realístico e não só metafórico, se lida, como sugere o texto, pensando no banquete eucarístico.
            Além de que para verificar o estado pessoal de nossa alma, esta página do Apocalipse nos pode servir para revelar a situação espiritual de grande parte da sociedade moderna diante de Deus. É como uma daquelas fotos com raios infravermelhos tiradas por um satélite artificial que revelam um panorama totalmente diverso do habitual, observado à luz natural.
            Também este nosso mundo, orgulhoso por suas conquistas científicas e tecnológicas (como os laodicênios eram de sua fortuna comercial), sente-se satisfeito, rico, sem necessidade de ninguém, nem de Deus. É necessário que alguém o faça conhecer o verdadeiro diagnóstico de seu estado: “Não passas de um infeliz, um miserável, um pobre, cego e mudo”. Necessita que alguém o grite, como faz a criança na fábula de Andersen: “O rei está nu!” Mas por amor e com amor, como faz o Ressuscitado com os laodicênios.
            A palavra de Deus assegura a toda alma que o deseja uma fundamental, e em si infalível, direção espiritual. Existe uma direção espiritual, por assim dizer, ordinária e quotidiana que consiste em descobrir o que Deus quer nas diversas situações nas quais o homem, por si só, vem a encontrar na vida. Uma tal direção é assegurada pela meditação da palavra de Deus acompanhada da unção interior do Espírito que traduz a palavra em boa “inspiração” e a boa inspiração em resolução prática. É isto que exprime o versículo do salmo tão querido pelos amantes da Palavra: “Lâmpada para os meus passos é a vossa palavra, luz sobre meu caminho” (Sl 119,105).
            Certa vez pregava em uma missão na Austrália. No último dia um homem veio me procurar, um emigrado italiano que trabalhava ali. Disse-me: “Padre, tenho um problema sério: tenho um menino de 11 anos que até agora não foi batizado. O fato é que minha mulher se tornou testemunha de Jeová e não quer sequer falar de batismo na Igreja católica. Se o batizo, haverá uma crise, se não o batizo não me sinto tranquilo porque quando nos casamos éramos ambos católicos e prometemos de educar na fé os nossos filhos. O que devo fazer?”. Disse-lhe: “Deixe-me refletir esta noite, volte amanhã pela manhã e veremos o que fazer”. No dia seguinte este homem vem a meu encontro visivelmente sereno e me diz: “Padre, encontrei a solução. Ontem à noite, voltando para casa, rezei um pouco, depois abri a Bíblia ao acaso. Veio-me a passagem onde Abraão leva o filho Isaac para a imolação e vi que quando Abraão leva o filho Isaac à imolação não diz nada a sua mulher”. Era um discernimento exegeticamente perfeito. Batizei eu mesmo o menino e foi um momento de grande alegria para todos.
            Isto de abrir a Bíblia ao acaso é uma coisa delicada, que deve ser feita com discrição, em um clima de fé e não antes de ter rezado bastante. Não se pode todavia ignorar que, nestas condições, isso deu muitos frutos maravilhosos e foi praticado também pelos santos. De Francisco de Assis se lê, nas fontes, que descobre o gênero de vida ao qual Deus o chamava abrindo três vezes ao acaso, “depois de ter rezado devotamente”, o livro dos evangelhos “dispostos a seguir o primeiro conselho que lhe fosse oferecido” [10]. Agostinho interpretou a palavra “Tolle lege”, toma e lê, que ouviu de uma casa vizinha, como uma ordem divina para abrir o livro das Cartas de Paulo e de ler o versículo que primeiramente lhe fosse apresentado aos olhos [11].
            Existiram almas que se tornaram santas com o único diretor espiritual que é a palavra de Deus. “No Evangelho – escreveu Santa Teresa de Lisieux – encontro todo o necessário para minha pobre alma. Descubro sempre nela luzes novas, significados escondidos e misteriosos. Entendo e sei por experiência que ‘o reino de Deus está dentro de nós’ (cf. Lc 17, 21). Jesus não precisou de livros nem de doutores para instruir as almas; ele, o Doutor dos doutores, ensina sem rumor de palavra” [14]. Foi através de uma palavra de Deus, lendo um depois outro os capítulos 12 e 13 da Primeira Carta aos Coríntios, que a santa descobriu sua vocação profunda e exclamou jubilante: “No corpo místico de Cristo serei o coração que ama!”
            A Bíblia nos oferece uma imagem plástica que reassume tudo aquilo que se disse sobre meditar a palavra: aquela do livro comido que se lê em Ezequiel: “Olhei: uma mão estava estendida para mim, segurando um livro enrolado. Desenrolou-o diante de mim; estava escrito por dentro e por fora e vi que estavam escritas ali queixas, gemidos e gritos. Ele me disse: ‘Filho do homem, come este rolo, depois vá e fala à casa de Israel’. Abri a boca e ele me fez comer o rolo, dizendo-me: ‘Filho do homem, alimenta teu ventre e sacia tuas entranhas com este rolo que te dou’. Eu o comi e foi para minha boca doce como o mel (Ez 2,9 – 3,3, cf. Também Ap 12,10).
            Há uma diferença enorme entre o livro simplesmente lido ou estudado e o livro engolido. No segundo caso, a Palavra torna-se verdadeiramente, como dizia Santo Ambrósio, “o sustento de nossa alma”, aquilo que informa os pensamentos, plasma as linguagens, determina as ações, cria o homem “espiritual”. A Palavra engolida é uma Palavra “assimilada” pelo homem, não obstante se trate de uma assimilação passiva (como no caso da Eucaristia), isto é, de um “ser assimilado” pela Palavra, subjugado e vencido por essa, que é o princípio vital mais forte.
            Na contemplação da palavra temos um modelo dulcíssimo, Maria; ela preservava todas estas coisas (ao pé da letra: estas palavras) meditando-as no seu coração (Lc 2,19). Nela a metáfora do livro engolido tornou-se realidade física. A Palavra literalmente lhe há “preenchido as vísceras”.

4. Fazer a Palavra

            Chegamos assim à terceira fase do caminho proposto pelo apóstolo Tiago: “Sejais daqueles que põem em prática a palavra..., se alguém escuta somente e não coloca em prática...; quem a coloca em prática, encontrará sua felicidade ao praticá-la”. É também o que está mais no coração de Jesus: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que escutam a palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 8,21). Sem este “fazer a Palavra”, tudo se torna ilusão, construção sobre a areia. Não se pode nem sequer dizer que compreendeu a palavra porque, como escreve São Gregório Magno, a palavra de Deus se compreende verdadeiramente só quando se começa a praticá-la [13].
            Esta terceira etapa consiste, na prática, em obedecer à palavra. O termo grego usado no Novo Testamento para designar a obediência (hypakouein) traduzido literalmente, significa “dar ouvidos”, no sentido de seguir aquilo que se escutou. “Meu povo não escutou minha voz, Israel não me obedeceu”, lamenta-se Deus na Bíblia (Sl 81,12).
            Justamente quando se começa a buscar, através do Novo Testamento, em que coisa consiste o dever da obediência, se faz uma descoberta surpreendente e, isto é, que a obediência é vista quase sempre como obediência à palavra de Deus. São Paulo fala de obediência à verdade (Gl 5,7), de obediência a Cristo (2Cor 10,5). Encontramos a mesma linguagem também em outro lugar: os Atos dos Apóstolos falam de obediência à fé (At 6,7), a Primeira carta de Pedro fala de obediência a Cristo (1Pd 1,2) e de obediência à verdade (1Pd 1,22).
            A própria obediência de Jesus é exercitada sobretudo através da obediência às palavras escritas. No episódio das tentações do deserto, a obediência de Jesus consiste em proclamar a palavra de Deus e ater-se a esse: “Está escrito!” Sua obediência é exercitada, de modo particular, sobre palavras que foram escritas sobre ele e por ele “na lei, nos profetas e nos salmos” e que ele, como homem, descobre pouco a pouco que avança na compreensão e no cumprimento de sua missão. Quando querem se opor à sua captura, Jesus diz: “Mas como então se cumprirão as Escrituras, segundo as quais assim deve acontecer?” (Mt 26,54). A vida de Jesus é como que guiada por uma estrela luminosa que os outros não veem e que é formada pelas palavras escritas por ele; Ele deduz pelas Escrituras o “se deve” (sobre ele) que rege toda sua vida.
            As palavras de Deus, sob ação atual do Espírito Santo, tornam-se expressão da vivente vontade de Deus para mim, em um dado momento. Um pequeno exemplo ajudará a entender. Em uma circunstância ocorreu que alguém havia tomado por engano um objeto que eu usava. Buscava fazê-lo notar e a pedir que me fosse devolvido, quando me deparei, por acaso (mas talvez não fosse verdadeiramente por acaso) com a palavra de Jesus que diz: “Dá a quem quer que te peça; e a quem te toma o teu bem, não reclames” (Lc 6,30). Compreendi que aquela palavra não se aplicava universalmente e em todos os casos, mas que certamente se aplicava a mim naquele momento. Tratava-se de obedecer à palavra.
            A obediência à palavra de Deus é a obediência que podemos fazer sempre. De obediência a ordens e autoridades visíveis, entendida em fazer somente aqui e agora, três ou quatro vezes em tudo na vida, se trata-se de obediências sérias; mas de obediências à palavra de Deus tem que ser uma a cada momento. É também a obediência que podemos fazer todos, súditos e superiores, clérigos e leigos. Os leigos não possuem, na Igreja, um superior a quem obedecer – ao menos no sentido com o qual possuem os religiosos e os clérigos –; possuem, porém, em compensação, um “Senhor” a quem obedecer! Possuem sua palavra!
            Terminamos esta nossa meditação fazendo nossa a oração que Santo Agostinho eleva a Deus, em suas Confissões, para obter a compreensão da palavra de Deus: “Sejam vossas Escrituras minhas castas delícias; que eu não me engane sobre elas, nem engane aos outros com elas... Voltai seu olhar sobre minha alma e escutai quem grita do abismo... Concedei-me tempo para meditar sobre os segredos de vossa lei, não fechai-a a quem bate... Eis que vossa voz é minha alegria, vossa voz um prazer superior a todos os outros. Dai-me o que amo... Não abandonai esta tua erva sedenta... Revelem-se os significados de vossas palavras, às quais bato... Peço-vos pelo Senhor nosso Jesus Cristo... em quem nascem todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Cl 2,3). Estes tesouros eu busco em vossos livros” [14].

NOTAS
*Pe. Raniero Cantalamessa, Franciscano Capuchinho, foi ordenado sacerdote em 1958. Doutor em teologia e em literatura, foi professor de história das origens cristãs na Universidade Católica de Milão e diretor do Instituto de Ciências Religiosas. Membro da Comissão Teológica Internacional de 1975 até 1981. Em 1977 deixou o ensino acadêmico para dedicar-se inteiramente ao serviço da Palavra de Deus. Em 1980 foi nomeado Pregador da Casa Pontifícia. Por causa dessa missão, todos os anos pregou em cada semana durante a Quaresma e o Advento na presença do Papa, dos cardeais, dos bispos da Cúria Romana e dos superiores das ordens religiosas. Esta homilia é a terceira pregação da Quaresma de 2008.
1. S. Ambrogio, Exp. Ps. 118, 7,7 (PL 15, 1350).
2. Dei Verbum, 21.
3. Giovanni Paolo II, Novo millennio ineunte, 39).
4. Benedetto XVI, in AAS 97, 2005, p. 957).
5. S. Kierkegaard, Per l’esame di se stessi. La Lettera di Giacomo, 1,22, in Opere, a cura di C. Fabro, Firenze 1972, pp. 909 ss.
6.
F. Collins, Le language of God, Free Press 2006, pp. 177 s.
7.
Guigo II, Lettera sulla vita contemplativa (Scala claustralium), 3, in Un itinerario di contemplazione. Antologia di autori certosini, Edizioni Paoline, 1986, p.22.
8. S. Agostino, Enarr. in Ps. 46, 1 (CCL 38, 529).
9. S. Gregorio Magno, Registr. Epist. IV, 31 (PL 77, 706).
10. Celano, Vita Seconda, X, 15.
11. S. Agostino, Confessioni, 8, 12.
12. S. Teresa diLisieux, Manoscritto A, n. 236.
13. S. Gregorio Magno, Su Ezechiele, I, 10, 31 (CCL 142, p. 159).
14. S. Agostino, Conf. XI, 2, 3-4.

[Traduzido do original em italiano por José Caetano e Alexandre Ribeiro]

Pe. Alberione divide a hora da adoração ao SSmo. Sacramento em três partes:
1) Depois de se pôr na presença de Deus, se dedica um tempo à leitura da Bíblia (acolher a palavra: Jesus Verdade),
2) Exame de consciência sobre a palavra lida, (confrontar-se com a palavra: Jesus Caminho),
3) Oração (rezar a palavra: Jesus Vida).
Nos três momentos se assume todo o Cristo Caminho, Verdade e Vida,
para todo o homem: Vontade, Mente, e Coração.


FESTA DE SÃO PAULO APÓSTOLO
NOSSO PROTETOR
Dos escritos do Bem-aventurado Tiago Alberione, (Do boletim “San Paolo”, outubro de 1954) 


Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo  A Família Paulina propõe-se representar e viver São Paulo, hoje; pensando, zelando, rezando e santificando-se como faria São Paulo, se vivesse hoje. Ele viveu os dois preceitos do amor a Deus e ao próximo num modo tão perfeito que mostrava em si mesmo o próprio Cristo: “Vivit vero in me Christus. É Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).Foi São Paulo que deu origem à Pia Sociedade de São Paulo, pois é ele o seu fundador. Não foi a Pia Sociedade de São Paulo que o escolheu, foi ele que nos escolheu a nós; melhor, nos gerou: “In Christo Jesu per Evangelium ego vos genui. Fui eu quem vos gerou em Jesus Cristo, por meio do Evangelho” (1Cor 4,15).Se São Paulo fosse vivo continuaria a inflamar-se daquela dupla chama, daquele incêndio, ou seja, o zelo por Deus e pelo seu Cristo, e pelos homens de todas as nações. E para se fazer ouvir, subiria aos púlpitos mais altos e multiplicaria a sua palavra com os meios do progresso atual: imprensa, rádio, cinema, televisão. A sua doutrina não seria fria, abstrata. Quando ele chegava, não era para uma conferência ocasional; detinha-se e formava. Obtinha o assentimento da inteligência, persuadia, convertia, unia a Cristo, dava início a uma vida plenamente cristã.Não partia antes de ter a certeza moral de que os seus convertidos eram perseverantes. Deixava presbíteros a continuar a sua obra; voltava a esses lugares frequentemente com a palavra e a escrita; queria notícias, estava com eles em espírito, rezava por eles.Diz ele aos paulinos: Conhecei, amai, segui o Divino Mestre Jesus. “Imitatores mei estote sicut et ego Christi. Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo” (1Cor 4,16). Este convite é geral, para todos os fiéis e seus devotos. Para nós ainda é mais forte, porque somos seus filhos. Os filhos têm a vida do pai. Vivamos por isso nele, dele, por ele, com ele, para vivermos Jesus Cristo. São apropriadas, a nosso respeito, as palavras dirigidas aos seus filhos de Tessalónica, aos quais lembra que se fizera forma para eles: “Ut nosmetipsos formam daremus vobis. Foi para vos dar exemplo a ser imitado” (2Ts, 3,9). Jesus Cristo é o perfeito original; Paulo foi feito e fez-se forma para nós; somos forjados nele, para reproduzirmos Jesus Cristo. São Paulo-forma não o é por uma reprodução física de feições corporais, mas para nos comunicar ao máximo a sua personalidade: mentalidade, virtudes, zelo, piedade... tudo. A Família Paulina, composta de muitos membros, deve ser Paulo-vivo num corpo social.Conheçamos e vivamos São Paulo na vida, nas obras, nas Cartas, para depois pensarmos, raciocinarmos, falarmos, agirmos como ele. Invoquemos a sua paternal assistência.

ORAÇÃO
Senhor, nosso Deus, que no vosso amor pelos homens escolhestes e enviastes o Apóstolo Paulo a anunciar o Evangelho de Jesus Cristo morto e ressuscitado, concedei-nos, a nós que o honramos como inspirador e Pai, a graça de o imitarmos na divulgação na Palavra que salva os homens do nosso tempo. Por Nosso Senhor Jesus Cristo vosso Filho que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. Amém.


 

RETIRO DE 11 DE JUNHO/2011

EUCARISTIA E MISSÃO
“Lectio divina” sobre Lc 22,13-30
de Dom Bruno Forte *

Há um momento da vida do Senhor que, pela sua intensidade, é como que a passagem entre o Cristo encarnado e o Cristo misticamente prolongado no tempo: este momento-chave é a Última Ceia. Ela é certamente para Cristo ponto máximo, por ele esperado e suspirado há muito tempo (Lc 22,15), “hora” suprema (Jo 13,1) e definitiva (Lc 22,16.18) da sua existência terrena. Para além da Ceia só há a atuação daquilo que ele prenuncia e ilumina antecipadamente: a Páscoa de morte e de ressurreição. Por isso, de fato, “o problema da Última Ceia é o problema da vida de Jesus” (Schweitzer).
Acontecimento supremo da vida de Cristo, a Ceia se reveste de importância análoga para a vida da Igreja: ligação entre o Cristo físico e Cristo atualizado misticamente no tempo, ela é o selo do amor do primeiro e a fonte da vida do segundo. Na Última Ceia Jesus, instituindo a Eucaristia, institui a Igreja, pois não é por acaso que ele escolhe o banquete pascal como quadro do seu dom. Dessa maneira é expressa claramente a sua intenção de substituir o memorial pascal da antiga aliança, fonte do antigo Israel, pelo memorial da nova aliança no seu sangue, fonte do novo Israel, a Igreja. A isto se junta o fato de que as referências do Antigo Testamento, presentes no relato da instituição da Eucaristia, estão todas relacionadas com a ideia de pacto: a referência ao sangue da aliança, que é lembrado em Ex 24,8, o tema da nova aliança, que é retomado por Jr 31,31 e as numerosas referências aos Poemas do Servo sofredor de JHWH do Dêutero-Isaías, concordam na apresentação da Eucaristia como memorial de aliança de um novo povo. A Ceia é, portanto, o ato da instituição da Igreja, no qual se poderão encontrar os caracteres e as tarefas fundamentais que o Senhor dá à sua Igreja.
Cume da vida de Jesus, fonte da vida da Igreja, a Última Ceia é, assim, como que o acontecimento que concentra em si a relação entre Cristo e o seu povo, entre Cristo evangelizador e a Igreja evangelizadora.

1. Evangelizar significa celebrar
na história o memorial do Senhor na força do Espírito

A missão que o Senhor confia à sua Igreja está toda ela resumida nas palavras que ele pronuncia na Última Ceia: “Fazei isto em memória de mim”. Com estas palavras, explicadas na redação de Lc 22,19 e de 1Cor 11,24-25, Jesus confia aos Apóstolos o mandato de celebrar na história o memorial da sua Páscoa. Mateus e Marcos, que se dirigem aos cristãos de origem judaica, não sentem necessidade desta explicação, porque para o hebreu a ideia de memorial estava já imediatamente ligada à celebração pascal. Apesar do silêncio destas duas redações evangélicas, há uma consonância de fundo entre as testemunhas da instituição em referir que Cristo fez na Última Ceia um acontecimento para memorializar. E já que na Última Ceia a história de Cristo atinge o seu ponto máximo e simultaneamente se realiza tudo o que estrutura essencialmente a Igreja, nesta obrigação de fazer o memorial da Eucaristia se define verdadeiramente toda a missão da comunidade cristã no tempo. A Igreja deverá celebrar na história o memorial do seu Senhor.
Ora, o memorial bíblico não é mera recordação de um acontecimento passado. Os termos hebreus zikkaron, azkarah, que o grego traduz por anámnesis, mnemósunon, exprimem exatamente o fazer contemporâneo de um acontecimento passado por uma ação de poder divino atualizadora. O passado se apresenta de novo, torna-se contemporâneo da comunidade que celebra. Esta ação de poder divino é esclarecida pelo conjunto da revelação neotestamentária como irrupção do Espírito Santo, que atualiza na história a Páscoa de Cristo, na qual se compendia todo o Evangelho. Desta maneira, o memorial se apresenta como o acontecimento que sumamente realiza a missão evangelizadora da Igreja, pois, celebrando o memorial do Senhor, a Igreja se torna disponível para a ação do Espírito, que torna sempre presente o acontecimento de salvação, objeto da Boa Nova.
Por isso, se evangelizar significa obedecer ao mandato do Senhor: “Fazei isto em memória de mim”, e se o agente e o termo do memorial é o próprio Cristo, pode-se afirmar que é o Espírito de Cristo que evangeliza, porque torna presente aqui e agora o Cristo do Evangelho. A Igreja, por seu lado, deve deixar-se plasmar por esta irrupção do Espírito, invocando-o ardentemente como aquele que realiza a memória do Senhor. Somente com esta condição é que a evangelização não será palavra humana vã, mas poder de Deus para a salvação de quem acreditar (cf. Rm 1,16). E o Espírito invocado pela Igreja tornará presente o Cristo que, ungido pelo próprio Espírito nos dias da sua carne (cf. Mt 3,17; 4,1; Lc 4,14.18.21; etc), derramou, por sua vez, o Espírito (cf. Jo 20,22; etc). Nesta incessante invocação do Consolador, neste escutar que é expectativa e acolhimento fecundo, perseverante na noite da fé, consiste a dimensão contemplativa, fundamento de toda a ação evangelizadora.

2. Evangelizar significa
viver na comunhão com Cristo e com a Igreja

A disponibilidade para o Espírito, que a celebração do memorial exige, deve manifestar-se em gestos concretos, numa determinada atitude de vida, que reproduza no tempo a atitude de Cristo que celebra a sua Páscoa. Por outras palavras, para que o Espírito torne presente Cristo e suscite a Igreja, é necessário que a comunidade dos crentes se disponha à celebração do memorial, revivendo os gestos e as opções do Senhor na Última Ceia.
Como se apresenta Jesus na instituição da Última Ceia? Antes de mais, faz um banquete com os seus. Este fato cria entre ele e os convidados um vínculo profundo de fraternidade. Em Israel a comunhão convival é comunhão de vida; uma refeição tomada em comum, sobretudo numa circunstância especial e solene, une os comensais numa comunidade tão sagrada que violá-la constitui uma das culpas mais graves. De maneira ainda mais particular a fração do pão, com a distribuição de um pedacinho a cada um, e a participação no mesmo cálice de vinho são sinais de uma solidariedade profunda, na comunhão de vida. Jesus liga assim explicitamente a instituição da Eucaristia ao banquete de fraternidade: não escolhe como sinal do seu dom um pão e um vinho qualquer, na sua materialidade elementar, mas o pão e o cálice da fraternidade. O memorial pascal torna-se eclesial no seu próprio sinal e por seu intermédio. Como consequência, a celebração da memória do Senhor exige e baseia a comunhão a Cristo e dos convidados entre si, pois não se faz o memorial na vida, e por conseguinte não se evangeliza sem esta comunhão. É no testemunho de uma partilha de destino, de uma solidariedade de fato, que a Igreja se torna lugar de irrupção do Espírito para tornar presente no tempo o Evangelho do Ressuscitado.
Esta comunhão tem sempre uma dimensão simultaneamente católica e local. Enquanto o memorial torna presente a Páscoa num tempo e num lugar determinados, a sua celebração implica a fidelidade a este concreto “agora e aqui”. É assim que a Encarnação se prolonga analogicamente  na história dos homens, assumindo a diversidade das linguagens e das culturas. No entanto, é o único Cristo que “padeceu e foi glorificado” que no Espírito se torna presente na variedade dos tempos e dos lugares: isto fundamenta e exige a catolicidade de todos os atos de evangelização, isto é, a presença nele de todo o ministério e a abertura necessária à comunhão de todas as Igrejas. A evangelização deve ser católica no duplo sentido deste termo: deve tornar presente todo o Cristo (em plenitude) para o homem todo, para todos os homens, até aos últimos confins da terra (universal). Não se evangeliza, a não ser em comunhão com toda a Igreja, anunciando todo o Evangelho ao homem todo e — pelo menos na intenção — a todos os homens.

3. Evangelizar significa
participar na sorte do servo sofredor

A comunhão que o memorial fundamenta entre os convidados e Cristo exige a participação na sorte dele: as referências veterotestamentárias das narrações da instituição concordam num esboço desta sorte como a do Servo. Os Poemas do Servo sofredor de JHWH do Dêutero-Isaías deixam, de fato, entrever a conclusão de uma aliança (cf. Is 42,6; 49,8), nova (cf. 42,9), que se fará na própria pessoa do Servo (cf. 42,6; 49,8) e enquanto evocam a imagem sacrificial do cordeiro (cf. 53,7), indicam a expiação dos pecados mediante a substituição de uma vítima inocente (53,10-12), contendo o “per multi” que figura em Mt 26,28 e Mc 14,24. As influências da figura veterotestamentária do Servo no quadro da Última Ceia são, por isso, evidentes: são, aliás, confirmadas pelo evangelista Lucas, que refere no contexto da Ceia as duas afirmações sobre aqueles que detêm a autoridade (Lc 22,24-27), e por João, que vê no episódio do lava-pés a expressão perfeita do sentido interior da instituição eucarística, de que ele não fala. Por isso, a ligação entre o Servo de JHWH e a Ceia não é acidental, mas faz parte do próprio sentido do convite encarístico. Em virtude da fraternidade convival, a comunidade eucarística deve comungar na sorte do Servo, tornando-se também ela serva: porque comendo o corpo-entregue deve tornar-se, pela força que ele comunica, corpo-eclesial-entregue, corpo-para-os-outros, corpo-oferecido-pelas-multidões. No me-morial pascal a Igreja nasce como povo-servo, comunidade de serviço.
Daí derivam importantes consequências para a sua missão evangelizadora: evangelizar, como celebrar na vida o memorial do Senhor, é um serviço, que, por isso, requer “servos”. Põe-se aqui a exigência de valorizar os diversos ministérios e carismas que o Espírito suscita e de ver o ministério ordenado no interior de uma Igreja toda ela ministerial. A participação comum dos batizados na sorte do Servo evidencia assim a co-responsabilidade articulada de todos os crentes na evangelização. Além disso, o caráter de “serviço” faz com que na missão evangelizadora se resolva o dilema eclesial “identidade-relevância”: evangelizando, a Igreja não só afirma a sua identidade, mas também torna o serviço mais fecundo para o mundo, e por outro lado, servindo o homem e trabalhando pela sua promoção, a Igreja não perde a sua identidade, que é a de povo-servo, partícipe da sorte de Cristo servo. Por fim, a solidariedade com o Servo sofredor do Senhor ilumina outro aspecto da tarefa de evangelizar: a que se pode chamar missão debaixo da cruz. Por outras palavras, se Jesus no memorial se oferece com aquele que sofre por amor, a Igreja — celebrando na história o memorial do seu Senhor—  sabe que tem o dever de participar no mistério da dor. Evangelizar não é obra de triunfalismo ou de conquistas coloniais, pois o Evangelho torna-se presente onde o povo de Deus completa na sua carne a paixão do Filho do homem. Na pobreza da dor, na falta dos meios humanos, na prova da perseguição, na presença discreta e fiel de um amor aparentemente infecundo, os cristãos celebram na vida o memorial da cruz, e tornam assim vivo e presente o Evangelho da dor de Deus, que é o Evangelho do seu amor e da nossa salvação.

4. Evangelizar significa
antecipar a festa do reino

Por fim, Jesus apresenta na Última Ceia a tensão escatológica própria do seu memorial: anuncia que não mais beberá do fruto da videira até ao dia em que o beber novamente com os seus no reino do Pai (cf. Mt 26,29; Mc 14,25), isto é, enquanto o reino não vier (cf. Lc 22,18). Comendo o pão e bebendo o cálice da Eucaristia, os crentes anunciarão a morte do Senhor até à sua volta (cf. 1Cor 11,26). O banquete da nova Páscoa remete para outro banquete, o definitivo do Reino, do qual é antecipação e promessa, e em função do qual faz levedar toda a história. O memorial que Jesus confia à sua Igreja põe-se assim como eucaristia de esperança, abertura ao futuro prometido por Deus.
Daí resulta para a missão evangelizadora da Igreja uma dupla obrigação: em primeiro lugar, ela deverá ser sempre anúncio do advento divino e, por isso, força subversiva do presente, consciência crítica da vivência humana. Pondo em cada situação a força da sua “reserva escatológica”, o anúncio eclesial não poderá ser separado da denúncia, do apelo ao futuro, da contestação do presente, em tudo o que ele contém de encerramento à ação renovadora do Espírito. Em segundo lugar, celebrar na vida o memorial da presença significará para a Igreja proclamar constantemente a sua própria precariedade, ao estar consciente de ser o Reino começado, de viver o “penúltimo” tempo, a estação “que está entre a Primavera e o Verão”, entre o já cumprido na Páscoa de Cristo e o ainda não realizado na Parusia. Daqui deriva para a comunidade crente o dever de viver em estado de perpétua procura e purificação: fiel ao já, ela se projeta sempre para o futuro, tendendo incessantemente para a plenitude da verdade divina, até que nela se cumpram as palavras do Senhor (cf. Dei Verbum 8).
Portanto, ao evangelizar, a Igreja não se anuncia a si mesma: ao celebrar na história o memorial da nova Páscoa, ela indica a meta futura, julga o presente e comunica aos homens a força da esperança. Dessa maneira purifica-se, porque expõe a sua miséria ao juízo salvífico do Espírito, que, de modo sempre novo, irrompe no tempo dos homens e os projeta para o futuro de Deus. A evangelização lembra constantemente à Igreja a sua pobreza e juntamente a sua esperança.
A última Ceia se apresenta, assim, de modo denso e vivo, a passagem da Palavra do Servo aos servos da Palavra, do Cristo evangelizador à Igreja evangelizadora. Na Eucaristia, a evangelização apresenta-se como a celebração do memorial do Senhor na história: isto implica a obra do Espírito, a comunhão com Cristo na comunhão eclesial, a participação na sua sorte de Servo sofredor, a antecipação militante do futuro prometido.
As características conferidas por Jesus à missão evangelizadora da sua Igreja resultam dessa maneira claramente individualizadas: anunciar o Evangelho até aos últimos confins da terra significa, à luz da Eucaristia do Senhor, apresentar Cristo na variedade dos lugares e dos tempos na força do Espírito — na comunhão eclesial — ao serviço do mundo e sob o sinal da cruz — preparando a glória prometida do Reino.

* Dom Bruno Forte nasceu em Nápoles. Foi ordenado sacerdote em 18 de abril de 1973. Ele foi chamado de “o mais famoso teólogo italiano na Itália” e é visto como mais progressista do que Ratzinger. Foi nomeado Arcebispo de Chieti-Vasto pelo Papa João Paulo II, em 26 de junho de 2004. Foi ordenado bispo pelo até então cardeal Joseph Ratzinger (atual Papa Bento XVI), em 8 de setembro de 2004. Dom Bruno é apenas um dos quatro bispos consagrados pelo atual Papa.
Depois da eleição de Papa Bento XVI, B. Forte foi visto como um possível sucessor para se tornar Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, antes do cardeal William Levada ser escolhido.
Após o túmulo de Jesus ter sido supostamente descoberto por James Cameron. o arcebispo B. Forte disse que “Há muitos desses túmulos no território da Terra Santa. Portanto, não há nada de novo nesta revelação”.
Esta meditação foi dirigida ao clero de São Paulo, em um curso de exercícios espirituais.


RETIRO DE 07 DE MAIO DE 2011
Texto definitivo
“Maria foi discípula, depois Mestra”
(Bem-aventurado Tiago Alberione)
Maria no projeto trinitário
A relação do Bem-aventurado Tiago Alberione com Maria, a Mãe de Jesus, foi tecida, ao mesmo tempo, de devoção, reflexão e ação.
O título que mais amou e propagou foi o de Maria, Rainha dos Apóstolos. Na realidade, este título era inseparável de outros dois: Maria Mãe e Mestra.
Tratava-se de uma herança recebida de Leão XIII, que na encíclica Adjutricem popoli christiani (Auxiliadora do povo cristão – 05/09/1895) havia declarado que a partir do Cenáculo Maria aceitou e cumpriu a sua missão de ajudar «admiravelmente os primeiros fiéis com a santidade do seu exemplo, com a autoridade dos seus conselhos, com a doçura dos seus incentivos, com a eficácia das Suas orações, tornando-se assim verdadeiramente mãe da Igreja e mestra e rainha dos Apóstolos, aos quais comunicou também aqueles divinos oráculos que ela “conservava ciosamente no seu coração”»
É na ação onde transparece de modo tangível a devoção a Nossa Senhora por parte do Padre Alberione, ou seja, em tudo aquilo que ele promoveu para torná-la conhecida, amada e seguida. São numerosos seus escritos marianos. Inspirou a ícone da Rainha dos Apóstolos. Fez o filme “Mater Dei”, primeiro filme italiano inteiramente a cores. Construiu o Santuário Basílica Rainha dos Apóstolos, que cobre uma superfície de 2.883 metros quadrados, ocupa um volume de 109.574 metros cúbicos e tem a altura de 101,47 m., do pavimento ao alto da cúpula, que é a quarta maior da cidade de Roma.
Foi em vista da decoração deste santuário que no Natal de 1947 o Padre Alberione pôs por escrito seus estudos e reflexões marianas, no livrinho O Caminho da Humanidade (em latim: Via Humanitatis - abrev.= VH)[1].
Este título encerra uma verdadeira chave para interpretar o pensamento teológico e mariano do Padre Alberione e constitui, também, a sua proposta de contemplação do mistério cristão, não unicamente ao redor da vida de Cristo (como na via crucis ou nos mistérios do rosário), mas partindo do desígnio trinitário da criação e percorrendo toda a História da Salvação até seu cumprimento final.
O caminho da humanidade é assim traçado no Proemio da Via Humanitatis: “Tudo vem de Deus-Princípio; para voltar a Deus-Fim: para a sua gloria e para a felicidade do homem”.
Mas o Caminho é Cristo Caminho, Verdade e Vida, e é nele que se realiza a adoção e a herança dos filhos de Deus: “O homem e a humanidade per Cristo invisível, na Igreja visível têm todo o bem temporal e eterno. Todos os filhos são esperados na casa do Pai celeste; cada um deles, por Maria, pode encontrar o Caminho-Cristo. Todos a indiquem com espírito de caridade e de apostolado”.
No primeiro quadro da Via Humanitatis o Padre Alberione propõe a seguinte contemplação: “A Santíssima Trindade beatíssima recolhe-se em conselho: do qual nasce o decreto: “Façamos o homem a imagem e semelhança nossa”. Maria Santíssima na mente de Deus é prevista obra-prima da criação. Deus é o primeiro Princípio e o último Fim de toda a criação”.
Encontramos no Documento de Aparecida uma afirmação que resume praticamente o pensamento do Padre Alberione: “A Virgem Maria é a imagem esplêndida da conformação ao projeto trinitário que se cumpre em Cristo. Desde a sua Concepção Imaculada até sua Assunção, recorda-nos que a beleza do ser humano está toda no vínculo do amor com a Trindade, e que a plenitude de nossa liberdade está na resposta positiva que lhe damos”(N. 141).
Jesus e Maria ao centro dos dois Testamentos
Pouco depois de publicar a Via Humanitatis o Padre Alberione assim resume o caminho para a contemplação do mistério cristão: “A Criação, a promessa do Redentor, a Encarnação, a Vida de Jesus Cristo, a obra da Igreja, a nossa santificação e a vida futura no Céu têm todas um fio de guia: ao centro está Jesus Cristo Caminho, Verdade e Vida; o final a glorificação de Deus: Uno na natureza e Trino nas Pessoas”[2].
Após ainda dez anos de reflexão o Padre Alberione traça este caminho, apresentando seu desenvolvimento em quatro manifestações de Deus em seu plano: “Querendo manifestar-nos a sua glória e tornar outros seres participantes da sua beatitude, mostrou-se como é: Caminho, Verdade e Vida. Realizou e continua realizando esta obra em quatro manifestações: a criação, a revelação, a Igreja, o céu”[3].
E ao expor os vários pontos desse projeto o Bem-aventurado Tiago Alberione faz esta afirmação lapidar: “Jesus e Maria ao centro dos dois Testamentos”[4].
É interessante notar que, em 1959, logo após a publicação desses ensinamentos destinados a servir como um projeto de enciclopédia de Jesus Mestre, Caminho Verdade e Vida, o Padre Alberione se dedicou a estudar e publicar um escrito sobre Maria (Maria, Discípula e Mestra[5]), em que os títulos Mãe, Mestra e Rainha (paralelos aos de Cristo Vida, Verdade e Caminho) recebem a sua luz da consideração de Maria como Discípula: “Maria foi antes discípula e mestra depois”.
Maria Discípula e Mestra
Santuário Basílica
Rainha dos Apóstolos
Para expor seu pensamento sobre o discipulado de Maria, Alberione recorre a uma esplêndida pagina do livro Jesus Mestre, do Padre João Roatta, ao falar da prova de sensibilíssima devoção ao Fundador expressa no Santuário-Basílica Rainha dos Apóstolos, consagrado na conclusão do Ano Mariano, em 1954:
“A função da Virgem-Mãe é aquela de fazer nascer e formar gradualmente Jesus também em todos aqueles que devem “tornarem-se conformes à imagem do seu Filho”. Maria nos está diante como Mãe e Mestra, para nos oferecer um ensaio maravilhoso de como se torna verdadeiros “discípulos” de Cristo, e para nos guiar a construir a pessoa segundo a forma do Verbo.
Maria de fato é o exemplar suprimo do discipulado, como nos afirma claramente Santo Agostinho: «Para Maria valeu mais o ser discípula de Cristo do que o ser sua Mãe; foi para ela coisa mais feliz o ser discípula sua do que ser Mãe. Por isso Maria era bem-aventurada, porque também, antes de dá-lo à luz, havia carregado em seu seio o Mestre».
É um pensamento que será amplamente desenvolvido por São Bernardo, para nos guiar a estudar as admiráveis disposições da “discípula” perfeita do Altíssimo.
Exemplar perfeito do “discipulado”, Maria se torna o exemplar perfeito do “magistério” ao lado do seu Filho Jesus. Há uma viva relação entre Maria Santíssima e o Mestre da humanidade. Tornada Mãe de Cristo, após ter sido sua “discípula” perfeitíssima, ela se tornou por sua vez Mestra de Cristo, segundo a bela expressão de Santo Efrém: «Ave, ó Maria, que educaste o Cristo comunicador da vida, o Cristo misericordiosíssimo criador e formador de todo o mundo».
Na história pedagógica universal não há nada de mais belo que esta reciprocidade divino-humana, pela qual o eterno Mestre formou para si a Mãe, admirável discípula, para que ela pudesse educá-lo para a forma humana, na qual deveria mostrar-se como Mestre perfeito dos homens.
É por isso que se vai a Jesus Mestre através de Maria, a verdadeira Mestra da humanidade, enquanto educadora de Jesus. Eis a causa da criação de um caloroso ambiente mariano no qual ser perfeitamente dispostos ao encontro com Jesus Cristo”(João Roatta, Jesus Mestre).

Maria e Jesus Verdade, Caminho e Vida
O Bem-aventurado Alberione explica a relação entre Maria Mestra e Jesus Mestre: “Jesus é Mestre enquanto é Caminho, Verdade e Vida; e Maria é, portanto, Mestra porque tem santidade, sabedoria, graça, vida. Jesus é o Mestre absoluto e único; Maria é Mestra por participação, dependência e em relação a Jesus Cristo, assim como é Co-redentora e Rainha por dependência e participação a Jesus Redentor e Rei”[6].
Se como discípula de Jesus Verdade e Mestre Maria se torna Mestra, como discípula de Jesus Caminho e Rei ela recebe o título de Rainha. E é importante notar que no caloroso ambiente da devoção a Maria, na inauguração do Santuário Rainha dos Apóstolos, Alberione indica uma missão social que podemos atribuir principalmente ao título de Rainha. Título este que recebeu uma consagração especial com a proclamação da festa de Maria Rainha, instituída por Pio XII no ano mariano de 1954, mediante a encíclica Ad caeli reginam, publicada no dia 11 de outubro.
Por uma feliz coincidência nos fins de 1954 estava sendo acabada a construção do Santuário-Basílica da Rainha dos Apóstolos em Roma, consagrado e aberto ao culto no dia 30 de novembro.
Numa memorável hora de adoração o Bem-aventurado Tiago Alberione entregou a Maria o Santuário como agradecimento à Virgem pela proteção durante a guerra e fez esta oração:
“Tu, ó Maria, tens uma missão social:
Primeiro: santificaste uma casa, domicílio das virtudes doméstica; guarda a primeira sociedade que é a família.
Segundo: deste início à vida religiosa com o voto de virgindade e a observância de uma perfeita obediência e pobreza: guarda a sociedade religiosa.
Terceiro: carregaste nos braços a Igreja nascente, sociedade sobrenatural instituída pelo teu Filho Jesus: guarda a Igreja.
Quarto: a ti foi confiada a humanidade, da qual es mãe espiritual e que deve irmanar-se numa sociedade supranacional: graças a Ti se unam os homens na verdade, caridade, justiça: guarda a Sociedade das Nações.
Quinto: Em Jesus Cristo és  a Mãe da civilização, que brota do Evangelho e se realiza na obra da Igreja: guarda a verdadeira civilização”[7].
Como discípula de Jesus Vida e Sacerdote, Maria recebe o título de Mãe, cuja função de maternidade inicia na Encarnação e é proclamada no Calvário: “No Calvário, Maria nos gerou. O mistério da Encarnação consuma-se no mistério da Redenção. Com a sua morte Cristo mereceu-nos definitivamente a graça de vivermos de sua vida. O que era veio à luz. Por conseguinte, assim como a nossa geração espiritual, iniciada no mistério da Encarnação, consumou-se no mistério da Redenção; assim também a maternidade espiritual de Maria, que começa em Nazaré, completou-se no Calvário; e lá foi proclamada”.
Maria Discípula e Missionária
O Padre Alberione proclama também a missão materna de Maria em relação à Igreja: “A Igreja é confiada a Maria. Na criação, na redenção, na distribuição das graças e na glória, Maria ocupa um lugar proeminente. Sempre para dar Jesus Cristo ao mundo e a cada alma. É Mãe de Deus e da Igreja. Todos os bens passam por Maria. De Maria, a vida. Ela é nossa mãe” (VH XXII).
Não só a missão de Maria como também a missão da Igreja é vista a partir dos títulos de Cristo: “Jesus Cristo elege os doze, que chamou de apóstolos, para continuar e dilatar, no mondo, sua missão. Designa a Igreja.... para continuar a ser nela o Caminho, a Verdade e a Vida...Bendito sejais, porque estabelecestes a Igreja como nossa Mestra, Mae e Guia... Meditarei sempre a vossa palavra: ‘Como o Pai me enviou, assim eu vos envio’: pregai, guiai e santificai todos” (VH XI; cf. XVIII, XIX, XX).
Assume uma importância especial observar que, para o Padre Alberione, o título Rainha dos Apóstolos tem seu enfoque não em “rainha”, mas em “apóstolos”, ou seja quer afirmar o quanto Maria é Apóstola. Em outras palavras: como discípula de Jesus Caminho e Rei ela é também a missionária por excelência: “O apostolado nosso é uma irradiação de Jesus Cristo. É ao mundo dar todo Jesus Cristo: Caminho, Verdade e Vida. Maria participa nele mais que todos os Doutores, os Pregadores, os Missionários. É Apóstola e Rainha de todo apostolado por predestinação e vocação eterna de Deus”[8].
A descrição quem é o apostolo, feita pelo Bem-aventurado Tiago Alberione, se aplica de modo especial a Maria:
“Apóstolo é quem leva Deus na própria alma e o irradia ao redor de si. É um santo que acumula tesouros, e comunica o que excede às almas. É um coração que ama tanto a Deus e os homens, e não pode mais comprimir em si quanto sente e pensa. É um ostensório que contém Jesus Cristo, e expande uma luz inefável ao redor de si. É um vaso de eleição que reversa, porque cheio demais, e de sua plenitude todos podem gozar. É um templo da Santíssima Trindade, a qual é sumamente operante; de todos os poros transpira Deus: com as palavras, as obras, as orações, os gestos, as atitudes; privadamente e em público. Agora, com este retrato, examinai o rosto de pessoas, próximas ou distantes: reconheceis nele o apóstolo? Em sumo grau, com inatingível semelhança é o resto de Maria. Seguirá depois Paulo[9].
Todos estes ensinamentos do Bem-aventurado Tiago Alberione sobre Cristo e Maria encontram uma ressonância muito atual no Documento de Aparecida, que, do ponto de vista mariano, insistiu mais no aspecto do seguimento e da imitação de Maria como discípula e missionária[10]. Podemos pensar que se vivesse hoje o Padre Alberione subscreveria as seguintes afirmações:
«Hoje, quando em nosso continente latino-americano e caribenho se quer enfatizar o discipulado e a missão, é ela quem brilha diante de nossos olhos como imagem acabada e fidelíssima do seguimento de Cristo. Esta é a hora da seguidora mais radical de Cristo, de seu magistério discipular e missionário ao qual nos envia o Papa Bento XVI: "Maria Santíssima, a Virgem pura e sem mancha, é para nós escola de fé destinada a nos conduzir e a nos fortalecer no caminho que conduz ao encontro com o Criador do céu e da terra. O Papa veio a Aparecida com viva alegria para nos dizer em primeiro lugar: Permaneçam na escola de Maria. Inspirem-se em seus ensinamentos. Procurem acolher e guardar dentro do coração as luzes que ela, por mandato divino, envia a vocês a partir do alto”» (N. 270)

                                                             Anotações para o retiro de 07 de maio de 2011
                                                             Padre Antonio F. da Silva



[1] G. Alberione, Via Humanitatis, Tip. Figlie di S. Paolo, Roma, dicembre 1959
[2] G. Alberione, Introduzione, in Stefano Lamera, Gesú Maestro Via Veritá e Vita, , EP, Alba, 1949.
[3] G. Alberione, Ut perfectus sit homo Dei, II 148-161
[4] G. Alberione, Ut perfectus sit homo Dei, II 156.
[5] G. Alberione, Maria: Discepola e Maestra, in San Paolo, Novembre-Dicembre 1959, pp. 1-10.
[6] G. Alberione, Maria: Discepola e Maestra, Id. p. 2.
[7] G. Alberione, Dedicazione del Santurario della Regina degli Apóstoli, in San Paolo, Novembre-Dicembre 1954, p. 3.
[8] G. Alberione, Maria Regina degli Apostoli, 1948, p. 18.
[9] Id., p. 34-35.
[10] Os ensinamentos sobre Maria podem ser encontrados especialmente nos números: 1, 37, 43, 99, 141, 261, 262, 265, 266-272, 274, 280, 300, 320, 364, 451, 524, 537, 553.




O ROSÁRIO, VÍNCULO SIMPLES E CONTINUO COM MARIA
NA VIDA DO BEM-AVENTURADO TIAGO ALBERIONE



A oração na qual o Pe. Alberione certamente mais se entreteve durante sua vida foi o rosário; seus últimos anos, sobretudo, foram praticamente uma longa e ininterrupta sequência de rosários. Durante a agonia não cessou de mover os lábios, estreitando o rosário entre os dedos. Na passagem para o repouso e na expectativa da ressurreição, leva nas mãos o terço, o instrumento mais querido de sua vida. Jamais se cansou de in-culcar aos filhos e filhas de suas congregações uma intensa prática do rosário. Escreveu várias vezes acuradas sugestões para a meditação cuidadosa e variada dos santos mistérios, com indicações do conteúdo e das intenções possíveis, para diversos níveis de orantes. Essas formulações encontram-se no livro das Orações da Família paulina, na coleção dos escritos “Carissimi in San Paolo” (CISP), pp. 1462ss; no 2° volume de “Haec meditare” (HM), pp. 168ss; e em “Brevi meditazioni per ogni giorno dell’anno”(BM), pp. 422ss. Apresentamos algumas alusões, entre as mais significativas, acerca do valor e do significado que ele atribuía a esta oração tradicional do filho de Maria.

424. Um grande segredo. — “Maria é nossa esperança. Espero que durante o mês de outubro todos sejam ainda mais fervorosos na devoção do rosário. A recitação inteira seja considerada sempre como grande meio de progresso e não menos grande segredo de alegria, força e luz. Que Maria forme outros Jesus em nós, conceda santos à congregação”.
CISP, 108

425. O terceiro lugar. — “Na palavra de João XXIII, o rosário ocupa o terceiro lugar. ‘Como exercício de devoção cristã — ele dizia — entre os fiéis da vida latina, que constituem notável porção da família católica, o rosário situa-se, para os eclesiásticos, logo depois da missa e do breviário e, para os leigos, depois da participação nos sacramentos (confissão e comunhão). É forma devota de união com Deus e de alta elevação espiritual’.
O rosário instrui e vivifica na fé, guia para a vida cristã, alcança graças espirituais e temporais para o indivíduo, para a sociedade e para a humanidade inteira”.
CISP, 1461

426. Uma coroa de louvor. — “Existirá devoção mais excelente do que esta? É uma coroa de louvor na qual a oração dominical, a mais bela oração, ensinada diretamente por Jesus Cristo, ocupa o primeiro lugar. Segue-se a ave-maria, tantas vezes repetida, oração que recorda à Virgem bendita os dois máximos privilégios, a saber, a Imaculada Conceição e a Maternidade divina. Toda ave-maria é, portanto, um louvor que deve elevar-se à Virgem como perfume suave. O Glória ao Pai, que fecha cada dezena de ave-marias, é ato de ação de graças à Trindade Santíssima pelo imenso benefício da encarnação e da redenção. Enfim, os mistérios sobre os quais se detém a meditação, são os acontecimentos mais importantes da vida de Jesus e de Maria, que nos recordam a redenção e a salvação e nos estimulam ao amor a Cristo e a sua Mãe e ao seguimento de seus exemplos. Aí está por que o rosário tem de ser de sumo agrado à Virgem”.
Feste di Maria, FdM, 179-80

427. Jesus e Maria unidos. — “Os mistérios relativos a Jesus entrelaçam-se tão perfeitamente com os atinentes a Maria, que demonstram de modo admirável a união entre Jesus e Maria, exatamente como Deus a quis. Nos mistérios do rosário consideramos todos os privilégios com os quais Deus exornou Maria Santíssima”.
Predicazione Regina Apostolorum, Pr RA, 181

428. Arma vital. — “Com o rosário está em vosso poder alcançar todas as graças de que precisais: portanto, ele será para vós uma oração que pode suprir muitas outras, sobretudo agora que se vos tornou difícil dispor regularmente de funções litúrgicas.
Intensa seja a vossa fé, pois ainda que vos achásseis num deserto, Cristo ali estaria; o que importa não é praticar esta ou aquela virtude, pois santifica-se quem pratica a caridade.
Feliz quem sabe amar a Jesus sem procurar satisfações, mas cumprindo tão-somente a vontade de Deus. A santidade é amor ao Senhor!
Mediante Nossa Senhora, o amor a Cristo fortifica-se. Estou persuadido de que se na paróquia se difundisse a prática do rosário e se vós mesmos fizésseis dele arma vital, surgiriam almas de escol.
Introduzir o costume do rosário significa assegurar a salvação eterna às almas, e se vós o recitardes bem suprireis a não poucas coisas.
Às almas devotas do rosário não falta sabedoria celeste, inocência e bom espírito.
Com o rosário florescerá vossa família, vereis reinar a paz, a concórdia e a observância religiosa; pedi com o rosário todas as graças necessárias para exercer bem o apostolado, sobretudo o catecismo. Necessitais de tantas coisas, de tudo; com o rosário, Nossa Senhora dar-vos-á tudo.
É vossa missão ajudar os párocos. Vasta e difícil tarefa! Dou-vos hoje a medida: quem de vós fará maior bem nas paróquias? Creio que aqueles que souberem recitar bem o rosário, com verdadeira devoção e meditação dos mistérios”.
Alla sorgente, SOR, 37

429. Oração para todos. — “Oração fácil, frutuosa para todos. Podem recitá-la a criança, o operário, o camponês, a jovem, o papa, meditando cada qual segundo a própria condição, instrução e piedade; ninguém, porém, nem mesmo os grandes doutores, conseguirá explorar toda a sabedoria e a piedade que encerra”.
BM, 394

430. Membros de um coro universal. — “Seja qual for a necessidade, quando e onde quer que seja, sempre é possível o recurso ao rosário pois é súplica universal, de cada alma, da comunidade, da Igreja, da humanidade inteira. Recitando-o a alma não se sente sozinha, mas integrada num coro universal”.
CISP, 1463

431. Intercâmbio mútuo. — “Recitemos o rosário uns pelos outros. Se virmos uma alma necessitada de graças, ofereçamos por ela um rosário. Recitemo-lo pelo mestre, para o ajudar, pois em razão do seu empenho necessita de muita graça.
Nós, que tanto pedimos aos superiores, que tanto recebemos deles, que tantos aborrecimentos lhes proporcionamos, não teremos nada para lhes retribuir? Se não soubermos como retribuir os sacrifícios a que se submetem por nós, recitemos por eles o rosário inteiro, e Maria conceder-lhes-á auxílios, graças que reverterão em nosso benefício, porque se tudo o que é dos pais pertence aos filhos, assim tudo o que é dos superiores pertence aos súditos”.
HM II, 181

432. Remédio adequado. — “Seja para nós o rosário escola daquelas virtudes necessárias para o nosso estado, daquelas virtudes que onstituem a vida religiosa.
A primeira praga que infesta a humanidade é a aversão às coisas humildes e simples; a segunda é o medo do sofrimento e o desejo e a procura do prazer. Foge-se constantemente da dor e da fadiga. Porém, aquele que foge do sofrimento jamais estará contente, porque encontrará sempre preparada uma cruz maior. Quem adquire o espírito de Jesus e de Maria, terá, sem dúvida, uma cruz semelhante à deles, mas a glória da vida eterna será proporcional ao sacrifício.
A terceira causa por que sofre a humanidade é o esquecimento dos bens eternos e a procura desenfreada dos bens terrenos.
Armados do rosário, não perderemos a coragem. Avante!”
HM II, 176-77

433. Linguagem completa. — “O rosário é oração de grande fecundidade, graças aos elevados sentimentos que suscita na alma; nele encontramos a linguagem da humildade, da dor, do amor e da glória”.
HM II, 172

434. Linguagem do amor. — “O rosário é a linguagem do amor. Lacordaire diz que o amor só conhece a expressão ‘Eu te amo’, expressão que jamais envelhece, repetida continuamente, adquire sempre novas inflexões.
A expressão de que dispomos para demonstrar nosso amor a Maria é ‘Ave, Maria’.
Deus não encontrou expressão mais bela e mais rica, que melhor exprimisse amor a Maria, e ela deve, portanto, ser também a expressão de nosso amor para com ela.
Quando duas almas se amam, as palavras são supérfluas, basta uma palavra, um olhar, pois o coração fala ao coração, e nosso coração falará ao de Maria se pronunciarmos com amor e respeito a saudação do mensageiro celeste: ‘Ave, Maria!’“
HM II, 173-174

435. Oração monótona? — “Há quem julgue o rosário oração monótona, cansativa para quem o recita e para quem deve ouvi-lo, isto é, Maria Santíssima. Esses não compreendem o que é o rosário e fazem dele nada mais do que uma ladainha de pai-nossos e ave-marias. Essa teoria é erro não pequeno, pois o rosário não cansa, sendo oração de grande beleza e variedade, mudando o assunto da meditação a cada dez ave-marias e, se for bem meditado não será suficiente o tempo entre uma dezena e outra, pois cada mistério encerra tantos temas para a reflexão, tantos pensamentos, e de tal modo atrai até a curiosidade, pelas grandezas que contém, que não pode haver margem para aborrecimentos e cansaços.
Cansar-se-á Nossa Senhora de ouvi-lo? Seria até insulto pensar desta maneira, posto que foi ela mesma que o ensinou e quis que fosse difundido!”
HM, 170-171

436. Primeiro fruto do rosário. — “O verdadeiro conceito da vida é o primeiro fruto do rosário. Saídos das mãos de Deus, estamos na terra para uma prova, depois da qual voltaremos a Deus, nosso fim.
O homem foi criado por e para Deus. A vida presente é preparação do espírito, da vontade, do coração e do corpo para o céu; nossa morada definitiva é a eternidade; salvos para sempre junto a Deus, ou condenados para sempre no inferno”.
CISP, 583

437. Quantos rosários devemos recitar? — “Recitar o rosário. Quantos? A medida é dada pela devoção de cada um; alguns recitam muitos, outros menos; aqueles, porém, que a terços somam terços, encontrá-los-ão na hora da morte, quando deixaremos tudo, o rosário, porém, não”.
Pr RA, 125

438. Escolha livre de intenções e formas. — “Vosso rosário deve ser qualificado com caráter especial. A Pia Discípula assumirá na meditação o assunto que mais lhe convier.
         No rosário visamos à consideração de uma verdade, à prática de uma virtude e à petição de uma graça. Em cada mistério.
         Sejam vossos rosários tais que levem a inteligência a conhecer, a vontade a praticar, o coração a amar a Deus e a unir-se a ele.

         Ao recitar o rosário em público ou com crianças, convém anunciar o mistério por inteiro, como se acha no livro das Orações da Casa. Tratando-se, porém, de pessoas adultas, somente de religiosas, bastará enunciar o mistério e deixar a cada qual a liberdade de fazer as considerações preferidas.
          O sacerdote tomará de bom grado Jesus para assunto da meditação no rosário, considerando, por exemplo, Jesus Messias no primeiro mistério gozoso, Jesus vida no segundo, Jesus caminho no terceiro, Jesus sacerdote eterno no quarto etc, referindo-se sempre a títulos de Jesus.
          A alma particularmente devota da Virgem Santíssima seguirá com proveito Maria no rosário, meditando seus privilégios, Maria medianeira da graça, Maria Mãe de Deus, modelo de toda virtude, o coração de Maria etc.
          Seguem-se os frutos do rosário: no primeiro mistério gozoso, a humildade; no segundo, a caridade para com o próximo; no terceiro, a pobreza; no quarto, a obediência; no quinto, o ódio ao pecado etc.
          Há as intenções sobre as quais refletir: pelos infiéis, pelas mães, pelas crianças, pelos sacerdotes, pelos que ensinam etc.
          Existem as expressões ou frase: ‘Ave, Maria, cheia de graça; Feliz tu que acreditaste; Paz na terra aos homens; Eis que está posto como sinal de contradição. Devo ocupar-me das coisas de meu Pai’.
          O penúltimo assunto da meditação, o rosário e a eucaristia, deveis fazê-lo vosso de modo particular. É o rosário da discípula — apóstola da eucaristia. Aprendam a recitação do rosário e sejam dele apóstolas. Meditem cada mistério à luz do tabernáculo”.
Ipsum audite, IA I, 60-62

439. Rosário para as lutas apostólicas — “Vos que com tanto zelo trabalhais em apostolados diversos, tomai Maria por guia, luz e conforto. Não vos priveis de ajuda tão poderosa, combatendo sozinhos contra inimigos sempre mais atrevidos e astutos. Ponde toda confiança em Maria. Não empreendais a luta sem a arma do rosário; com ele vosso zelo ganhará em sobrenaturalidade, prudência e forza conquistadora.
          Vós que quereis levar todos ao Senhor, à salvação eterna, implantai verdadeira devoção a Maria em toda alma, em toda família, região, na Igreja, no mundo inteiro. Repetir-se-á então em todas essas ocasiões o que sucedeu aos primeiros que buscaram Jesus Cristo: pastores e magos encontraram o Menino nos braços de Maria”.
CISP, 582



RETIRO MENSAL – 09 DE ABRIL/2011

“SOU TALVEZ EU, SENHOR?” *

1. A Paixão e o Sudário

A Paixão de Cristo é o objeto absolutamente mais tratado na arte ocidental. Basta pensar nas numerosas representações, em pintura e em escultura, de Jesus no Getsêmani, do Ecce homo, da crucificação, as famosas deposições da cruz, da “pietá”. Em nosso mundo secularizado, a arte permaneceu como uma das poucas formas de evangelização que penetra também no ambiente fechado a toda outra forma de anúncio. Uma moça japonesa se converteu e recebeu o batismo estudando arte em Florença.
Nenhuma representação artística da Paixão, porém, exerceu e exerce em todo tempo um fascínio comparável ao do Sudário. Não importa, de nosso ponto de vista, saber se o Sudário é “autêntico” ou não, se a imagem foi formada naturalmente ou artificialmente, se é somente um ícone ou também uma relíquia. O mais certo é que essa é a representação mais solene e mais sublime da morte que os olhos humanos contemplaram. Se um Deus pode morrer, este é o modo inadequado de representar sua morte.
As pálpebras abaixadas, os lábios juntos, os traços compostos do rosto: mais que um morto, tudo leva a pensar em um homem imerso em profunda e silenciosa meditação. Parece a tradução em imagem da antiga antífona do Sábado Santo: “Minha carne repousa na paz”. Também a antiga homilia sobre o Sábado Santo que se lê no Ofício das leituras adquire uma força particular lida diante do Sudário: “O que está acontecendo hoje? Grande silêncio e por isso solidão. Grande silêncio porque o Rei está dormindo...”
A teologia diz-nos que à morte de Cristo sua alma separou-se do corpo como em todos seres humanos que morrem, mas sua divindade permanece unida seja à alma, seja ao corpo. O Sudário é a mais perfeita representação deste mistério cristológico. Aquele corpo é separado da alma, mas não da divindade. Algo de divino alivia seu rosto martirizado, mas pleno de majestade do Cristo do Sudário.
Para se dar conta, basta comparar o Sudário com outras representações do Cristo morto feito pelas mãos de artistas humanos, por exemplo, o Cristo morto de Mantegna e mais ainda aquele de Holbein, o Jovem, no Museu de Basiléia, que representa o corpo de Cristo em toda a rigidez da morte e a incipiente decomposição dos membros. Diante desta imagem — dizia Dostoievski, que a tinha contemplado bastante em sua viagem — pode-se facilmente perder a fé (F. Dostoievski, O Idiota, Parte II, iv); diante do Sudário, ao contrário, pode-se encontrar a fé, ou reencontrá-la se foi perdida.
O rosto de Cristo do Sudário é como um limite, uma parede que separa dois mundos: o mundo dos homens pleno de agitação, de violência e de pecado, e o mundo de Deus, inacessível ao mal. É uma praia sobre a qual quebram todas as ondas. Como se, em Cristo, Deus dissesse à força do mal isto que no livro de Jó diz ao oceano: “Até aqui chegarás e não passarás: aqui se quebrará a soberba de tuas vagas” (Jó 38,11).
Diante do Sudário podemos rezar assim: “Senhor, fazei de mim o teu sudário. Quando deposto novamente da cruz, vinde em mim no sacramento de vosso corpo e de vosso sangue, que eu vos envolva com minha fé e o meu amor como em um sudário, de modo que os vossos contornos imprimam-se em minha alma e deixem também nela um traço indelével. Senhor, fazei do áspero e bruto tecido da minha humanidade o teu sudário!”

2. A Paixão da alma do Salvador

Nesta meditação, levemo-nos mentalmente ao Calvário. Os evangelistas reúnem o evento mais perturbador da história do mundo em três palavras: “e o crucificaram” (Marcos e Mateus), “ali o crucificaram” (Lucas), “para crucificá-lo” (João). Os leitores aos quais eram dirigidos estes textos sabiam bem o que reuniam estas palavras; nós não, devemos buscá-lo em outras fontes. Também estas, porém, são estranhamente reticentes; o suplício da cruz era considerado assim terrificante que se devia ficar longe, “não só para os olhos, mas também para os ouvidos de um cidadão romano”[a dizer de Cícero]. Não se devia falar entre as pessoas de bem.
O condenado podia ser ou ligado com cordas aos pulsos ou fixado com pregos à cruz. A menção das feridas nas mãos e nos pés do Ressuscitado afirma que para Jesus foi adotado o segundo modo, pregado à cruz, e se pode facilmente imaginar o sofrimento que isto comportava.
Diversas teorias foram propostas sobre a causa física imediata da morte de Jesus: enfarto, asfixia. A mais recente indica na desidratação e na perda de sangue a explicação médica mais plausível da morte de Cristo.
Mas, bem mais profunda e dolorosa que a paixão do corpo, foi aquela da alma de Cristo. Esta tem diversas causas. A primeira é a solidão. Os evangelhos insistem muito sobre o progressivo abandono de Jesus na sua Paixão: por parte da multidão, dos discípulos e, por fim, do próprio Pai: “e me deixareis sozinho” (Jo 16,32); “Então todos os discípulos, abandonando-o, fugiram” (Mt 26,56; Mc 14,50).
A solidão de Cristo é impressionante, sobretudo no episódio do Getsêmani, quando ele se aproxima repetidamente e convida aqueles que lhe estão próximos. Para exprimir a angústia desse momento, Marcos e Mateus usam o verbo ademonein. Em grego a letra a- no início de uma palavra indica ausência, provação; demonein tem a mesma raiz de demos, povo, e de democracia. A idéia subjacente é, portanto, aquela de um homem lançado fora da convivência humana, uma espécie de terror solitário, como alguém que se encontra projetado em um ponto remoto do universo onde, se ele gritar, sua voz perde-se em um vazio sideral.
A solidão encontra seu cume sobre a cruz quando Jesus, na sua humanidade, se sente abandonado, por fim, pelo Pai: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste? Isto não foi um grito de desconforto e de desespero, como algumas vezes se pensou. Se os evangelistas o tivessem considerado assim, não teriam feito depender disso a confissão de fé do centurião romano: “Verdadeiramente, este era o Filho de Deus!” (Mt 27,54; Mc 15,39). Nenhuma tentativa impede de pensar que os evangelistas tenham interpretado o grito de Jesus, à luz do salmo citado, como expressão de extrema solidão e abandono que Jesus experimenta neste momento em sua humanidade.
Aquilo que o apóstolo Paulo sugere como a suprema renúncia e sofrimento possível ao mundo, “tornar-se anátema, separado de Cristo, em benefício de seus irmãos de sangue” (cf. Rm 9,1), Cristo sobre a cruz, de fato, experimentou em relação a Deus. Ele se tornou o ateu, o sem Deus, para que os homens pudessem retornar a Deus. Há, de fato, um ateísmo ativo, culpável, que consiste na rejeição de Deus, e há um ateísmo passivo, de pena e de expiação, que consiste no ser rejeitado, ou sentir-se rejeitado por Deus. É necessário interrogar os místicos que partilharam em pequena parte a noite escura de Cristo, última entre eles, Madre Teresa de Calcutá, para saber quanto é dolorosa esta forma de ateísmo... [Cf. Pe. Pio, Sta. Teresinha]
Outro aspecto da Paixão interior de Cristo é a humilhação e o desprezo. “Desprezado e rejeitado pelos homens... maltratado, deixou-se humilhar (Is 53, 3.7). Assim havia predito Isaías e assim aconteceu. Do momento da prisão até na cruz existe um crescer de desprezo, insultos e escárnios em torno da pessoa de Cristo. “Revestiram-no de púrpura e depois trançaram uma coroa de espinhos, puseram-na sobre a cabeça. Começaram depois a saudá-lo: Salve, rei dos Judeus! E batiam em sua cabeça com um caniço. Cuspiam nele e, de joelhos, adoravam-no. Depois lhe arrancaram a púrpura e lhe repuseram suas vestes, e o conduziram para fora para crucificá-lo” (Mc 15,17-20). Sob a cruz, “os sumo sacerdotes, escarnecendo-o com os escribas e os anciãos, diziam: Salvou os outros, não pode salvar a si mesmo” (Mt 27,41s.). Jesus é o vencido. Todos os inumeráveis “vencidos” da vida têm alguém que pode entendê-los e ajudá-los.
Mas a paixão da alma do Salvador tem uma causa agora mais profunda que a solidão e a humilhação. No Getsêmani, ele pede para que seja afastado dele o cálice (cf. Mc 14,36). A imagem do cálice evoca quase sempre, na Bíblia, a ideia da ira de Deus contra o pecado (cf. Is 51,22; Sl 75,9; Ap 14,10).
No início da Carta aos Romanos São Paulo estabeleceu um fato que tem valor de princípio universal: “A ira de Deus revela-se do céu contra toda impiedade” (Rm 1,18). Onde há o pecado, não pode não se dirigir o juízo de Deus contra isso, de outra forma, Deus estaria comprometido com o pecado e cairia a própria distinção entre o bem e o mal. A ira de Deus é a mesma coisa que a santidade de Deus. Ora, Jesus no Getsêmani é a impiedade, toda a impiedade do mundo. Ele, escreve o Apóstolo, é o homem “feito pecado” (2Cor 5,21). É contra ele que “se revela” a ira de Deus. A infinita atração que existe pela eternidade entre Pai e Filho é atravessada ora por uma repulsão tanto quanto infinita entre a santidade de Deus e a malícia do pecado e isto é “beber o cálice”.

3. “Sou talvez eu, Senhor?”

É o momento agora de passar da contemplação da Paixão à nossa resposta a ela. No início foi lembrado o papel desempenhado pela arte ao tratar a Paixão de Cristo. Junto à pintura e à escultura, é necessário recordar com gratidão também a música. Para muitas pessoas, dentro e fora do cristianismo, a Paixão segundo São Mateus, de Bach, é o único trâmite de conhecimento da Paixão de Cristo. Um trâmite diante do qual é difícil permanecer totalmente neutro e alheio. À narração dos fatos (recitativos), alterna-se nessa a meditação (as árias), a oração (corais), o impulso do coração; tudo que penetra nos sentidos e na alma pela sugestão de uma música que toca aqui um de seus vértices mais sublimes.
É difícil ouvir a Paixão segundo S. Mateus de Bach e não ficar profundamente comovidos. Ao anúncio da traição, todos os apóstolos perguntam a Jesus: “Sou talvez eu, Senhor?” Antes, porém, da resposta de Cristo, anulando toda distância entre o evento e sua recordação, Bach faz intervir o devoto cristão de hoje que grita sua confissão: “Sim, sou eu, eu o traí!”.
Esta interpretação é profundamente bíblica. O kerigma, o anúncio, da paixão é formado sempre por dois elementos: de um lado um fato — “padece”, “morre” —, e do outro lado a motivação do fato — “por nós”, “pelos nossos pecados”. Foi levado à morte — disse o Apóstolo — “pelos nossos pecados” (Rm 4,25); morre “pelos ímpios”, é morto “por nós” (Rm 5,6.8).
A Paixão nos parece inevitavelmente estranha, de modo que ali não se entra através daquela portinha estreita do “por nós”. Conhece verdadeiramente a paixão só aquele que reconhece que essa é também sua obra. Sem isto, o resto é divagação. Quem sou eu? Sou o Judas que trai, Pedro que nega, a multidão que grita “Barrabás!”. Toda vez que preferi minha satisfação, meu conforto, minha honra à de Cristo realizou-se isto. Pe. Primo Mazzolari, em um memorável discurso para a Sexta-Feira Santa, não se enganou em falar de “nosso irmão Judas”.
Se Cristo morreu “por mim” e “por meus pecados”, agora quer dizer que eu matei Jesus de Nazaré, que os meus pecados o esmagaram. É aquilo que Pedro proclama com força aos três mil espectadores, no dia de Pentecostes: “Vós matastes Jesus de Nazaré!”, “Vós acusastes o Santo e o Justo!” (cf. At 2,23; 3,14).
Aqueles três mil não estiveram todos presentes sobre o Calvário a bater os pregos e nem diante de Pilatos pedindo que fosse crucificado. Poderiam ter protestado, mas aceitam a acusação e dizem aos apóstolos: “Que devemos fazer, irmãos?” (At 2,37). O Espírito Santo “convenceu-os do pecado”, usando para isso um simples raciocínio: se o Messias morreu pelos pecados de seu povo e eu cometi um pecado, eu matei o Messias.
Está escrito que no momento da morte de Cristo “o véu do templo rasgou-se em dois de cima abaixo, a terra fendeu, as rochas despedaçaram-se, os sepulcros abriram-se e muitos corpos dos santos mortos ressuscitaram” (Mt 27,51s.). Destes sinais se dá, normalmente, uma explicação apocalíptica (linguagem simbólica para descrever o evento escatológico), mas esses tiveram também um significado parenético, isto é, indicam aquilo que deve vir no coração de quem lê e medita a Paixão de Cristo. Escreve S. Leão Magno: “Treme a natureza humana frente ao suplício do Redentor, espedaçam-se as rochas dos corações infiéis e aqueles que estavam fechados nos sepulcros de sua mortalidade saíram para fora, rolando a pedra que pesava sobre si” (S. Leão Magno, Sermo 66, 3 - PL 54, 366).
Estamos juntos no ponto no qual devemos recolher o fruto de toda nossa meditação da Paixão. A Bíblia explicou o sentido profundo da palavra metanoia, conversão, como uma transformação de coração: “Criai em mim, ó Deus, um coração novo”, “Rasgai os corações, não as vestes” (Gl 2,23). Também a conversão da multidão que escutou o discurso de Pedro é expressa mediante a imagem do coração: “Sentiram penetrar o coração” (At 2,37).
Toda conversão supõe um movimento, uma passagem de um estado a outro, de um ponto de partida a um ponto de chegada. O ponto de partida, o estado do qual se deve sair, é para a Escritura aquele da dureza do coração: “Então os entreguei ao seu coração endurecido: que sigam seus próprios caminhos” (Sl 80,13), “Pela dureza do vosso coração Moisés vos permitiu repudiar vossas mulheres” (Mt 19,8), “entristecido pela dureza de seus corações” (Mc 3,5), “Reprovar-te-ei pela própria incredulidade e dureza de coração” (Mc 16,14), “Com a sua dureza e o seu coração impenitente acumula cólera sobre você” (Rm 2,5).
Em toda a Bíblia, mais especialmente no Novo Testamento, o coração indica a sede da vida interior, em contraste com a aparência exterior: “O homem guarda a aparência, o Senhor guarda o coração” (1Sam 16,7). O coração é o eu profundo do homem, sua própria pessoa, em particular sua inteligência e vontade. É o centro da vida religiosa, o ponto no qual Deus volta-se ao homem e o homem decide sua resposta a Deus.
Compreende-se agora o que representa para a Sagrada Escritura a dureza do coração: a rejeição de submeter-se a Deus, de amá-lo com todo o coração, de obedecer à sua lei. O termo sclerocardia, criado pela Bíblia, é significativo. O coração duro é um coração esclerosado, enrijecido, impermeável a toda forma de amor que não seja amor a si mesmo. As imagens usadas pela Escritura são aquelas do “coração de pedra” (Ez 36,26), do “coração incircunciso” (Jr 9,26), da “dura cerviz” (Dt 31,27).
O ponto de chegada da conversão é descrito, coerentemente, com as imagens do coração contrito, ferido, dilacerado, circunciso, do coração de carne, do coração novo: “Um espírito contrito é sacrifício a Deus, um coração contrito e humilhado, Deus, vós não desprezais” (Sl 51,19); “Sobre quem dirigirei o olhar? Sobre o humilde e sobre quem tem o espírito contrito e sobre quem teme minha palavra” (Is 66,2); “Podemos ser acolhidos com o coração contrito e com o espírito humilhado” (Dn 3,39).

4. “Estou à porta e bato”

Como se opera esta transformação do coração? É necessário distinguir duas situações. Quando se trata de primeira conversão, da incredulidade à fé, ou do pecado à graça, Cristo está fora e bate na parede do coração para entrar; quando se trata de sucessivas conversões, de um estado de graça a um mais elevado, da tibieza ao fervor, ocorre o contrário: Cristo está dentro e chama às paredes do coração para sair!
Explico-me melhor. No batismo, recebemos o Espírito de Cristo. Ele permanece em nós como em seu templo (1Cor 3,16), até que não seja expulso daí pelo pecado mortal. Mas pode acontecer que este Espírito termine por ser como que aprisionado e cercado pelo coração de pedra que se lhe forma ao redor. Não tem a possibilidade de expandir-se e permear por si as faculdades, as ações e os sentimentos da pessoa. Quando lemos a frase de Cristo no Apocalipse: “Eis que estou à porta e bato” (Ap 3,20), devemos entender que ele não bate de fora, mas de dentro; não quer entrar, mas sair.
O Apóstolo diz que Cristo deve ser “formado” em nós (Gl 4,19), isto é, desenvolver-se e receber sua plena forma; é este desenvolvimento que é impedido pelo coração de pedra. Às vezes se veem nos lados das estradas grandes árvores cujas raízes aprisionadas pelo asfalto lutam para expandir-se, elevando em trechos o próprio cimento. Assim devemos imaginar que é o reino de Deus dentro de nós: uma semente destinada a criar uma árvore majestosa sobre a qual pousam as aves do céu, mas que se lhe custa muito trabalho desenvolver-se pela resistência de nosso egoísmo.
Existem, obviamente, graus diversos nesta situação. Na maioria das almas empenhadas em um caminho espiritual Cristo não é aprisionado dentro de uma couraça, mas por assim dizer em liberdade vigiada. É livre para mover-se, mas dentro de limites bem precisos. Isto ocorre quando tacitamente se lhe diz o que pode pedir e o que não pode pedir. Rezar sim, mas sem comprometer o sono, o repouso, a sadia informação, a novela... Obediência sim, mas que não se abuse de nossa disponibilidade; castidade sim, mas não até o ponto de privar-se de qualquer espetáculo relaxante... Em suma, o uso de meias medidas.
Na história da santidade o exemplo mais famoso da primeira conversão, do pecado à graça, é Santo Agostinho; o exemplo mais instrutivo da segunda conversão, da tibieza ao fervor, é Santa Teresa de Ávila. Pode ser que aquilo que ela diz de si mesma na vida seja exagerado e ditado pela delicadeza de sua consciência, mas pode servir a nós para um útil exame de consciência. “De passatempo em passatempo, de vaidade em vaidade, de ocasião em ocasião, comecei a colocar novamente em perigo a minha alma... As coisas de Deus davam-me prazer e não sabia desvincular-me das do mundo. Quero conciliar estes dois inimigos entre si tão contrários: a vida do espírito com os justos e os passatempos dos sentidos”.
O resultado deste estado era uma profunda infelicidade na qual podemos reconhecer também a nossa: “Passei quase vinte anos neste mar tempestuoso. Caio e me levanto, e me levanto tão mal que torno a cair. Estava assim em vida tão baixa de perfeição que não fazia quase mais conta dos pecados veniais, e não temia os mortais como deveria, porque não me separava dos perigos. Posso dizer que minha vida era das mais penosas que se possa imaginar, porque não gozava de Deus, nem me sentia feliz no mundo. Quando estava nos passatempos mundanos, o pensamento daquilo que devia a Deus me fazia transcorrer com pena; e quando era com Deus, via-me a me incomodar com os afetos do mundo” (S. Teresa d’Ávila, Vita (Vida), cc. 7-8).
Foi justamente a contemplação da Paixão a dar a Teresa o impulso decisivo à mudança. Eis como a santa descreve o momento de sua “conversão”: “Entrando um dia no oratório, os meus olhos pousaram sobre uma imagem que ali estava colocada, por ocasião de uma solenidade que se devia celebrar no monastério. Mostrava uma imagem de nosso Senhor coberto de chagas, ao vê-la me senti inteiramente abalada porque representava realmente o quanto ele tinha sofrido por nós: tinha tal dor no pensamento da ingratidão com que respondia àquelas chagas, era como se meu coração se partisse. Ajoelhei-me aos seus pés derramando muitas lágrimas, suplicando-lhe para dar-me forças para não ofendê-lo mais. Disse-lhe que não me levantaria de seus pés enquanto que não me concedesse aquilo que lhe pedia. Certamente ele me deve ter escutado, porque de agora em diante tenho melhorado muito” (Ib. 9, 1-3). Hoje sabemos até que ponto continuou melhorando!

5. “Quanto a mim, não haja motivo de vaidade...”

Está escrito que, naquele dia, “a multidão, pensando em tudo o que tinha acontecido, voltou para casa batendo no peito” (Lc 23,48). Assim queremos fazer também nós, regressando a nosso trabalho depois de ter estado com Jesus no Calvário. Uma vez passados por nosso pequeno “terremoto” espiritual, vemos a cruz e a morte de Cristo mudar completamente de sentido e, de causa de acusação e motivo de medo e de tristeza, transformar-se em motivo de gozo e de segurança. O “por nós”, por nossa causa, transforma-se “em nosso favor”. A cruz surge agora como a vantagem e a glória, isto é, na linguagem paulina, como uma jubilosa segurança, acompanhada de comovida gratidão, à qual o homem se alça na fé e que se exprime no louvor e na ação de graças.
Podemos abrir-nos sem temor para aquela dimensão gozosa e pneumática, na qual a cruz não surge mais como “loucura e escândalo”, mas, ao contrário, “poder de Deus e sabedoria de Deus”. Podemos fazer dela nosso motivo de constante certeza, prova suprema do amor de Deus por nós, tema inexaurível de anúncio e, — sem nenhuma arrogância, mas com profunda humildade —, dizer com o Apóstolo: “Quanto a mim, não haja motivo de vaidade senão na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo!” (Gl 6,14).
No momento em que, de muitas partes, pressiona-se para remover o crucifixo das salas de aula e dos lugares públicos, nós cristãos, devemos mais ainda fixar às paredes de nosso coração. Iniciamos esta meditação pedindo a Jesus para fazer de nossa alma seu sudário. A Maria pedimos que ajude a realizar este programa com as palavras do Stabat Mater: “Santa Mãe, fazei que as chagas do Senhor sejam impressas em meu coração.

Notas

*Pe. Raniero Cantalamessa, Franciscano Capuchinho, foi ordenado sacerdote em 1958. Doutor em teologia e em literatura, foi professor de história das origens cristãs na Universidade Católica de Milão e diretor do Instituto de Ciências Religiosas. Membro da Comissão Teológica Internacional de 1975 até 1981. Em 1977 deixou o ensino acadêmico para dedicar-se inteiramente ao serviço da Palavra de Deus. Em 1980 foi nomeado Pregador da Casa Pontifícia. Por causa dessa missão, todos os anos pregou em cada semana durante a Quaresma e o Advento na presença do Papa, dos cardeais, dos bispos da Cúria Romana e dos superiores das ordens religiosas. Esta homilia é a terceira pregação da Quaresma de 2006, sob o título: «AS ROCHAS DESPEDAÇARAM-SE».

[Tradução do original realizada por Zenit]


RETIRO MENSAL – 12 DE MARÇO/2011

4. O MAGISTÉRIO DE JESUS (quaresma)
Bem-aventurado Tiago Alberione

     A Quaresma divide-se em duas partes: a primeira que se diz propriamente Quaresma, que vai do dia das Cinzas até o domingo da Paixão. E a segunda parte que se chama tempo de Paixão, isto é, do domingo de Paixão até o domingo de Páscoa.
     Na primeira parte, isto é, das Cinzas até o domingo da Paixão, de modo especial concentramos o nosso pensamento, a nossa fé, no magistério de Jesus Cristo. E do domingo da Paixão até à Páscoa, na sua paixão e morte de cruz, para dar lugar, depois, à alegria pascal.
     Por isso, nestas quatro semanas:
A nossa devoção a Jesus Mestre, venerando o seu magistério público, o seu ensinamento para o qual Ele havia se preparado, para o qual tinha vindo do céu para amestrar os homens nas verdades sobrenaturais, na doutrina moral de aperfeiçoamento, doutrina de amor, e para estabelecer o novo culto, isto é, substituir, à Sinagoga, a liturgia cristã, quando instituiu os sacramentos.
     Jesus empregou aqueles três anos em ir de região em região, na terra santa, Palestina, pregando, voltando onde já havia passado para confirmar a doutrina já transmitida, incansavelmente.
     O seu magistério compunha-se de três partes. Ou seja:
dar ao mundo aquilo que o Pai queria, isto é: revelar, dar a conhecer o Pai celeste, tornar conhecidos os mistérios da redenção. Jesus deu a conhecer sobretudo o caminho de perfeição. Confirmou, sim, os mandamentos, mas deu também os conselhos evangélicos, para quem deseja escutar o convite: “Se queres ser perfeito....” (Mt 19,21).
     Ora, o magistério de Jesus Cristo foi admirável e nós temos a obrigação de ser agradecidos a Jesus Mestre, que é Mestre enquanto é Caminho, Verdade e Vida (Jo 14,6). Um Mestre singular, diferente de todos os demais, um Mestre que é tal por natureza. Portanto: “Um é o vosso Mestre” (Cf 23,8), Ele é um só, enquanto que Ele, antes fazia o que queria ensinar, e depois ensinava, e depois dava a graça. E dá a graça para que nós possamos, de uma parte, crer e, de outra parte, seguir os seus exemplos. Mestre único. “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem, pois o sou” (Jo 13,13). E aqueles que o escutavam lhe deram espontaneamente o título de Mestre... ouvindo aquilo que Ele pregava. A sua pregação tão sábia, tão alta, tão humilde, tão atual para todas as classes de pessoas. “Sabemos que tu vieste como Mestre para os homens, pois ninguém poderia fazer aquilo que tu fazes sem ter Deus consigo” (Jo 3,2).
     Agora é o tempo de venerar o Mestre, sim. Especialmente as irmãs de Jesus Mestre são chamadas a sentir a preciosidade deste tempo, a encontrar-se como no centro de suas vidas e no centro do tempo a ser consagrado a Jesus Mestre. Sim, há outras datas e outros tempos, mas este é o tempo por excelência. Venerar o Mestre Divino que depois estabeleceu sua morada nos tabernáculos e permanece conosco.
     Oh, então, neste mês o que é preciso fazer? Digo mês, só aproximadamente, aliás, nestas quatro semanas.
     Em primeiro lugar, conhecer o Mestre. É preciso ler, especialmente neste tempo, o santo Evangelho, a vida de Jesus Cristo. É útil, pelo menos uma vez, ler uma vida de Jesus Cristo um pouco ampla, porque então se pode orientar melhor no conhecimento do Evangelho. Depois, um comentário, que coligue o texto do Evangelho com a doutrina cristã e com a moral cristã e com o culto cristão. Portanto, um comentário que mostre como a doutrina da Igreja e a moral da Igreja e o culto da Igreja derivam do Evangelho mesmo – derivam do Evangelho mesmo. Os comentários devem levar-nos a entender a palavra do Senhor e aplicá-la, tirar as conclusões para a nossa vida.
     Portanto, depois de ter lido o Evangelho e o catecismo e os livros litúrgicos, fazer atos de fé no Mestre Divino, aceitar todo o seu ensinamento, tanto quando nos fala do paraíso, como quando nos fala de carregar a cruz; tanto quando Ele nos conquista a Ele, atrai-nos a Ele com a sua ternura, com o encanto da sua graça, como quando Ele anuncia as bem-aventuranças: “Bem-aventurados os pobres, bem-aventurados aqueles que sofrem...” (Cf Mt 5,3ss). Não é fácil fazer um ato de fé pleno. Por exemplo, ao confiarmos na Providência, não é tão fácil. Dizê-lo com as palavras, sim, mas senti-lo e viver segundo a doutrina íntima, o sentido íntimo das palavras de Jesus.... Portanto precisamos pedir ao Senhor um aumento de graça, um aumento de fé, um aumento de fé, para que a nossa vida seja conformada à sua. E não é fácil praticar a pobreza, em certas ocasiões. Contudo, fez-se o voto. E então precisamos da graça.  Então, neste tempo: conhece o teu Mestre. A primeira lembrança e a primeira prática de piedade, endereçadas ao Mestre Divino.
     Segundo: imita o Mestre. Como fez Ele, assim façamos também nós. Quando diz: “e segue-me” (Mt 19, 21), “se queres ser perfeito, deixa tudo, vem e segue-me” (Mt 19,21), o quê significa? Significa, sim, acreditar na sua Palavra, mas significa especialmente: vive como eu vivi, como eu vivo.
     Então, como viveu Jesus? Nasce pobre, trabalha muitos anos numa profissão humilde, escondido. Não, Ele mostrou-se, note-se em primeiro lugar, não se mostrou imediatamente, mas só depois de muitos anos de vida escondida, humilde, uma vida cansativa.
     A vida religiosa nunca pode ser ociosa, nunca; não há tempo para se perder, nunca. Oh, portanto, seguir Jesus. Quando se faz o exame de consciência, comparar a nossa vida à vida de Jesus. Portanto, perguntar-nos: como viveu Jesus? Suponhamos, a respeito da obediência, a respeito da humildade, a respeito da ternura, a respeito da bondade, a respeito do trabalho, a respeito da vida doméstica, etc. Contemplada a perfeição de Jesus com o exame de consciência, nós experimentamos a comparar-nos a Ele e então certamente nós saberemos quanto ainda estamos longe da sua perfeição e santidade. “Segue-me”. Mas te sigo de longe, Jesus, muito de longe. E então, o ato de arrependimento, o propósito, o desejo vivo e a oração fervorosa.
     Quando Jesus foi capturado no Getsêmani, amarrado, e estava sendo levado ao tribunal hebraico para ser, não julgado, mas condenado, Pedro, então era ainda imperfeito sequebantur eum a longe: o seguia de longe (Mc 14,54). Antes havia dito que estava disposto a ir morrer com Ele (Cf Mt 26,35), mas depois o seguia de longe e, enfim, o renegou. Isto quando era ainda imperfeito, quando sentia no coração um verdadeiro amor por Jesus, mas ainda não tinha a coragem, não era um amor forte.
     Não seja um amor feito somente de palavras, nem uma sensibilidade interna, mas seja verdadeiro amor, “amor forte como a morte” (Ct 8,6), dispostos a aceitar a nossa morte, os sofrimentos e também as maledicências, a desestima dos homens, o sacrifício. “Segue-me”. Portanto, por segunda coisa: imitação de Jesus.
     E terceiro: a oração a Jesus. Oração que especialmente se faz na Missa e se faz na comunhão e se faz na adoração, sim.
     Na Missa, em que nós pedimos a graça de uniformar sempre a nossa vontade à vontade do Senhor, como Ele se abandonou à vontade do Pai. O sacrifício da Missa é o centro na consagração, isto é, tem o centro, quando o Filho aceita a cruz, aceita a morte e morre de fato sobre a cruz e: In manus tuas, Domine, commendo spiritum meum (Cf Mt 26,35). O sacrifício consiste no uniformar a vontade nossa à vontade do Senhor. Conformar a nossa vontade à vontade do Senhor significa colocar-se no caminho de Deus, no caminho da santidade, no caminho que leva diretamente ao céu, sim. E uniformidade da nossa vontade com a do Senhor, que então nos pede o sacrifício da vida, como Jesus fez: “Nas tuas mãos entrego o meu espírito”.
     Na Missa e na comunhão. É na comunhão que se estabelece, então, definitivamente o coração com Jesus, em Jesus, no coração de Jesus, de tal modo que sejam uniformes os batidos do nosso coração com os batidos do coração de Jesus, sim, como um só coração. O coração de Cristo era o coração de Paulo, assim, havia no coração de Paulo o mesmo amor, havia os mesmos desejos, as mesmas aspirações que no coração de Jesus.
     E depois na adoração, na adoração suplicar o Senhor Jesus que nos dê uma fé mais viva e nos dê uma força maior para segui-lo. Aumento de graça, sim. Se ainda temos tantos defeitos, é sinal que devemos rezar ainda mais, que a nossa oração deve ser melhorada, não tanto porque a prolongamos, quanto ao invés deve receber as qualidades necessárias da oração, isto é: humildade e fé e perseverança. Não tanto multiplicar as práticas, quanto o fazê-las bem, o fazê-las bem, com humildade, com fé e com perseverança quotidiana, de toda hora, sim.
     Então este é um tempo do qual se pode em verdade dizer que é aceitável, isto é, um tempo de salvação: ecce nunc dies salutis (2Cor 6,2), para vós e para todos aqueles que se entregam ao apostolado. Venerar o magistério de Jesus, venerar o Mestre. Tereis bênçãos especiais e também consolações especiais e estabelecereis a vossa vida cada vez mais em Jesus Mestre, de modo tal que possais merecer mesmo o título que tendes: Pias Discípulas de Jesus Mestre, que é Caminho, Verdade e Vida.
     Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo.
(Meditação para a Comunidade das Pias Discípulas do Divino Mestre. Roma, Via Portuense 739, 4 de março de 1960)



2011: VIVER A QUARESMA EM CRISTO VERDADE, CAMINHO E VIDA
Pe. Antonio F. da Silva

1. O Bem-aventurado Tiago Alberione propõe uma forte dedicação na vivência do itinerário rumo à Páscoa, percorrendo os domingos da Quaresma e da Paixão:
“A Quaresma divide-se em duas partes: a primeira que se diz propriamente Quaresma, que vai do dia das Cinzas até o domingo da Paixão”. E a segunda parte que se chama tempo de Paixão, isto é, do domingo de Paixão até o domingo de Páscoa.
Na primeira parte, isto é, das Cinzas até o domingo da Paixão, de modo especial concentramos o nosso pensamento, a nossa fé, no magistério de Jesus Cristo. E do domingo da Paixão até à Páscoa, na sua paixão e morte de cruz, para dar lugar, depois, à alegria pascal”.
Na sua proposta convida a conhecer o Mestre (Verdade), imitar o Mestre (Caminho), Celebrar a Eucaristia e venerar o Mestre na Adoração Eucaristica (Vida).
O caloroso convite do Bem-aventurado Tiago Alberione é a fazer da Quaresma um tempo privilegiado da nossa comunicação com Jesus Mestre, para que, reavivando o nosso discipulado, Ele se torne o centro do nosso tempo e da nossa vida.
O Magistério de Jesus é único, enquanto Ele é a Verdade. Jesus è a Verdade, isto é, revela Deus como Pai, dá a conhecer a vontade do Pai, que mandou seu Filho para a Redenção da humanidade. A Quaresma é o tempo para efetivar o dom do nosso discipulado com um ato de fé plena em Jesus: que Ele se torne o centro do nosso tempo e da nossa vida, que nos deixemos conquistar por Ele, atrair-nos a Ele com a sua ternura, com o encanto da sua graça. Assim, o ser discípulo de Jesus Mestre não vai ficar só nas palavras, mas Ele vai poder tomar conta de nossos sentimentos e passamos a viver segundo a sua doutrina íntima, tomados pelo sentido íntimo das suas palavras. O Padre Alberione conclui: “Portanto precisamos pedir ao Senhor um aumento de graça, um aumento de fé, um aumento de fé, para que a nossa vida seja conformada à sua”. Esta vida conformada à vida do Filho de Deus leva à essência do discipulado: ser filhos/as no Filho, diante de Deus Pai.
O Magistério de Jesus é único, enquanto Ele é o Caminho. Jesus Verdade não revela o Pai de maneira puramente conceitual, mas dá a conhecer o Pai para ser o Caminho ao Pai, para levar à intimidade com Ele. Como Ele nos leva ao Pai? Jesus nos chama a segui-lo, não de longe, mas assumindo também nós as escolhas que Ele fez para glorificar o Pai e servir os irmãos. Com o seu “Segue-me” Jesus non envolve na busca da sua perfeição e santidade, isto é, viver como Ele viveu, amando como Ele amou: “Não seja um amor feito somente de palavras, nem uma sensibilidade interna, mas seja verdadeiro amor, “amor forte como a morte” (Ct 8,6), dispostos a aceitar a nossa morte, os sofrimentos e também as maledicências, a desestima dos homens, o sacrifício”.
O Magistério de Jesus é único, enquanto Ele é a Vida. Como Caminho, Jesus nos leva ao Pai porque pode nos levar à intimidade do Pai, sendo Ele a Vida, ou seja, pode nos dar o Espirito Santo, que atua em nós a partir do Batismo. É o Espírito Santo que nos introduz na intimidade de Deus Pai e do seu Filho Jesus, habilitando-nos a perseverar no amor até o fim: “É na comunhão que se estabelece, então, definitivamente o coração com Jesus, em Jesus, no coração de Jesus, de tal modo que sejam uniformes os batidos do nosso coração com os batidos do coração de Jesus, sim, como um só coração. O coração de Cristo era o coração de Paulo, assim, havia no coração de Paulo o mesmo amor, havia os mesmos desejos, as mesmas aspirações que no coração de Jesus”.
Com esse itinerário o Bem-aventurado Tiago Alberione nos introduz na espiritualidade pascal, na qual a Palavra (o Evangelho), as escolhas de vida (o Catecismo) e a oração (a Liturgia) nos unem a Cristo, tornando-nos autênticos Discípulos e Missionários. O Pe. Alberione amava dizê-lo assim: que, seguindo Jesus Mestre, também nós nos tornamos outros Cristo Caminho, Verdade e Vida.
2. À luz de Cristo Verdade, Caminho e Vida o Bem-aventurado Tiago Alberione elaborou uma visão cristocêntrico-trinitária de toda a realidade – da Criação e da História –, como revelação da gloria de Deus “em quatro manifestações: na criação, na revelação, na Igreja e no céu”. Tendo por fundamento a sua síntese filosófica e teológica, o Padre Alberione propôs à Família Paulina, e não só à Família Paulina, o método Verdade, Caminho e Vida que pode – por exemplo, recorrendo aos ensinamentos semelhantes do Documento de Aparecida – oferecer uma original e eficaz interpretação do tema da Campanha da Fraternidade 2011 (A Fraternidade e a vida no planeta) e do seu lema (A criação geme em dores de parto – Rm 8,22).
3. Na meditação sobre o Magistério de Jesus, para nos preparar à alegria pascal, o Bem-aventurado Alberione propõe um profundo exame de consciência sobre o nosso ser Discípulos/as e Missionários/as: “A vida religiosa nunca pode ser ociosa, nunca; não há tempo para se perder, nunca. Oh, portanto, seguir Jesus. Quando se faz o exame de consciência, comparar a nossa vida à vida de Jesus”.
Certamente também para o espírito penitencial da Quaresma o Padre Alberione nos convida a um trabalho positivo de conversão e crescimento, segundo este texto fundamental:

TRÊS PENITÊNCIAS

Estão incluídas nas nossas Constituições.

A primeira é comum a todos os religiosos: a vida comum vivida com amor, constância e alegria.

A segunda é dominante: o desenvolvimento da personalidade, de modo a progredir cada vez mais, desenvolvendo os dons e as atitudes: da natureza e da graça. Sempre maior inteligência nas coisas do serviço de Deus e do apostolado. Sempre mais hábeis e industriosos no próprio trabalho. Sempre mais fervorosos nas práticas de piedade e na observância religiosa.

A terceira consiste em aplicar, utilizar e fazer convergir tudo para a glória de Deus, para o apostolado, para entesourar para o paraíso. Sempre para a frente, progredir sempre, preparar-se para aquela vida celeste que nos espera. Ter o santo tormento de quem aspira mais alto; de quem se lança para a frente; de quem procura e usa sempre novos meios. Pessoas que caminham; pessoas que, em cada dia, realizam algo mais para o espírito e na ação; que sentem que estão a viver utilmente os próprios dias.

As nossas penitências não são para debilitar, para esgotar, para enfraquecer a saúde, as atitudes, as energias da mente, do coração, do corpo... Elas, ao invés, são um estudo contínuo para as desenvolver e tudo utilizar para Deus, para as almas, para a santificação (São Paulo, Abril 1949, p. 2, c. 2).
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